Capítulo 2

Capítulo 2

Se tem uma coisa que eu detesto em salas de espera é a maneira como elas são frias. Além do tempo lá fora não ajudar em nada, o ar seco deste ar-condicionado me deixa impaciente. Puxo as mangas do meu moletom escuro e enfio as mãos nos bolsos da calça. Além da janela, uma fina poeira de chuva começa a chapiscar o vidro limpo.

Você já parou para observar uma tempestade? Quando o céu fica escuro e uma grossa camada de nuvem o cobre. O vento fica mais gelado, o ambiente mais triste. Eu não gosto de tempestades ou de dias frios. Eles são irritantes porque fazem eu me sentir mais solitário do que costumo ser normalmente, o que é engraçado de se dizer se você convivesse comigo. Eu sou alguém que vive cercado de pessoas que se dizem minhas amigas, vou a festas com mais frequência do que posso contar e recebo números de garotas aleatórias como se fosse uma celebridade, mas há momentos em que me questiono se isso significa que não estou sozinho ou se tudo não passa de uma distração para me esquecer ao menos por um momento dos aspectos mais tristes da minha vida.

Eu nasci em Trempton City, nesta cidadezinha chuvosa no interior da Pensilvânia. Um lugar esquecido no mapa se você não tem interesse em esquiar durante o inverno ou não aprecia a cerveja artesanal que aqui é produzida.

Os mais empolgados costumam chamar nossa cidade de ninho das estrelas, porque foi aqui que nasceu uma das maiores bandas de rock dos Estados Unidos — há até uma lanchonete que tem uma receita temática chamada Dimples — e foi aqui que viveu Joe Phillipe Bixby, o pianista que dedicou cinco décadas de sua vida a instaurar uma das maiores universidades de música de todo o país. O Instituto Joe Bixby é tão renomado que já formou artistas atualmente consagrados. Um lugar onde o seu dinheiro e sobrenome certamente valem tanto quanto o seu talento. Eu posso estar soando hipócrita ao dizer isso, porque também faço parte da porcentagem de herdeiros que assumem uma cadeira em sua sala de instrumentos, mas tenho os meus méritos, se você me permite ser um pouco vaidoso.

Ser o filho de um músico me rendeu alguns privilégios nessa caminhada pelo amor à arte. Ganhei uma guitarra aos oito anos, mas descobri que meu lance era o piano quando fiz doze, e foi então que pedi ao meu pai que me matriculasse em um curso. A partir dali, minha vida foi dedicada a isso, e eu posso dizer que, apesar de tudo o que passei naquela época, tal decisão me ajudou muito a superar meus demônios. Sinceramente, sem a música eu não tenho certeza se ainda estaria vivo.

No entanto, isso não exclui o fato de que ainda me sinto sozinho e vazio. Que sou refém, até hoje, das cicatrizes que adquiri ao longo da vida. Cicatrizes estas que eu faço o possível para superar todos os malditos dias.

Um movimento à minha esquerda chama minha atenção, fazendo com que eu me vire para encarar a recepcionista de Hana. Seu nome é Cindy, ou Candy, não tenho certeza. Ela é nova aqui, e deve ter por volta da minha idade. Já me passou seu número discretamente nas duas últimas vezes em que vim para minhas consultas, então sinto falta da antiga senhora Palmer — que parecia detestar minhas tatuagens, mas nunca deu em cima de mim, pelo menos.

— Eu amo dias frios — ela diz, sorrindo empolgadamente para a chuva batendo na janela. — Você sempre usa roupas com mangas. Deve gostar também, não é?

— Na verdade, eu detesto.

Seu sorriso morre no mesmo instante.

— Você quer um café ou... uma água? — Cindy-Candy me pergunta pela terceira vez, e como em todas as outras apenas respondo com um:

— Estou bem, obrigado.

Ela me encara como se quisesse dizer mais algo. Eu juro que vou enfiar um lápis no meu olho se ela me empurrar um papel com seu número de novo, mas alguma divindade está ao meu favor nesse momento, porque o telefone em sua mesa toca em um timing perfeito, então ela redireciona sua atenção para o mais importante.

— Sim, Dra. Saito? Certo, irei avisá-lo. — Depois de colocar o telefone de volta no gancho, ela volta a me encarar. — Você pode entrar agora, Aaron.

Eu agradeço com um aceno e empurro a porta do consultório. Quando entro no espaço, que para mim já é mais familiar do que eu gostaria, encontro uma Hana Saito carregando um grande sorriso. Seus cabelos escuros estão presos desta vez, e a camisa com estampa de gatinhos é engraçada. Ela está girando uma caneta com uma caveirinha roxa na cabeça que eu acho particularmente esquisita, mas quem sou eu para julgar?

— Como estamos hoje? — ela pergunta conforme me observa sentar-me diante dela.

Coloco minha mochila aos meus pés e faço uma varredura pelo escritório.

— Você mudou a decoração desde a última vez em que estive aqui?

Ela estreita os olhos, já notando meu jogo.

— Está a mesma coisa de sempre. Agora, me diga a verdade: você está bem?

— Eu acho que não havia esses vasos de planta. Essa coisa é de verdade? Porque se for, você precisa regá-las.

Ela não muda a expressão em nenhum momento, o rosto sempre impassível, mas o tom de voz está mais firme.

— Aaron Ditt, você é meu paciente mais irritante.

— E o mais bonito também. — Dou a ela um sorriso brilhante. — Você deveria levar isso em consideração, afinal não são muitas pessoas que possuem a benção de olhar para esse rosto por uma hora inteirinha.

