Quando os nossos olhares vazios se cruzaram.
Os olhos de Damien vacilaram por um instante, tomados pela culpa.
Mas, ao se lembrar dos ferimentos de Sera, ele apenas cerrou os dentes e virou o rosto sem dizer mais nada.
Kieran, por sua vez, observou tudo em completo estado de choque.
Embora eu não soubesse, ele já ouvira falar da minha reputação como curandeira talentosa e, por muito tempo, me admirara em segredo.
No entanto, foi apenas ao saber que eu tinha um noivo e que, aparentemente, vivíamos um grande amor, que decidiu silenciar completamente seus sentimentos.
Durante um tempo, sentira até ciúmes daquele homem que jamais conhecera.
Mas nunca imaginou que, justamente no momento em que eu mais precisasse de cuidado, esse homem me abandonaria para confortar outra mulher.
Naquele momento, meu ferimento ainda sangrava de forma constante.
Mas eu já não parecia sentir dor. Meus olhos estavam completamente sem vida.
Ao lado, os lábios de Kieran tremiam, partidos de tristeza:
— Aria, vou buscar algumas gazes para tratar seu corte.
Depois de enfaixar meu braço, pedi a ele que me ajudasse a dar alta no hospital.
Contudo, pouco antes de eu partir, Kieran me puxou suavemente para o lado.
Ele compreendia que a casa dos Blackwood não era mais um lar para mim.
E, por isso, ofereceu abrigo por alguns dias, disposto a cuidar de mim.
Claro, contanto que eu não me importasse.
Mesmo assim, apenas sorri e balancei a cabeça.
Porque não queria envolvê-lo naquele caos.
Afinal, já era mais do que suficiente que eu me ferisse sozinha.
-
Quando voltei para a casa dos Blackwood, vi uma mensagem do meu pai no celular:
"Sera acabou de receber tratamento para o ferimento, então precisa de alguém ao lado dela. Por isso, esta noite, não vamos voltar para casa."
"Deixei um pouco de comida na cozinha. Coma quando chegar."
Sobre a mesa de jantar, repousavam meia pizza e alguns pedaços frios de frango frito. Estava claro que aquilo não tinha sido separado especialmente para mim: eram sobras da refeição da família.
Com isso, encarei a comida com expressão vazia. No fundo, já estava acostumada com isso.
Quando Sera chegou à família Blackwood, meu pai logo se compadeceu da pobre ômega.
Disse que ela crescera nas terras remotas da fronteira e, por ser ômega, sofrera com má nutrição desde a infância. Por isso, todos os dias ele fazia questão de comprar verduras, carnes e frutas frescas para fortalecer Sera.
Em contrapartida, como eu já estava quase entrando na fase adulta, a família argumentou que, por estar prestes a passar pela transformação e, consequentemente, me tornar naturalmente mais forte que ela, era meu dever cuidar dela, demonstrando maturidade e compreensão.
A partir daquele momento, passei a me virar sozinha.
E a família esperava que eu abrisse mão de tudo, espontaneamente, por causa dela.
Como eu não era naturalmente competitiva, só pude assistir enquanto Sera tomava tudo o que era meu.
Até mesmo o quarto que antes me pertencia agora estava ocupado por ela.
Enquanto isso, eu dormia no sótão gelado, sobre o chão duro.
Talvez, aos olhos do meu pai, a fala doce e a personalidade bajuladora de Sera fossem exatamente o que ele sempre quis em uma filha.
Foi então que a porta se abriu.
E meu irmão Ethan entrou carregando uma sacola.
Ao me ver ali, congelou por um segundo, depois franziu a testa como se tivesse encontrado algo repulsivo.
— Voltei só para pegar os itens de higiene da Sera.
— Ah, e o Damien pediu para te avisar que quer encerrar o noivado. Mesmo que tenham crescido lado a lado, ele acredita que vocês não são compatíveis como companheiros. Como a cerimônia nunca foi oficializada, ele acha melhor terminarem de forma amigável. Quanto a Sera, ela anda tomada pela culpa, e o curandeiro mencionou que seu estado emocional pode se agravar e se transformar em depressão, com risco de ela se machucar outra vez. Por isso, Damien não pode deixá-la sozinha agora.
— Ele também me entregou isso aqui, que foi um presente seu, e pediu para eu te devolver.
Ele retirou da sacola uma pedra de cura de alto nível e a entregou em minhas mãos.
Aquela tinha sido a primeira lembrança que dei a Damien.
Quando eu era criança, não tinha dinheiro para comprar presentes caros.
Mas recordava que o curandeiro-chefe da alcateia dissera que, na Floresta Amaldiçoada, era possível encontrar pedras de cura raras.
Por isso, arrisquei-me entre os renegados e passei um mês inteiro vasculhando cada canto até encontrar aquela pedra.
Naquela época, Damien ainda era apenas um alfa em treinamento e voltava para casa, diariamente, coberto de feridas, em busca desesperada de algo que pudesse ajudá-lo.
A lembrança seguia clara em minha mente: ele havia chorado ao ganhar o presente, me abraçado profundamente emocionado e prometido, de coração, que o guardaria para sempre.
Agora, porém, além de ter traído a promessa.
Ele sequer teve a dignidade de me devolver aquilo em mãos.