O ônibus parou com um gemido metálico no meio do nada, o som estridente cortando o silêncio opressivo do sertão. A poeira subia em redemoinhos ao redor das rodas gastas, dançando no ar quente como fantasmas invisíveis, enquanto o motor cuspiu uma última baforada de fumaça negra antes de calar, deixando apenas o zumbido distante dos insetos. Mariana agarrou sua mala surrada, os dedos suados deslizando no cabo gasto de couro rachado, e desceu os degraus com o coração na garganta, cada passo ecoando como um tambor de guerra em sua mente. O sol do meio-dia era um peso cruel, um martelo de fogo que queimava sua pele exposta, forçando-a a semicerrar os olhos contra o brilho implacável. O horizonte se estendia em uma linha infinita de terra seca, rachada pelo tempo, e céu azul tão vasto que parecia engoli-la, sem nenhuma promessa de refúgio ou redenção. Não havia nada além do vento, um sussurro baixo e ameaçador que parecia carregado de segredos, como se o próprio deserto soubesse mais do que ela jamais entenderia.Ela olhou para o papel amassado em sua mão, as palavras quase ilegíveis agora, borradas pelo suor e pela ansiedade, mas gravadas em sua memória como um grito que não se calava: "Cozinheira procurada para fazenda isolada. Trabalho honesto, longe da civilização." Não era exatamente um plano, mas um desespero. Depois de meses fugindo de si mesma – das ruas barulhentas da cidade, dos rostos que a julgavam com olhos frios e línguas afiadas, das noites em que acordava sufocada por lembranças que não suportava nomear, fragmentos de dor que se recusavam a desaparecer –, aquele anúncio era seu último recurso. Não tinha experiência com cozinha, muito menos com vida rural. Na cidade, suas refeições eram rápidas, compradas em carrinhos de rua ou restos de fast-food, às vezes nem isso. Mas ali, naquele fim de mundo, ela viu uma chance – ou talvez uma armadilha. Não importava. Precisava de um lugar para se esconder, mesmo que fosse no meio de um deserto que parecia vivo apenas para julgá-la.Um jipe velho surgiu ao longe, cortando a poeira como uma faca, seu ronco rouco ecoando pelo vazio. Quando parou a poucos metros, um homem saltou. Era alto, de ombros largos, com uma barba por fazer que parecia mais negligência do que estilo, fios escuros e desalinhados que cobriam o maxilar como uma máscara de indiferença. Seus olhos eram escuros, quase negros, brilhavam com algo que Mariana não conseguiu identificar – hostilidade, talvez, ou um desdém tão profundo que parecia enraizado em sua alma. Vestia uma camisa xadrez desbotada, manchada de suor e terra, as mangas arregaçadas revelando antebraços musculosos marcados por veias proeminentes e cicatrizes antigas. Suas botas enlameadas rangiam ao tocar o chão, deixando pegadas profundas na terra seca, como se ele fosse parte indelével daquele lugar hostil.— Você é a cozinheira? — perguntou ele, a voz grave, rouca, cortante como uma lâmina afiada contra pedra. Não havia gentileza ali, apenas uma impaciência que fez Mariana recuar um passo, o coração batendo tão forte que ela temia que ele pudesse ouvi-lo.Ela engoliu em seco, tentando esconder o tremor que subia por suas pernas, uma vibração que parecia ecoar em cada osso de seu corpo.— Sou... Mariana. Vim por causa do anúncio — respondeu, a voz mais fraca do que pretendia, quase um sussurro perdido no vento.O homem a encarou por um longo momento, os olhos estreitando-se como se tentasse decidir se ela era uma ameaça, um estorvo ou simplesmente uma piada cruel do destino. Finalmente, bufou, um som curto e seco que parecia um aviso, um latido de cão guardião protegendo seu território.— Joaquim. Vamos. Não gosto de esperar.Ele arrancou a mala de suas mãos sem cerimônia, os dedos ásperos roçando os dela por um instante, um toque que a fez estremecer. Jogou a mala no banco traseiro do jipe como se fosse um saco de grãos, o movimento tão casual quanto brutal. Indicou o banco do passageiro com um gesto brusco, quase um comando, os olhos nunca deixando os dela, como se testasse sua coragem – ou sua fraqueza. Mariana obedeceu, sentindo o estômago revirar, uma mistura de medo e uma estranha fascinação pelo homem que parecia tão conectado àquele deserto quanto as árvores retorcidas que lutavam por sobrevivência ao longo da estrada.A viagem foi silenciosa, exceto pelo ronco rouco