Em algum momento, acabei perdendo a consciência.
E no sono turvo, sonhei.
Sonhei com os tempos do ensino fundamental, mais precisamente com a ocasião em que meu artigo foi publicado no Jornal Médico, marcando a primeira vez em que revelei meu dom de cura ao conseguir salvar um lobo que estava à beira da morte.
Naquele dia, cheguei em casa radiante com a notícia, mas, em vez de reconhecimento, fui recebida com zombarias por parte da minha família. Chegaram a dizer que tudo aquilo era apenas sorte.
A única que me acolheu com ternura foi minha mãe, que ouviu atentamente e com orgulho enquanto eu relatava as diversas técnicas de cura que tinha utilizado.
Curiosa, perguntei se ela também entendia de artes curativas.
No entanto, mamãe balançou a cabeça, com a voz suave como água de nascente:
— Mamãe não entende feitiços de cura avançados nem conhece as propriedades das ervas, mas mamãe sabe que minha filha é a pessoa mais incrível do mundo. Não importa o que faça, sempre terei orgulho de você.
Aquela tarde ficou gravada na minha memória por muitos anos.
Hoje, embora eu fosse uma curandeira reconhecida por toda a alcateia, responsável por salvar a vida de inúmeros lobisomens, sentia um vazio profundo:
Afinal, a única pessoa que costumava acariciar minha cabeça e me elogiar com ternura... Já não estava mais neste mundo.
— Mamãe...
Quando acordei, as marcas das lágrimas ainda estavam úmidas em meu rosto.
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A primeira coisa que vi foi um jovem com expressão aflita.
Era Kieran, um lobisomem que eu havia conhecido nos Territórios do Norte. Ele admirava profundamente meu talento como curandeira e vinha tentando me recrutar para a alcateia dele.
— Aria, sua família foi absolutamente cruel com você.
— O próprio curandeiro de emergência disse que sua loba quase desapareceu por completo, e, ainda assim, eles continuaram jantando como se nada tivesse acontecido.
— Você está inconsciente há dois dias, e ninguém veio te ver sequer uma vez.
Ao ouvir suas acusações indignadas, meu rosto permaneceu inexpressivo.
E essa reação anormal fez o coração de Kieran doer de compaixão.
"O coração alegre aformoseia o rosto, mas pela dor do coração o espírito se abate."
Era exatamente assim que eu me sentia.
— Aria, trouxe algo para você comer, pois sua loba está muito fraca neste momento. É importante que se alimente, nem que seja apenas com um pouco de fruta.
Sem me dar tempo para responder, Kieran pegou uma pequena faca e, com firmeza, começou a descascar uma maçã. Logo depois, cortou um pedacinho e o aproximou da minha boca com cuidado.
Não tive escolha senão abrir os lábios e mastigar.
Aos poucos, a imagem de Kieran à minha frente começou a se sobrepor com uma figura das minhas lembranças.
Logo após a morte da minha mãe, eu passei a me apegar ao colar de pedras dela como uma possessa, recusando-me a comer, beber ou sair para treinar caça. Diante desse comportamento, meu pai, tomado pela fúria, me espancou até cobrir meu corpo de hematomas.
Como resultado, até meu irmão ficou apavorado, encolhendo-se num canto e sem ousar emitir um único som.
Nesse momento, Damien correu até a casa dos Blackwood e, com coragem, usou seu pequeno corpo para me proteger.
Foi ele quem me levou para casa e, com tanta delicadeza, dedicou-se a mim de forma tão atenta que até cortou frutas com as próprias mãos para tentar me alimentar.
Naquele tempo, Damien foi um raio de luz na minha vida.
No entanto, jamais imaginei que o noivo que um dia jurou nunca me trair acabaria se apaixonando por outra.
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— Aria Blackwood, quem é esse homem?
Uma voz fria me trouxe de volta à realidade.
Damien estava parado à porta do hospital, com o rosto escurecido pela fúria.
Depois de se apaixonar por Sera, ele passou a acreditar que ela era sua verdadeira alma gêmea e decidiu romper comigo.
Mas, ao ver outro homem cuidando da sua companheira com tamanha delicadeza, o coração de Damien se contraiu com uma dor inexplicável.
Como se algo que lhe pertencesse por direito estivesse sendo arrancado à força.
Kieran estava prestes a se explicar, mas Damien, em silêncio, avançou com rapidez e desferiu um golpe que derrubou a faca de frutas da mão dele.
Fazendo a lâmina, extremamente afiada, voar em minha direção.
Como minha loba ainda estava gravemente ferida por causa da prata e havia entrado em sono de cura, não tive força nem reflexo para desviar.
Sem sua regeneração, o impacto da lâmina fez um longo corte em meu braço, e o sangue jorrou na hora.
Devido às lesões anteriores, minha sensibilidade à dor estava muito maior, então a agonia intensa me fez tremer descontroladamente.
Mesmo assim, Damien não olhou para mim nem por um instante.
Seu olhar sombrio permaneceu cravado em Kieran, transbordando ameaça.
— Saia.
O tom deixava claro que, para ele, eu não passava de um brinquedo pessoal que ninguém mais tinha o direito de tocar.
Foi então que o celular dele tocou. Ao atender, seu semblante mudou drasticamente.
— Mesmo que as queimaduras de prata tenham sido um acidente, a Sera continua se culpando por ter sido descuidada. Por causa do remorso, ela acabou se cortando com uma adaga e está muito ferida, além de bastante fraca agora. Por isso, preciso levá-la até um curandeiro. Prometo que volto para te ver depois, tudo bem?
Não havia qualquer sinal de dúvida em suas palavras: ele apenas me informava que iria embora.
Logo, apertei a mão contra o corte ainda sangrando e, com um sorriso amargo, encarei seu rosto impassível:
— Tudo bem.
Ele não havia se importado nem por um instante quando fui queimada com pó de prata bem diante dos seus olhos. Ainda assim, bastou uma ligação sobre Sera para que ele corresse até ela, disposto a consolá-la sem pensar duas vezes.
Já não queria mais um companheiro como ele.
Então não havia motivo para me entristecer.
"Dentro de apenas oito dias, Damien, você enfim não precisará manter essa farsa.
Porque eu vou te deixar completamente."