Salve ElenaRocco recuou como se tivesse levado um golpe. Seus punhos se cerraram automaticamente, e seus olhos vibraram em puro ódio. Não podia ser verdade, mas ele sabia, no fundo, que não estava enganado. Heleonora, a mulher que o condenara à escuridão eterna, estava diante dele, no corpo da mãe de seus filhos."Heleonora…?" Ele sussurrou, tentando manter o controle de sua raiva. "O que faz no corpo dessa mulher?"Elena, ou melhor, Heleonora, inclinou a cabeça para o lado, analisando-o com um ar de superioridade. Ela passou os dedos pelo próprio braço, como se testasse o corpo que ocupava."Ah, meu querido, é tão bom ver que você ainda me reconhece." Ela deu uma risadinha cruel. "Estava ficando entediada. Esse corpo… ah, é uma ferramenta temporária. Mas tenho que admitir, é confortável o suficiente.""Saia dela agora!" Ele rosnou, avançando alguns passos."Calma, calma…" Heleonora levantou uma mão como se estivesse acalmando uma criança birrenta. "Você não quer machucar a mãe
ElenaOlhar estranhoAo abrir os olhos, a luz do quarto parece uma invasão de pequenos raios agudos, ofuscantes. Minha visão está embaçada, e sinto minha boca tão seca que parece um deserto. Tento me mover, mas meu corpo parece pesado demais, como se tivesse pedras amarradas aos meus membros. Vozes indistintas ecoam à distância, mas logo se tornam mais claras conforme minha consciência volta, trazendo com ela uma leve pontada de dor na cabeça."Foi um ataque de animal," diz uma voz feminina, que identifico como a de uma enfermeira."Que tipo de animal faz isso?" indaga outra voz, masculina, provavelmente do médico. "Viu as mordidas?""Sim, doutor," responde à enfermeira. "Mas nunca vi nada parecido. E... de quem será que ela está grávida? Sempre ouvi rumores sobre ela e o prefeito.""Isso não é da nossa conta," corta o médico, ríspido. "Ela está acordada, mas parece que ainda não está realmente aqui."Tento focar, mas minhas pálpebras estão pesadas. Respiro fundo, e um cansaço indescri
Elena Lembrei Saio do closet e, me deito com um suspiro pesado, o corpo cansado, como se cada movimento fosse um esforço. "Perguntei ao médico como estão os bebês.""Os bebês?" repito, surpresa. A ansiedade começa a crescer dentro de mim. "Como sabe que são dois?"Elvira não responde imediatamente. Ela me olha, antes de falar, sua voz distante, como se estivesse em outro mundo."Ele disse que o ferimento foi grave," ela diz, como se fosse algo rotineiro. "Mas que, se seguir as orientações, eles ficarão bem. Você precisa obedecer, Elena."“Porque disse ‘os bebês’?” insisto."Intuição", ela responde, olhando para mim não consigo decifrar. "Quando sua cabeça estiver boa, você entenderá."“Estou cansada disso. Fale o que aconteceu aqui, seja mais clara.” Minha voz sai mais firme do que eu queria.Nesse momento, uma voz rouca e forte chama por ela."Elvira."Nos viramos juntas, e um homem alto, de cabelos negros e olhar intenso, está à porta. Ele parece seguro de si, imponente, como se
RoccoPassei os últimos quinze dias tentando rastrear a criatura que atacou Elena, mas sem sucesso. Nem mesmo Bill conseguiu encontrar qualquer pista. A frustração começava a tomar conta de mim, um sentimento estranho e novo. Algo que, para alguém como eu, era um incômodo maior do que qualquer ferida. Decidi voltar para casa. Elena devia estar no casarão.“Bill, vamos embora,” ordenei, ainda examinando os arredores em busca de qualquer vestígio ou cheiro deles.“Quem atacou a loira gostosa escondeu bem seus rastros,” ele comentou, casualmente, mas as palavras fizeram meu sangue ferver como as lavas do inferno. Sem pensar duas vezes, avancei sobre ele, agarrando sua garganta. Meu lado híbrido emergiu, misturando-se à minha raiva.“Nunca mais se refira a ela dessa maneira,” rosnei, arremessando-o contra um carvalho enorme.Seu rosto apavorado trouxe uma satisfação sombria. Caminhei até onde ele estava caído, seus olhos arregalados de medo.“D… desculpe, senhor. Não pretendia ofendê-la,”