do motor e pelo chiado do vento contra o metal corroído do jipe. Joaquim dirigia com uma mão no volante, a outra apoiada no parapeito da janela, os dedos tamborilando impacientemente contra o vidro rachado. Seus olhos estavam fixos na estrada de terra batida, mas Mariana sentia o peso de sua presença, um silêncio que não era paz, mas uma ameaça contida. Ela observava os campos áridos, os arbustos esparsos que pareciam mortos, suas raízes expostas como ossos quebrados, o céu que se fechava sobre eles como uma armadilha, um teto invisível que prometia sufocá-la. Quanto mais se afastavam da estrada principal, mais isolada ela se sentia – como se estivesse sendo levada para um lugar de onde nunca mais voltaria, um buraco no mapa onde o tempo e a esperança tinham sido esquecidos.Quando finalmente chegaram à fazenda, o sol já começava a descer, tingindo tudo de um laranja sinistro, como se o céu sangrasse ao entardecer. Era um conjunto de construções rústicas: uma casa principal de madeira e pedra, as tábuas rachadas e envelhecidas pelo sol, um curral onde alguns cavalos esqueléticos pastavam, um celeiro que parecia prestes a desabar, suas sombras se estendendo como dedos esqueléticos sobre a terra. Havia também um pequeno campo recém-arado, sinais de que alguém tentava fazer a terra render, apesar de sua relutância. Tudo cheirava a terra, suor e abandono, um cheiro que se infiltrava nas narinas de Mariana como um lembrete de que ali não havia lugar para fraqueza. Não havia sinais de vida humana, apenas o eco distante de um corvo gritando no céu, seu grito agudo cortando o ar como uma advertência.— Aqui é o fim do mundo — disse Joaquim, estacionando o jipe com um solavanco que fez Mariana agarrar o assento. Sua voz era baixa, quase um murmúrio, mas carregada de algo que fez a pele de Mariana formigar, uma mistura de desafio e ameaça que a fez questionar se ele realmente a queria ali ou apenas a tolerava por falta de opções. — A fazenda tá caindo aos pedaços, mas tô tentando salvar ela. Plantando, criando cavalos. Se não aguentar, é melhor ir embora agora.Mariana ergueu o queixo, forçando-se a parecer mais confiante do que se sentia, mesmo com as mãos tremendo tanto que ela as escondeu nos bolsos da calça jeans rasgada.— Eu aguento — respondeu, mas suas palavras soaram frágeis até para si mesma, um eco perdido no vasto silêncio da fazenda.Ele a olhou de soslaio, os olhos semicerrados, e por um instante ela pensou ter visto um brilho de algo – dúvida, talvez, ou um desprezo tão profundo que ele nem se dava ao trabalho de escondê-lo. Sem dizer mais nada, ele saltou do jipe e indicou com um gesto seco que ela o seguisse. A casa era ainda mais intimidante por dentro: móveis velhos, cobertos por uma camada fina de poeira, paredes de madeira rachada que rangiam sob o peso do tempo, um silêncio opressivo que parecia pulsar nas sombras, como se o lugar guardasse segredos que nunca seriam revelados.Mostrou-lhe um quartinho nos fundos – um espaço pequeno, com uma cama de ferro rangente, uma cômoda quebrada cujas gavetas estavam emperradas, e uma janela que dava para o campo escuro, sem cortinas, apenas a escuridão lá fora, como um olho vazio a observá-la, julgando cada respiração. O cheiro era de mofo e madeira velha, e Mariana sentiu um arrepio subir por sua espinha.— Aqui você dorme. Cozinha fica ali. Começa amanhã. Se não souber fazer, aprende, ou não vai durar — disse ele, a voz cortante, antes de sair, deixando-a sozinha com o peso de suas palavras e o eco de seus passos pesados pelo corredor.Mariana largou a mala no chão, as mãos tremendo enquanto tentava processar onde estava. O ar era pesado, carregado de um cheiro úmido e antigo, como se a casa guardasse memórias que não pertenciam a ela. Sentou-se na cama, ouvindo os sons da noite – o vento uivando baixo, o rangido distante de uma porta solta no celeiro, o cricrilar dos insetos que parecia um coro sinistro. Algo naquele lugar a fazia sentir-se pequena, vulnerável, como se estivesse sendo julgada por forças que não compreendia, forças que talvez incluíssem o próprio Joaquim, cuja presença era tão imponente quanto ameaçadora.Na manhã seguinte, enfrentou a cozinha com o coração na boca. Nunca havia cozinhado de verdade, muito menos para seis pessoas, como Joaquim exigira na breve conversa que tiveram