Capítulo 01

Katherine Adams

Aqui vai a única coisa que você precisa saber sobre o caos que a minha vida se tornou em cinco minutos: eu não estava preparada para isso.

Mas vamos com calma, essa história precisa começar do princípio para que você entenda o meu desespero.

Sete anos antes

— Ah, meu Deus! Nem acredito que você vai embora! — Ashley falou, entusiasmada demais, batendo palmas freneticamente, como uma criança que acaba de ganhar um presente muito esperado.

— Não vou embora... — dei ênfase na última palavra. — Só vou para a faculdade estudar durante alguns anos e, provavelmente, depois voltarei para esse fim de mundo — revirei os olhos ao terminar de falar enquanto fechava a última mala.

Não que aquele fosse mesmo meu plano: voltar para minha cidade natal. Mas havia chances, e eu estava disposta a fazer o possível para contrariá-las.

— Não mesmo! Você vai se formar e se tornar alguma empresária rica — ela sorriu. Depois deitou na cama e encarou o teto com um olhar sonhador. Deixei um sorriso genuíno aparecer em meus lábios e me agarrei àquelas palavras positivas. — E não se esqueça de arrumar um “boy magia” bem gato para que os filhos de vocês possam nascer perfeitos.

— Esse sonho é seu, bebê — retruquei, olhando para a minha irmã e pensando em como podíamos ser tão diferentes.

Ashley era um ano mais nova e totalmente o oposto de mim. Enquanto eu sonhava em ter uma carreira digna de uma biografia de sucesso, Ashley sonhava em casar com o príncipe encantado, ter filhos, um cachorro e uma casa com cerca branca. É claro que parte de mim também queria casar algum dia e talvez ter um filho ou dois, mas não lidava com aquele desejo como um objetivo de vida e sim como algo que, se acontecesse, seria bem-vindo.

Ash era sensível, carinhosa e tinha a incrível habilidade do carisma, todos a amavam incondicionalmente! As crianças pareciam ser atraídas por ela em qualquer lugar que íamos, como se fosse um imã. Ela irradiava algo bom que fazia com que todos quisessem experimentar.

Já eu, bom, era a filha que não deu certo.

Não gostava de socializar, não gostava de dividir nada e dificilmente ficava sorrindo para os outros. Quando éramos pequenas, eu brincava apenas com a Ash, nada de primos ou amigos próximos, e isso me rendeu algumas sessões de terapia, mas tudo para constatar que era apenas uma criança “pouco ativa e pouco sociável”.

Para nossos pais, aquilo não era aceitável, pois como poderiam ter duas filhas tão diferentes se eram criadas no mesmo lar?! Lembro-me vagamente de ouvir mamãe secretamente resmungar para o papai, tentando entender como eles — duas pessoas positivas, alegres e de bem com a vida — poderiam ter errado tanto com a minha criação. Não era culpa deles, obviamente, e aquilo não me deixava triste ou magoada. Eu era como era e com o passar dos anos, eles aceitaram o fato de terem duas filhas opostas, e o fato de sermos unidas — apesar das diferenças — ajudava bastante.

Nós éramos muito parecidas fisicamente. Fomos agraciadas pela boa forma física da mamãe e pela beleza peculiar do papai. Nossas peles morenas, como aquele bronzeado do verão, e nossos lábios carnudos, faziam toda a diferença. Além disso, tínhamos um olhar bem marcante, nos diferenciando apenas pela cor. Enquanto eu tinha os olhos verdes do papai, Ash herdara os olhos castanhos da mamãe, mas isso não a tornava menos atraente. Pelo contrário, lhe dava uma beleza diferente.

“Olhos de jabuticaba”, mamãe dizia sempre que nos olhava, como um elogio carinhoso que me soava muito particular.

No ensino médio, nossas diferenças ficaram ainda mais visíveis. Ashley além de ser inteligente, era popular, tinha vários amigos, participava de várias coisas diferentes, como teatro, clube de música, líder de torcida e etc. Enquanto isso, eu me dedicava às minhas notas, sonhando em sair do fim de mundo onde morávamos e entrar em uma boa faculdade para nunca mais precisar voltar.

