Liberdade do Vento
Liberdade do Vento
Por: Eder B. Jr.
A Solidão da Independência

Uma vez escutei num sonho alguém me dizendo que a felicidade está dentro de nós mesmos e que nós a aprisionamos. Confesso que demorei muito tempo a entender o que isso significava e me atentei muito mais às curvas do corpo e a doce voz da bela mulher que pronunciou essa frase ao meu ouvido, em meus sonhos. Sempre quis encontrar essa mulher, achava que como num filme ela pudesse ser alguém de outra vida que surgiria a qualquer momento em minha frente me encantando repleta de enigmas como uma sereia.

Depois de ter sofrido alguns duros golpes da vida e de ter perdido um pouco da ingenuidade de criança e do romantismo apaixonado de adolescente comecei a tentar procurar o que podia significar aquela frase de uma forma mais objetiva e apesar de ter chegado a respostas bem satisfatórias eu ainda sabia que faltava algo a ser descoberto.

Eu sentia que minha vida sempre me espreitava de longe pronta para me apunhalar com golpes de espada e risadas soluçantes. Sentia-me um pássaro sem asas no meio de raposas selvagens.

Não, eu nunca estava satisfeito. Eu sempre queria mais, mas não como os outros. Não queria mais do mundo pra mim, queria mais de mim pro mundo, mesmo olhando pros lados e não sentindo fazer parte daquilo tudo.

E durante as guerras que enfrentei percebi que o mundo não se muda, as coisas são assim, começam e terminam dentro dos mesmos objetivos. A vida não é um desses objetivos.

Quanto mais pessoas nascem mais e mais a morte começa a ser um assunto corriqueiro, conversa de botequim, fofoca de donas de casa. A crise da fé muito confundida com a religião é um fator fundamental para tanto. O avanço científico fez com que os homens começassem a ter mais conhecimento do que não é verdade. Não conseguem jamais descobrir a verdade pois provar a mentira se tornou muito mais simples. A sociedade vai se transformando em um amontoado de deformidades sem razão de existência.

Talvez por isso que tudo acabou banalizado, perdeu o sentido. Talvez por esse motivo também ainda existam pessoas que se apegam no que eu escrevo, quando falo da relação entre prazer físico e sentimento, da diferença sutil entre desejo intenso e vulgarização. Quando escrevo contos eróticos eu exporto meus sonhos e idealizações, mas eu vivo esses sonhos com tanta realidade, que faço eles existirem de verdade na mente de quem lê. Na leitura a gente sai do mundo de carne e osso e embarca dentro da nossa própria mente, num mundo criado por outra pessoa. O segredo do meu sucesso como escritor está na forma como eu permito que meus leitores gostem do que encontram em suas próprias mentes, mais do que do mundo real. Ou de como algumas coisas conseguem mudar a realidade e sair do imaginário, criar novas práticas, substituir antigos conceitos.

A praia é o lugar que mais me faz sentir o que escrevo e por incrível que pareça não é o barulho do mar que me causa essa sensação, mas a sua brisa, a forma como o ar se comporta em seu movimento. Parece que ele consegue saber o momento certo de ser suave e o momento certo de ser forte, o momento de te envolver e o momento de te jogar longe. Na praia nada impede a ação do vento, ele se comporta de forma natural, sem barreiras. E tudo isso por incrível que pareça me faz pensar. Penso no comportamento das pessoas e em como elas usam sua sensualidade nesse ambiente. Observar nos permite além de perceber coisas que jamais imaginaríamos, criar outras ainda mais inimagináveis.

E num dia como outro qualquer, ali sentado, analisando e sentindo a praia como de costume, poucas pessoas ao redor, percebi uma mulher caminhando em direção ao mar, completamente vestida. Passos lentos, cabeça baixa, mãos trêmulas, não vi seus olhos, mas poderia jurar que estavam em lágrimas. Fiquei preocupado cada vez que ela se aprofundava mais. Quando num momento ela sumiu, confirmei minhas suspeitas, ela pretendia o suicídio, sai correndo em direção a ela.