antes de ele desaparecer para cuidar do gado e dos cavalos. Na cidade, suas refeições eram um caos – pão velho, latas de conservas, ou nada. Mas ali não havia escolhas. Havia um fogão a lenha, cujas chamas ela mal sabia controlar, panelas pesadas que pareciam pesadelos de ferro, e uma despensa com poucos itens: feijão, carne seca, farinha, alguns legumes murchos que pareciam gritar por misericórdia. Ela não fazia ideia por onde começar, e o pânico crescia em seu peito como uma onda prestes a engoli-la.Tentou acender o fogão, mas as chamas escaparam, lambendo suas mãos e queimando os dedos com um calor que a fez soltar um grito abafado. Deixou cair uma panela no chão com um estrondo que ecoou pela casa silenciosa, o som reverberando como um trovão, fazendo-a congelar, esperando que Joaquim aparecesse para expulsá-la. Quando finalmente conseguiu ferver água, esqueceu de temperar o feijão, que ficou insosso e grudento, um bloco marrom que mais parecia lama do que comida. A carne seca, que deveria ser refogada lentamente, acabou queimada em uma das bordas, soltando um cheiro acre que fez seus olhos arderem e lágrimas escorrerem pelo rosto sem que ela pudesse controlá-las. Enquanto cortava um legume com mãos trêmulas, a faca escorregou, cortando superficialmente seu dedo. Ela mordeu o lábio para não gritar, enrolando o ferimento em um pano sujo que encontrou sobre a pia, o sangue tingindo o tecido em um vermelho que a fez lembrar de coisas que preferia esquecer.Enquanto lutava com a comida, os outros moradores da fazenda começaram a aparecer. Eram cinco ao todo: quatro homens rudes, de faces endurecidas pelo sol e mãos calejadas, e uma mulher que, à primeira vista, Mariana confundiu com mais um deles. Alta, de ombros largos, com cabelos curtos e desalinhados presos por um boné sujo, a mulher tinha uma postura que lembrava um homem, mas seus olhos eram gentis, quase maternos, quando cruzaram com os de Mariana. Seu nome, soube mais tarde, era Tereza. Os homens – João, Pedro, Lucas e Mateus – mal falaram com ela, limitando-se a grunhidos e olhares desconfiados, mas Tereza aproximou-se, oferecendo um aceno tímido.— Não se preocupe, menina. Todo mundo erra no começo. Aqui é duro, mas a gente se ajuda — disse Tereza, a voz rouca, mas reconfortante, enquanto ajudava Mariana a limpar a bagunça no chão.Quando Joaquim voltou ao meio-dia, sujo de terra e suor, o "almoço" estava uma bagunça. Ele parou na porta da cozinha, os olhos escuros fixos nela, e por um momento Mariana pensou que ele a mandaria embora ali mesmo, que aquele seria o fim de sua fuga patética. Mas ele apenas bufou, um som curto e seco que parecia conter toda a frustração do mundo.— Isso é o que você chama de comida? — disse ele finalmente, a voz baixa, mas carregada de sarcasmo e algo mais, algo que Mariana não conseguiu decifrar – raiva, talvez, ou uma decepção que ele não admitiria sentir. — Se foi a única candidata em meses, não é de se estranhar que a fazenda esteja falindo.Mariana baixou os olhos, as mãos tremendo tanto que ela as escondeu atrás das costas. Sabia que ele tinha razão. O anúncio no jornal ficara meses sem resposta, um grito perdido no vazio, até ela aparecer, um último suspiro de esperança para uma vaga que ninguém mais queria. E agora ali estava ela, atrapalhada, perdida, tentando desesperadamente provar que valia algo, mesmo sabendo que não tinha a menor ideia do que estava fazendo.Naquela tarde, enquanto os funcionários saíam para trabalhar nos campos e com os cavalos, Mariana ouviu falar de uma vizinha, a esposa de um caseiro de outra fazenda a poucas milhas dali. Seu nome era Dona Lúcia, uma mulher experiente que, segundo Tereza, sabia tudo sobre cozinhar com o que a terra oferecia. Tereza sugeriu que Mariana a visitasse no dia seguinte, dizendo que Dona Lúcia poderia ensinar alguns truques para sobreviver na cozinha da fazenda. A ideia trouxe um raio de esperança a Mariana, mesmo que a perspectiva de enfrentar mais um dia naquele lugar a enchesse de apreensão.Naquela noite, deitada na cama dura, Mariana ouviu passos pesados no corredor. Eram de Joaquim, indo e vindo, como se ele também estivesse inquieto, talvez planejando como se livrar dela ou como salvar a fazenda que parecia escapar de suas mãos. Ela fechou os olhos, tentando dormir, mas os sons da fazenda a