Quando a carta de Harvard chegou dizendo que havia sido aceita com uma bela bolsa de estudos pelas minhas notas, senti que enfim a vida havia sorrido para mim. Não que minha vida fosse ruim ou um completo desastre, longe disso, mas ver um sonho sendo realizado por mérito próprio era muito gratificante, ainda mais daquela forma. Afinal, se não fosse pela bolsa, provavelmente meus pais não poderiam arcar com tantas despesas.

Acontece que mal sabia eu o rumo que as coisas iriam tomar.

A rodoviária estava cheia de estudantes naquele dia. Era possível ver famílias se despedindo para onde quer que olhasse. Alguns estudantes já começavam a subir no ônibus quando mamãe me puxou para junto de si, como se eu fosse uma criancinha no meio de toda aquela gente.

— Prometa que não vai se envolver com drogas — mamãe choramingou, me abraçando forte.

— E nem vai cair no papo desses universitários da cidade grande — alertou papai, parado atrás da esposa e sorrindo, com lágrimas nos olhos.

Sorri de volta para ele, enquanto tentava me desvencilhar do abraço sem fim da minha mãe, falando baixinho que estaria tudo bem e que não era como se eu estivesse partindo para sempre. Entretanto, parecia ser exatamente o que ela pensava.

Quando consegui enfim, me livrar dos braços da minha progenitora, minha irmã mais nova me envolveu nos seus braços e fungou próximo do meu pescoço.

— Vou sentir tanto a sua falta! —Ash limpou as lágrimas fugitivas e se desvencilhou de mim.

— Também vou sentir falta, de todos vocês. — Sorri. — E você — me virei para Ashley —, nada de perder o juízo por aí! Quero você em Harvard comigo ano que vem.

Era a segunda parte do meu sonho: ter Ash na mesma faculdade e poder dividir com ela os momentos que julgava serem únicos na vida universitária.

Ash assentiu sorrindo — não muito positiva quanto a isso — e me abraçou novamente.

A verdade nua e crua daquilo era que dificilmente nossos pais poderiam manter duas filhas em Harvard, por mais que quisessem. Nós sabíamos que apenas uma teria como realizar esse sonho e, por sorte — ou não —, havia sido eu.

O ônibus era o ápice da minha noite — até aquele momento —, pois nunca havia viajado sozinha, tampouco em um veículo de dois andares e tão aconchegante. Sentei no acento marcado no bilhete que carregava em mãos e agradeci mentalmente por ter conseguido um ao lado da janela. Pelo vidro, vi mamãe, papai e Ash se afastando, conforme o motorista saía de ré do estacionamento.

Eu estava há mais ou menos vinte horas do meu destino final, do meu recomeço.

Sair de Blueville foi como embarcar em uma grande aventura. Nunca havia saído da cidade para nada, nem mesmo para conhecer o campus onde moraria pelos próximos cinco anos da minha vida. Estava com muitas expectativas naquele momento, como se tivesse abandonado meu lado negativo na minha cidade natal e estivesse tentando ser uma nova pessoa daquele momento em diante.

Blueville era uma cidadezinha pequena, localizada na costa de Greenville, na Carolina do Norte. A cidade levava esse nome por dois motivos: primeiro, por causa do mar, que tinha um tom azul surreal, diferente de tudo que você já viu por aí; e, segundo, porque quando fora descoberta, era o lar de um bando de pássaros azuis bem peculiares. Ainda era possível, no verão, ver alguns sobrevoando, a praia ainda que estivessem quase em extinção.

História interessante, não? Enfim... Era uma cidade com cerca de dez mil habitantes, onde todo mundo conhecia todo mundo e o forte do comércio era a pesca e o artesanato.

Aqui, literalmente, nós vendíamos nossa arte na praia.

Com o tempo a cidade cresceu relativamente, dobrando a quantidade de pessoas e trazendo algumas indústrias junto. Isso, por incrível que pudesse parecer, foi bom para todos, tanto para o comércio quanto para os nativos. Além do mais, Blueville era muito movimentada no verão, quando os bacanas de Nova Iorque decidiam passar as férias aproveitando a areia quente e o mar azul.