O mar estava revolto, as ondas ficando cada vez mais altas e as águas com uma força incrível dificultavam muito minha chegada até aquele ponto. Eu não conseguia mais vê-la, mergulhava e voltava procurando, mas não a encontrava. Um salva-vidas que me viu correr, veio atrás e ficamos desesperadamente tentando localizá-la. A maré subiu muito rápido e quando já estávamos quase sem esperanças eu senti algo tocar minhas pernas. Mergulhei e ali estava ela, agarrei-a junto ao meu corpo e com a ajuda do salva-vidas a trouxemos de volta à areia.

Fiz o procedimento de ressuscitação mas ela não demonstrava reação. O salva-vidas assumiu meu lugar, continuou nas tentativas enquanto eu fui buscar socorro.

Já era tarde! Ela não ia mais acordar...

Como pode? Uma mulher linda, que parecia tão cheia de vida... o que teria feito ela colocar fim na própria existência?

Se eu tivesse me antecipado... se tivesse tomado a atitude de seguir meu instinto, minha intuição do que ela pretendia fazer...

Infelizmente o “se” não existe e o tempo não volta.

Aquela noite eu não dormi, lembrando cada detalhe do que aconteceu, cada movimento, tentando entender os motivos.

Ela não tinha documentos, identificação nenhuma, nada que pudesse dar resposta a todas aquelas perguntas.

Resolvi levantar no meio da madrugada e sair. Fui até um bar, pois nos momentos de inquietação a gente tende a acreditar que o álcool pode ampliar nossos horizontes sobre coisas impossíveis de entender ou aliviar a dor de não saber o porquê.

Depois de algumas doses de vodka com gelo e limão eu só pensava no olhar daquela mulher que eu não cheguei a conseguir ver.

Eu sempre considerei o olhar de uma pessoa o reflexo da sua alma, e eu não consegui conhecer aquela alma. Não conseguia me conformar com isso, como aquela vida esteve em minhas mãos e eu não consegui nem olhar em seus olhos.

Quando percebi que meus pensamentos iriam me obrigar a puxar um papel e uma caneta notei um desentendimento acontecendo ao meu lado em uma mesa. Um homem muito alterado flagrou sua mulher ali aos beijos com outro homem. As pessoas tentavam contê-lo, mas ele estava fora de si. Gritava a ponto das veias de seu pescoço quase atravessarem sua pele, as palavras que ele usava pra ferir parecia que estavam cada vez mais machucando a ele mesmo. Muitos tentavam controlá-lo, mas ele era muito forte e derrubava quem vinha pela frente. Pegou a moça pelo pescoço e a ergueu, olhou para sua expressão de desespero e a soltou. Gostava demais dela para machucá-la. Então se voltou para o rapaz que desesperado se ergueu e apontou uma arma para ele. Todos ficaram imóveis e o barulho de toda aquela bagunça silenciou por alguns segundos eternos. Quando o homem traído partiu para cima da arma com uma voadora, o tiro ecoou pelo bar e após o atirador ser dominado todos procuravam ver se alguém estava ferido, onde a bala tinha acertado...

Eu não percebi, não senti dor... só vi quando abaixei a cabeça e percebi minha camisa branca se tornar vermelha de sangue. Fui sentindo muito frio e um desespero de quem perdeu o controle dos movimentos. Todo mundo correndo em minha direção e eu caí.

Lembrei da minha mãe, da minha família, dos amigos, sim, eu vi minha vida toda passar em flashes.

E minha independência que lutei tanto pra conquistar naquele momento era minha total solidão. Eu sabia que não tinha jeito mais. O tiro tinha sido no coração, eram poucos segundos pra morte.

Ninguém iria vir, nem família, nem meus fãs, nem a mulher dos meus sonhos que nunca viraram realidade.

O meu adeus não teria dono!

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