Lívia conseguiu parar um carro na rua e, com muito esforço, voltou para casa.
Mas, ao abrir a porta, foi recebida por uma cena que a fez sentir uma dor aguda no peito.
Marina estava encolhida no sofá, enrolada em uma manta como um gatinho ferido.
Otávio estava ao lado, atento, oferecendo colheradas de remédio com o máximo cuidado.
Ao notar a presença de Lívia, ele ergueu os olhos. O olhar que lançou sobre ela era como uma lâmina afiada — carregado de um desprezo quase palpável.
— Ainda tem coragem de voltar pra cá?
A voz de Alberto soou logo depois. Ele se aproximou a passos largos e, sem qualquer aviso, deu um tapa forte no rosto de Lívia.
Ela sentiu o mundo girar e mal conseguiu se manter de pé.
— Eu sei que você ficou incomodada com a volta da Marina. Mas, no fim das contas, ela é sua irmã! E você arma uma dessas? Queria o quê, assustar ela até a morte? Se não fosse o Otávio, sabe-se lá no que isso ia dar!
Marina, por dentro, se deliciava. Mas no rosto fingia preocupação e bondade:
— Pai, não precisa bater nela. Eu estou bem, não foi nada.
— Para de defender essa desgraça! — Alberto quase perdia o fôlego de tanta raiva.
Lívia permaneceu imóvel. Os ouvidos zumbindo, como se o mundo estivesse distante.
Foi então que Otávio falou, com a voz mais fria da noite:
— Peça desculpas para a Marina.
Lívia apertou os lábios.
Não sabia de onde tirou coragem, mas, em tom firme, respondeu:
— Eu não vou pedir desculpas.
Ela já tinha entendido tudo no momento em que os sequestradores a torturaram.
Aquele sequestro tinha sido armado por Marina, só para jogar ela na fogueira e reforçar a imagem de irmã má e cruel.
Ela não tinha culpa. Por que deveria pedir desculpas?
Marina soltou um suspiro, fingindo generosidade:
— Deixa pra lá, Otá. Talvez a Lívia nem tenha feito por mal. Não quero brigar com minha irmã por causa disso.
— Ela quase te matou. Pedir desculpas é demais? — Otávio continuava olhando fixamente para Lívia. O desprezo nos olhos dele era mais forte a cada palavra.
Quando foi que a Lívia ficou tão rebelde, tão descontrolada assim?
Alberto, vendo que ela continuava irredutível, também perdeu a paciência de vez.
Alberto agarrou o braço de Lívia com força e a puxou até jogar ela diante de Marina.
Só quando ela soltou um gemido baixo de dor, ele notou que o braço dela estava coberto de queimaduras.
A testa de Alberto se franziu.
Estava prestes a perguntar o que havia acontecido quando ouviu a voz fria de Otávio:
— Se machucar desse jeito só pra incriminar a Marina. Lívia, você realmente levou o “vale tudo” ao nível máximo.
As dúvidas que Alberto ainda tinha sumiram na hora. O que veio no lugar foi pura fúria.
Ele empurrou o ombro de Lívia com força para baixo.
Ela perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos no chão com peso.
— Você já pensou no que eu sinto como pai ao ver minha filha se destruindo assim? Está claro que, no fundo, você nunca considerou esta casa como sua. E muito menos a mim como seu pai!
Lívia levantou a cabeça devagar. O olhar vazio encontrou o de Otávio, tão frio quanto gelo.
Ele estava com o braço em torno de Marina, olhando de cima como se julgasse uma criminosa.
E ela, ali, ajoelhada, despida de qualquer dignidade.
O olhar desafiador de Lívia o incomodou.
Otávio estreitou os olhos e disse com a mesma frieza:
— Lívia, se você pedir desculpas para a Marina, eu deixo isso pra lá.
Lívia deu uma risada curta.
Os olhos avermelhados encararam os dele, firmes, sem tremer:
— Posso repetir mil vezes. Eu não vou pedir desculpas. Pode bater, matar, fazer o que quiser.
Otávio ficou paralisado por um segundo.
A última sombra de compaixão em seu olhar se dissolveu por completo.
O que veio depois foi uma tempestade. Alberto partiu para cima dela com tapas, socos e gritos — como uma fúria descontrolada.
Lívia já estava fraca. Não demorou muito até que caísse no chão, o corpo mole como se tivessem arrancado a espinha.
Perdeu os sentidos ali mesmo.
...
Lívia não sabia quanto tempo havia passado.
Quando voltou a si, a sala estava completamente vazia.
Lívia, mesmo com o corpo inteiro tomado por uma dor lancinante, se apoiou no sofá com as mãos feridas e, tremendo, conseguiu se levantar. Voltou ao quarto, passo a passo, e revisou pela última vez o conteúdo da mala.
Estava prestes a fechar a mala quando ouviu uma voz atrás de si.
— Gostou da despedida que eu preparei pra você?
Marina estava encostada no batente da porta, o sorriso no rosto carregado de desprezo.
— Na verdade, minha ideia era te deixar aqui até a festa de noivado. Queria que você desejasse felicidades pra mim e pro Otávio, bem na frente de todo mundo. Mas o papai não deixou. Disse que você envergonhou o nome da família Vidal, e que nem mais um segundo te suportava nessa casa.
Ela sorriu com satisfação, o tom ainda mais cruel:
— Lívia, dessa vez você vai embora de vez. Porque só sem você esse lar pode ser completo. Ah, e obrigada, viu? Por ter servido de brinquedo pro meu noivo durante esses dois anos. Pelo menos ele não se sentiu tão sozinho enquanto eu estava fora.
Lívia manteve os lábios cerrados. Não disse uma palavra.
Com um clique seco, fechou a mala.
Junto com ela, também trancou a última lembrança que ainda a prendia àquela casa.
No dia seguinte, antes mesmo de o sol nascer, Lívia embarcou para o exterior.
Foi embora com firmeza. Sem olhar para trás.
Antes de entrar no avião, apagou todos os contatos de Otávio do celular — sem hesitar.
O avião cortou o céu aberto, deixando um rastro branco. E com ele, ficou para trás tudo o que um dia doeu.