Ali estava eu.
Sozinha. Com uma mochila nas costas,e uma mala na mão as esperanças em frangalhos e o céu ameaçando desabar.
O carro da agência me deixara na entrada de uma propriedade imensa, cercada por árvores antigas e uma atmosfera pesada. A mansão surgiu depois de uma curva: de pedra escura, janelas enormes e um silêncio sufocante.Bati na porta, hesitante.
Ela se abriu parcialmente, revelando uma mulher de feições duras, cabelos presos em um coque rígido e um olhar sem nenhum traço de empatia."Caroline Hart?"
"Sim."
"Está atrasada. O Sr. Thorn detesta atrasos."
"É que a viagem..."
"Pouco importa." Ela abriu a porta por completo. "Café às sete. Almoço ao meio-dia. Jantar às sete em ponto. Você não entra nos corredores principais, e evite fazer barulho. O Sr. Thorn tem sono leve. E paciência mais leve ainda."
"Entendi."engoli o seco."
"Seu quarto é no chalé dos fundos. A chave está aqui. Torça para conseguir passar da primeira semana."
Peguei a chave com dedos trêmulos.
Minha cabeça latejava, e o cansaço se misturava com a raiva e a vergonha. Eu precisava trabalhar. Me esconder. Recomeçar.Me troquei, lavei o rosto e fui direto para a cozinha. A mulher de antes, Daiana, como ouvi alguém chamá-la,me entregou os ingredientes sem cerimônia.
Preparei um medalhão ao ponto, com purê de batata e legumes salteados.
Na bandeja, enviei o prato. Alguns minutos depois…"Que tipo de lixo seco é esse?!"
A voz de homem ecoou pela mansão. Grave. Cortante.
Meu estômago revirou.No jantar, tentei algo mais sofisticado.
Cordeiro ao vinho tinto. Redução de alecrim. Técnica impecável. Apresentação de revista."Seco e pretensioso. Se quiser servir esse tipo de coisa, volte para os programas de culinária da TV."
Na manhã seguinte, Daiana entrou na cozinha com um suspiro de exaustão.
"Última tentativa, Caroline. Ele nunca deixa passar a terceira."
Esperei que todos saíssem. E então observei.
A despensa estava abarrotada de carne crua. Cortes robustos. Gordurosos. Poucas ervas. Nada delicado.Foi aí que entendi.
Ele não queria fine dining. Ele queria carne. Sangue. Instinto.
Escolhi um contrafilé grosso, selei na manteiga com alho e pimenta-do-reino esmagada. Por fora, dourado. Por dentro… vermelho. Suculento. Quase cru.
Ninguém quis subir com o prato.
"Você fez. Você leva", disse Daiana, jogando um pano sobre o ombro.
Respirei fundo, segurei a bandeja com as duas mãos e caminhei até o andar de cima.
O corredor parecia ainda mais sombrio. As paredes apertavam.Parei em frente à porta dele. Bati.
Silêncio.
Girei a maçaneta devagar. A porta rangeu.
Entrei.
O quarto era amplo, com móveis antigos, cortinas pesadas e cheiro de terra e madeira. A lareira ainda acesa lançava sombras vermelhas sobre o chão.
Coloquei a bandeja sobre a mesa e me virei para sair.
Foi quando vi.
Parado, junto à lareira.Um lobo.
Imenso. Cinzento. Olhos... azuis.
Me encarando. Feroz e calmo ao mesmo tempo.
Meu coração disparou.
"Não… isso não pode…"
Dei um passo para trás, o sangue deixando meu rosto.Eu devia estar delirando. Cansada. Louca.
Ele não se mexeu. Nem rosnou. Só me observava.
Larguei tudo. E corri.
Eu estava ficando louca.
O celular vibrava sem parar, mesmo no modo silencioso.
Eu ignorei todas as notificações até finalmente atender Simon, meu advogado."Caroline, precisamos conversar", disse ele, a voz baixa e tensa.
"Já estou acostumada a más notícias. Pode falar."
"Várias marcas cancelaram os contratos. Patrocinadores estão emitindo comunicados. Sua imagem está… ruim. Você está sendo vista como a traidora da vez."
Revirei os olhos, rindo sem humor.
"É claro. Porque uma mulher beijar um estranho num bar é imperdoável. Mas um homem trepar com outra no sofá da própria casa, no dia do aniversário de namoro… isso ninguém vê, né?"
"Caroline, a imprensa está usando o vídeo da live como prova de que você perdeu o controle. Estão dizendo que você surtou e saiu beijando qualquer um."
"Eu não traí o Zion." minha voz saiu firme, amarga." Ele me traiu. Eu só tive o azar de reagir... em público."
"Acredito em você Hart. Mas mesmo assim, está difícil segurar os danos. O apartamento de Manhattan já não está no seu nome. E se a cláusula do contrato for validada, ele pode levar até o nome da sua marca."
Fechei os olhos. Respirei fundo.
A voz tremeu, mas saiu com raiva:"Eu juro, Simon. Nem que eu tenha que ir até o inferno… eu vou provar que aquele homem é um babaca manipulador. E vou fazer o mundo inteiro ver quem ele é de verdade."
Desliguei.
Minhas mãos tremiam. Eu precisava sair daquela casa.
Lá fora, o céu já escurecia. Peguei um casaco qualquer e saí caminhando sem rumo, até chegar ao único lugar onde eu conseguia respirar: o bar escondido no fim da rua.
Pedi um whisky duplo, sentei no canto mais escuro do balcão, e fechei os olhos por alguns segundos.
Estava cansada. De tudo. Do caos, da injustiça, das mentiras.Um som de passos.
Um cheiro forte e amadeirado.Quando ergui os olhos…
Ele.
Aquele homem. MAS QUE PORRA É ESSA.
O mesmo dos olhos azuis, do beijo confuso e quente da noite anterior."VOCÊ?!" disparei, antes mesmo de pensar.
Ele arqueou a sobrancelha, divertido."Você de novo? Está me seguindo, é isso?"
"Eu te beijei uma vez e me tornei o escândalo nacional. Última coisa que quero é te ver outra vez."
Ele sorriu com desdém.
"Eu moro e mando nessa cidade. Estava em Nova York a negócios. Você é quem está me seguindo, humana."Minha garganta secou.
Alguma coisa naquele homem… não era normal. Ele não era só irritante, ele era assustadoramente intenso. Como se carregasse um segredo que ninguém mais sabia.
Eu engoli o whisky de uma vez só, tentando ignorar o arrepio na espinha.
Mas, em vez disso, segurei a gola da jaqueta dele e o beijei. De novo.
Foi instintivo. Eu estava tendo dias horríveis, e um erro a mais não iria me custar tanta coisa assim. Me atracar com um homem lindo não era tão ruim.
As mãos dele apertaram minha cintura, me puxando contra seu corpo quente. O beijo foi firme, intenso e viciante.
Quando recuei para respirar, meus lábios estavam formigando.
Ele sorriu, satisfeito."Isso responde à minha pergunta. Você está me seguindo."
Minha mente gritava para eu sair dali. Mas meu corpo? Queria mais.
Ele então me puxou pela mão dando acesso a uma saída pelos fundos do bar."Vamos sair daqui."ele sussurrou."
Eu não exitei, apenas o segui e entramos em seu carro.