— Acho que não estou aqui para apreciar sua boa aparência — rebate. — Estou aqui para evitar que você continue fazendo o que está fazendo agora: ignorando seus problemas.

Meus ombros murcham. Confesso que não queria estar aqui, mas não tenho uma escolha, exatamente. Minha jornada para colocar minha cabeça em ordem foi longa demais. Não posso simplesmente dar um passo para trás agora.

— Estou... normal, eu acho.

— Tem certeza de que é essa a resposta que quer me dar? — ela pergunta. — Não senti convicção em suas palavras.

Solto um suspiro longo e vou direto ao assunto:

— O meu pai está voltando pra casa. Muito em breve.

— Oh? — ela murmura. — E o que você acha sobre isso?

— Não sei. Era pra eu achar legal, certo? Tipo, ele está voltando pra nós.

Erguendo uma das sobrancelhas, ela incita:

— Mas...?

— Eu tenho medo de que as coisas piorem ou voltem ao que eram antes — continuo. — Seu terapeuta e o seu agente disseram que ele está apto a voltar com a sua vida normal, mas eu não sei. Ainda estou inseguro.

— Você não acha que deveria confiar um pouquinho mais na palavra de quem tem mais conhecimento sobre isso? — ela pergunta. — Entendo que esteja com medo, mas talvez você esteja gerando preocupações demais nessa cabeça.

— Como se eu pudesse controlar — digo. — Não me preocupa que eles estejam mentindo. Minha preocupação é de como as coisas vão ser a partir de agora.

— Explique-se melhor.

Balanço a cabeça.

— Você me julgaria se eu dissesse.

— Jamais vou julgar você, Aaron. Sabe que não vou.

Solto outro suspiro.

— Estou cansado, pra falar a verdade — digo. — Estou exausto de lidar com isso, mas disposto a apoiar meu pai. Eu ficaria mais tranquilo se ainda morássemos juntos, é claro, mas não quero voltar para a casa dele. Tenho que pensar em mim também, não é? Na minha independência. É tanta coisa na minha cabeça que eu fico aterrorizado em pensar na possibilidade de que há alguém precisando de mim. Às vezes me sinto muito egoísta.

— É óbvio que seu pai precisa de você, mas isso não significa que você tem que assumir todas essas responsabilidades sozinho. Ele é um homem adulto e lúcido. É capaz de se cuidar.

Em parte, ela tem razão, é claro, mas ainda há aquele pedaço de mim que sente que deveria fazer algo.

— Eu queria que minha mãe estivesse aqui. Ela saberia lidar com ele.

A expressão de Hana muda. Sua postura profissional vacila um pouco quando cito minha mãe, sua melhor amiga de uma vida toda.

Hana Saito veio do Japão acompanhada da minha mãe, Aiko, há mais de vinte anos. Elas eram melhores amigas, inseparáveis, quase irmãs. Foi Hana quem esteve ao lado da minha mãe quando ela descobriu que estava grávida, e também foi ela quem segurou em sua mão pela última vez quando minha mãe faleceu numa sala de parto, logo depois de eu nascer. Sei disso porque ela me contou nas poucas vezes em que conseguiu falar sobre ela sem chorar.

James Ditt sempre foi um homem apaixonado. Ele costumava falar muito bem da minha mãe, dizer o quanto se amavam e como foram perfeitos juntos, mas depois de um tempo isso mudou. A morte dela vem abrindo feridas no peito do meu pai, que ele costuma tentar fechar com drogas e bebidas. Depois de ir parar pela terceira vez numa clínica de reabilitação, graças a mim, eu não acho que esteja sendo seu filho favorito agora.

Hana volta a falar:

— É realmente um peso muito grande para alguém da sua idade carregar, Aaron. Você não precisa assumir todas essas responsabilidades. O seu pai precisa de ajuda, isso é óbvio, mas agora, depois da reabilitação... as coisas podem ter mudado, não acha? Apenas espere para ver no que vai dar. Pare de sofrer por antecipação. Isto não é saudável.

Eu cruzo meus braços sobre o peito, sabendo que ela tem razão, mas ainda inseguro. Estou tão exausto emocionalmente que só quero acabar com esse assunto.

— Podemos encerrar mais cedo hoje?

Normalmente, ela insistiria para que eu derramasse um pouco mais de minhas merdas até que eu me visse refletindo sobre tudo isso sozinho, mas hoje ela é generosa e simplesmente me dá um aceno de cabeça em confirmação. Me levanto e pego minha mochila do chão. Abro e estendo um pacote pesado para ela.

Hana pega a sacola de presente com uma expressão de curiosidade.

— O que é isso?

— Alguma história em quadrinhos sobre um super-herói que pula de navios. Uma garota na livraria me ajudou a encontrar, então se não estivermos falando do mesmo Capitão Flecha, reclame com ela.

Ela sorri amplamente conforme analisa o presente.

— Há quase todas as edições em capa dura aqui. Sua garota acertou em cheio. Obrigada.

— Nerd — zombo, fechando a minha mochila e a jogando no ombro.

— Ok, garoto popular. Deus te livre ser visto no consultório de uma nerd-barra-geek perdedora como eu.

— O que posso fazer? Preciso manter o meu status.

Ela mantém o sorriso.

— Ei, Aaron, eu gostaria de fazer uma festinha de comemoração atrasada na minha casa no sábado. Minha prima mais nova veio de viagem e quer muito te conhecer. Se você puder...

— Esqueça — a corto, já sabendo suas intenções por trás disso.

— Ora, vamos lá, Aaron. É só uma chance de você fazer novos amigos.

— Eu não faço novos amigos — digo enquanto ignoro sua expressão de repreenda, já andando em direção à porta. — Feliz Aniversário, Hana.

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