Ao entrar na sala e encontrar os dois juntos, uma onda de satisfação percorreu meu corpo. O todo-poderoso Rocco e sua humana patética. Não consegui evitar o sorriso que se formou em meus lábios. Tão clichê, tão previsível. Tenho certeza de que essa mulher será sua ruína. E eu estarei aqui para assistir.“Nieta, posso ouvir seus pensamentos,” sua voz grave cortou meus devaneios. Ele não parecia irritado, mas o suficiente para me lembrar de que ele sempre estava atento.“Querido, sabe muito bem que estou apenas dizendo a verdade. Vocês dois… simplesmente não combinam,” provoquei, deixando meu olhar repousar sobre a humana, que parecia pronta para responder, mas permaneceu em silêncio.Rocco estreitou os olhos. “Guarde sua opinião para você. E, a propósito, onde esteve es
A cavernaO aroma do pão doce com ervas pairava no ar, junto com os risos e vozes distantes do povo que já se preparava para o Festival da Lua. Elena limpou as mãos na barra do avental, os pulsos ainda latejando do cansaço. A mesa da cozinha estava repleta de potes, frascos e pães moldados com formas de animais antigos, um costume ancestral que ela respeitava, mesmo sem entender.Suspirou. O bebê em seu ventre parecia inquieto, como se algo nele também sentisse a movimentação do mundo lá fora.“Terminei,” murmurou para si mesma, colocando a última bandeja sobre o aparador.Subiu lentamente para o quarto, o corpo doendo, a cabeça leve. Um banho quente aliviou a tensão, e logo ela estava deitada, o ventre nu sob a colcha. O som abafado dos turistas na cidade por causa do festival ecoando ao longe. Antes que o sono a tomasse, ouviu a porta ranger, Elvira.A mulher parou ao lado da cama. O olhar era duro, os braços cruzados.“Você está exausta, humana. Deveria descansar mais,” disse em
A Filha PerdidaAs correntes tilintavam com o peso da umidade e do tempo. A cela diante de Elena parecia respirar, como se estivesse viva, um organismo antigo moldado em pedra. Ela se ajoelhou, aproximando o rosto das barras frias e cobertas de limo.“Você está bem?”, sussurrou, o som da própria voz ecoando com leveza perturbadora.A mulher no chão moveu-se lentamente, como se o corpo estivesse preso a um mundo diferente. O cabelo molhado grudava-se ao rosto. Com esforço, ergueu a cabeça. Seus olhos, mesmo inchados e fatigados, tinham um brilho ancestral, profundo, insondável.“Quem é você…? Vá embora enquanto pode” perguntou a mulher, a voz áspera como pergaminho velho.Elena arregalou os olhos. Aquela mulher… a voz… o rosto machucado, mas reconhecível. Ela se aproximou ainda mais das grades.“Consegue me ver?”,perguntou com um tremor na garganta. Ela havia sido invisível para os outros. Apenas uma sombra. Mas agora…A mulher assentiu. Lentamente. E foi aí que tudo dentro de Elena es
Limites"Preciso ver a Beth", murmurou, quase sem voz.Elvira ergueu uma sobrancelha, inclinando a cabeça como uma fera farejando fraqueza."Por quê?", perguntou, a voz carregada de um interesse envenenado."Não preciso lhe dar satisfação." Elena se levantou, caminhando com determinação para o banheiro. A água começou a correr, abafando por alguns minutos o peso daquela presença que a vigiava sem pudor.Elena saiu do banho decidida. Vestiu uma roupa simples, mas limpa, com o cabelo ainda úmido escorrendo pelas costas. Abriu a porta do quarto e seguiu rumo ao corredor, ignorand