mantinham alerta – o vento uivando baixo, o rangido da madeira, e, de vez em quando, um grito distante que podia ser de um animal... ou de outra coisa. Quando finalmente adormeceu, sonhou com sombras que se moviam nas paredes, com olhos que a observavam da escuridão, e com uma voz que sussurrava seu nome como uma ameaça. Acordou sobressaltada, o coração disparado, mas não gritou. Ficou em silêncio, ouvindo o silêncio da fazenda, e se perguntou se havia feito a escolha certa ao vir para o fim do mundo, ou se havia apenas trocado uma prisão por outra.Do outro lado da casa, Joaquim estava sentado à mesa da cozinha, uma garrafa de cachaça pela metade ao seu lado, o líquido âmbar brilhando à luz fraca de uma lâmpada pendurada no teto. Seus olhos estavam fixos em um ponto distante, as mãos, normalmente tão firmes, tremiam ligeiramente enquanto girava o copo entre os dedos. Algo na chegada daquela mulher o perturbava, mas ele não sabia dizer o que. Talvez fosse o medo de que ela trouxesse problemas. Ou talvez fosse o medo de que, de alguma forma, ela o fizesse lembrar de coisas que ele jurara esquecer, coisas que o faziam sentir o peso de uma culpa que nunca confessaria. A fazenda, seus cavalos, seus campos – tudo estava em jogo, e ele não podia se dar ao luxo de falhar. Não novamente.
A manhã seguinte amanheceu com um céu cinzento, pesado, como se o próprio ar carregasse a ameaça de uma tempestade que nunca chegava. Mariana acordou com os músculos doloridos da cama dura, o som distante dos cavalos relinchando no curral misturando-se ao barulho dos homens trabalhando nos campos. Seu primeiro pensamento foi o mesmo de sempre: o que ela estava fazendo ali? Mas, desta vez, veio acompanhado de uma determinação feroz. Se não podia se destacar na cozinha, pelo menos faria algo para provar seu valor. Aquela fazenda, tão fria e desolada, era sua última esperança, e ela não podia falhar.Ela se arrastou até a pia, lavando o rosto com água fria que vinha de um cano rústico. Seus dedos ainda doíam do corte superficial do dia anterior, mas o desconforto era secundário diante do que precisava fazer. Na cidade, sabia fazer o básico na cozinha – um ovo frito, um macarrão simples, um café da manhã rápido –, mas ali, com o fogão a lenha imprevisível e os ingredientes rústicos, mesm
O sol estava alto quando Mariana chegou à casa de Dona Lúcia, o calor batendo forte na trilha poeirenta que serpenteava entre os campos secos. A cesta vazia balançava em sua mão, um gesto simbólico de cortesia que ela esperava ser suficiente para ganhar a confiança da vizinha. Quando bateu à porta da construção modesta, cercada por um pequeno pomar de árvores retorcidas, foi recebida pelo mesmo sorriso caloroso de antes. Dona Lúcia, com seu avental gasto e mãos calejadas, parecia uma figura de outro tempo, mas havia uma sabedoria em seus olhos que tranquilizava Mariana, mesmo que o nervosismo ainda a consumisse.— Entre, menina — disse Dona Lúcia, gesticulando para que ela se sentasse à mesa de madeira rústica. — Trouxe fome ou curiosidade?— Curiosidade — admitiu Mariana, sentando-se com as mãos entrelaçadas no colo. — Não sei lidar com o fogo do fogão a lenha. E... quero aprender mais.Dona Lúcia assentiu, como se já esperasse aquilo. Passou a manhã ensinando Mariana a controlar as cha
Os dias seguintes passaram em um ritmo pesado, como se o tempo se arrastasse sob o peso do sol implacável e do silêncio opressivo da fazenda. Mariana acordava antes do amanhecer, os músculos já acostumados à cama dura, mas o coração ainda carregado de uma mistura de determinação e medo. As lições de Dona Lúcia estavam começando a surtir efeito. Ela agora conseguia controlar melhor o fogo do fogão a lenha, mantendo as chamas constantes para fritar ovos sem queimá-los nas bordas ou cozinhar o feijão até que ficasse macio, não grudento. Usava os recursos do jardim para complementar as refeições, adicionando um toque de cor e sabor que os funcionários notavam com olhares aprovadores, embora raramente dissessem algo.As ervas que plantara ao lado da cozinha, manjericão e alecrim, começavam a brotar, e seu cheiro fresco misturava-se ao perfume floral que ainda emanava de suas roupas e pele, um contraste que continuava a chamar atenção. Os homens – João, Pedro, Lucas e Mateus – trocavam comen