Meu pai era um advogado respeitado na cidade e minha mãe enfermeira no hospital local. Eram um casal conhecido pela maioria dos residentes e muito respeitados por todos, coisa que fez com que eu e Ashley sempre andássemos na linha.

Mamãe era natural de Blueville, conhecera papai na universidade e desde então estavam juntos. Papai, por outro lado, era natural do Havaí, e, depois da faculdade, resolvera que o melhor lugar para construir uma família seria naquela cidadezinha, voltando com a namorada para lá e casando-se em seguida.

Nunca vou concordar com essa escolha. Queria muito ter crescido em Honolulu, com uma saia de tiras de palmeira e dois coquinhos para cobrir os seios, dançando o hula hula em frente ao mar.

— Primeira parada! — escutei o motorista do ônibus gritar. — A próxima será só daqui a três horas!

Estava tão imersa em meus pensamentos que nem tinha me dado conta de que as primeiras três horas de viagem já haviam se passado, o que me lembrou também que não havia levado nada para comer e, provavelmente, sentiria fome em algum momento.

Observei as pessoas se levantando e saindo do veículo, indo em direção a um pit stop na rodovia onde o ônibus havia sido estacionado.

Por um momento analisei os prós e contras de descer também. As chances de usar o banheiro poderiam fazer com que ele fosse embora sem mim, alterando completamente meu humor e tornando minha grande aventura em um verdadeiro desastre.

Como se pudesse ajudar com o dilema de descer ou não, minha barriga roncou, lembrando-me que a viagem seria longa e que em algum momento teria que sair do veículo para comer. Por outro lado, meu subconsciente gritou: "É arriscado demais, você só tem vinte minutos, pensa bem.", em tom de alerta, fazendo com que eu ficasse confusa e indecisa.

Por fim, resolvi sair, pegando apenas minha carteira. Afinal, poderia ser rápida se já fosse pensando o que compraria, agilizando o processo de escolha e indo rapidamente para o caixa. Caminhei entre os bancos, me apoiando nos encostos, até chegar à porta e descer os degraus com cuidado. Uma lufada de vento quente bateu no meu rosto e o cheiro de gasolina logo preencheu minhas narinas.

O lugar era extremamente espaçoso e estava cheio. Era uma espécie de restaurante com lojinha de conveniência, extremamente iluminado e gelado devido ao ar condicionado. Eram muitas opções do que comprar e naquele momento meu cérebro parecia ter entrado em curto enquanto eu olhava para todas as coisas expostas nas prateleiras e tentava — em vão — optar por alguma.

Como uma criança solta em um supermercado — mais especificamente na seção de guloseimas — peguei alguns salgadinhos, um pacote de bala de goma, duas garrafas de água com gás, uma barra de chocolate e uma embalagem pequena de chicletes. Segui por entre as pessoas até a imensa fila do caixa.

Por um momento imaginei que todos tivessem tido a brilhante ideia de pagar suas comendas ao mesmo tempo, pois havia muita gente e poucos funcionários atendendo. Eu já começava a ficar apreensiva e consultava o relógio de pulso a cada dois segundos, como se aquilo fizesse o tempo passar mais rápido.

Lentamente a fila pareceu diminuir, enquanto eu mudava o peso do corpo de uma perna para a outra, incomodada com a demora e receosa em perder meu ônibus com toda a minha bagagem dentro.

— Já pensou ficar presa nesse fim de mundo sem nem mesmo estar com o celular — resmunguei baixo, lembrando de ter deixado o aparelho dentro da bolsa, na poltrona do ônibus. Que belo desastre eu era!

— Falou comigo? — Um rapaz alto, loiro e com os olhos azuis, virou para trás e me encarou sorrindo.

Ele deveria ter em torno de 1,85m de altura, o que fez com que tivesse que olhar um pouquinho para cima, já que meus meros 1,60m não nos igualavam de forma alguma. Encarei aqueles olhos claros e senti minhas bochechas corarem diante de alguém tão bonito.

Deveria, inclusive, ser crime alguém ser tão atraente assim.

— Ah! — exclamei, me recompondo e fingindo que aquela beleza era muito comum de onde vinha (não que ele tivesse notado!). — Não! Eu falei sozinha, desculpa.

Ele sorriu, mostrando os dentes brancos e algumas ruguinhas bonitinhas no canto dos olhos. Totalmente sem defeitos!

— Quantos anos você tem? — perguntei, antes mesmo que meu cérebro pudesse processar a ação e fazer com que eu ficasse quieta. Existia uma forma exata de puxar assunto? E por que eu estava falando mesmo?

— Vinte — ele respondeu, parecendo confuso com a minha pergunta. — E você?

— Dezoito — falei, dando um sorriso amarelo. Certamente só havia perguntado por educação.

— Matthew. — Ele estendeu a mão e eu a apertei da melhor forma possível, soltando a cestinha de compras no chão entre meus pés.

— Katherine. Está indo pra onde?

— Harvard. — Ele sorriu. — É meu segundo ano lá. Em que ano você está?

— Como você sabe que eu vou pra lá? — perguntei desconfiada, olhando-o de soslaio.

— Você tem dezoito anos e cara de estudante, foi um palpite. — Ele sorriu de canto e deu de ombros.

Provavelmente aquele sorriso conquistava muitas garotas por aí, mas eu não era do tipo apaixonada e que caia fácil naquele jogo — mesmo que ele fosse muito bonito e que já eu tivesse notado.

— Certo — falei, olhando para ele ainda com os olhos semicerrados. — Vai ser minha primeira vez.

O sorriso do garoto se alargou, talvez se divertindo com o duplo sentido da minha frase, e voltou a olhar para frente encerrando nossa conversa.

Matthew passou no caixa primeiro, o que me deu uma chance de observá-lo melhor. Ele tinha uma postura ereta, com aquele ar de homem bem resolvido e que sabe o que quer. Usava uma camiseta branca de manga três quartos, um pouco repuxada para cima, justa o suficiente para ver que malhava ou praticava algum esporte para manter o físico por baixo. A bermuda cor nude não era tão justa, mas deixava o seu bumbum bem saliente. Certamente várias garotas deveriam ir à loucura com esse garoto de sunga.

Esse pensamento me fez olhar para suas mãos, em busca de alguma aliança de compromisso, muito usada pelas adolescentes apaixonados em começo de namoro. Não havia nada ali, o que me fez sorrir em sinal de satisfação.

Além de bonito era solteiro? Tinha algo errado com aquele rapaz, o que me fazia pensar que, provavelmente, não valia muito.

"Mas já?", Meredith — apelido carinhoso dado ao meu subconsciente — falou, fazendo com que eu rolasse os olhos antes de ignorá-la.

Não era a típica paixão à primeira vista que acontecia com frequência nos livros ou filmes. Estava apenas observando o belo rapaz que, por acaso estudava no mesmo lugar que eu, e que, eventualmente, poderia me encontrar no enorme campus.

Eu não estava pensando nessa possibilidade, juro! Entretanto também não descartava. Afinal poderia acontecer, não poderia?!

— Próximo! — Ouvi a moça do caixa chamar. Juntei minha cesta do chão e caminhei até ela.

Enquanto a moça, não muito mais velha que eu, bipava as minhas poucas compras, notei pelo vidro do restaurante o rapaz entrar em um carro importado enorme e logo aquele meu pensamento de ter um rosto conhecido em Harvard se foi.

Então Matthew era rico, bonito e solteiro. Jamais seríamos amigos ou apenas conhecidos. Provavelmente ele não seria meu colega de turma e nem frequentaríamos os mesmos lugares, já que era óbvio que não compartilhávamos da mesma classe social.

— Filhinho de papai. — Rolei os olhos, ignorando o olhar confuso da garota no caixa.

Fiz o pagamento, sentindo como se tivesse deixado um rim ali de tão caro que as coisas eram, e mentalmente me repreendi por não ter analisado melhor o preço do que estava comprando. Voltei apressadamente para o ônibus, faltando apenas três minutos para partir.

Deixei as sacolas entre as pernas e inclinei a poltrona para trás, buscando na bolsa os fones de ouvido e deixando que uma playlist qualquer tocasse, o que me permitiu dormir com o embalo do veículo e com a melodia.

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