A seca apertava como uma corda ao redor do pescoço da fazenda, cada dia mais cruel que o anterior. O céu, antes apenas cinzento, agora era um vazio azul ardente, sem uma nuvem para prometer alívio. Os campos de milho e sorgo murchavam, as folhas curvando-se em desespero, e os cavalos no curral batiam os cascos com uma inquietação que parecia ecoar o humor de todos. Mariana sentia o peso daquele silêncio opressivo, mas também uma determinação que crescia dentro dela, como as ervas teimosas que insistiam em brotar ao lado da cozinha.Ela acordava cedo, antes mesmo de Tereza ou dos outros funcionários, para preparar o café da manhã. O fogão a lenha, agora um aliado relutante, obedecia melhor às suas mãos, que aprenderam a ajustar as chamas com cuidado. Usava os recursos do jardim para enriquecer as refeições – um ensopado mais encorpado, pão rústico com um toque de manjericão, até uma salada simples que trazia um frescor inesperado à mesa. Os funcionários comiam com gosto, e Tereza, com s
Uma brisa suave soprou pela fazenda naquela manhã, trazendo um cheiro úmido que ninguém esperava. Pela primeira vez em semanas, nuvens esparsas cruzavam o céu, carregadas com a promessa de chuva. Não era ainda a salvação, mas um vislumbre de esperança que levantou os ânimos. Os homens trabalhavam nos campos com menos peso nos ombros, e até os cavalos pareciam menos inquietos, seus relinchos mais calmos no curral. Mariana sentia isso no ar, um alívio tímido que a fazia respirar mais leve enquanto preparava o café da manhã, os movimentos na cozinha agora mais confiantes.O fogão a lenha respondia bem às suas mãos, e ela serviu uma refeição simples, mas reforçada, com ensopado e pão rústico, aproveitando as ervas do jardim. Tereza deu um aceno de aprovação, e os outros funcionários comeram com um entusiasmo que refletia o clima mais leve. Joaquim, como sempre, permaneceu calado, mas Mariana notou que ele terminou o prato, algo que raramente fazia. Era um sinal pequeno, mas suficiente para
A chuva caiu por toda a manhã, um véu fino que molhava a terra seca e trazia um alívio tão esperado que parecia quase um milagre. Os campos de milho e sorgo erguiam-se ligeiramente, as folhas menos murchas, e os cavalos no curral troteavam com uma energia renovada. Os funcionários trabalhavam com um ânimo que Mariana não via há semanas, e até Tereza parecia menos tensa, assobiando enquanto reforçava as cercas. Mas, apesar da leveza no ar, Mariana sentia uma inquietação que não explicava – a memória da noite anterior, o toque de Joaquim, o calor de seus corpos tão próximos, ainda queimava em sua pele.Na cozinha, ela se jogou no trabalho, tentando afastar os pensamentos. Preparou um café da manhã reforçado – ovos, pão rústico e uma sopa leve que aproveitava os recursos do jardim –, movendo-se com uma precisão que vinha de semanas de prática. O fogão a lenha, agora um velho amigo, obedecia às suas mãos, e o cheiro das ervas frescas enchia o ar, misturando-se ao perfume sutil que ainda
A chuva continuou por dias, um murmúrio constante que molhava os campos e dava vida à fazenda, como se a terra, tão castigada, finalmente pudesse respirar. Os funcionários sorriam mais, suas vozes ecoando com um otimismo tímido enquanto consertavam cercas e cuidavam dos cavalos. Até Tereza parecia mais leve, contando histórias antigas enquanto trabalhava, arrancando risadas dos homens. Mariana absorvia tudo isso, sentindo uma esperança que não ousava nomear, mas que a fazia trabalhar com ainda mais dedicação, transformando a casa em algo vivo, acolhedor.Na cozinha, ela movia-se com uma confiança que vinha da prática e das lições de Dona Lúcia. Preparava refeições reforçadas – ensopados, pão rústico, tortas salgadas –, usando os recursos do jardim com uma habilidade que surpreendia até ela mesma. Mas não era só a comida que mudava a fazenda. Inspirada pelo frescor da chuva, Mariana começou a colher flores silvestres que cresciam nos arredores, pequenos pontos de cor que resistiam à se
A chuva caía em um ritmo hipnótico, ora forte, ora suave, como se a fazenda estivesse aprendendo a se curar com a água. Os campos de milho e sorgo ganhavam vida, o verde brilhando contra a lama, e os cavalos troteavam no curral com uma energia que contagiava os funcionários. Sorrisos pontuavam as conversas, e as flores silvestres que Mariana espalhava – jarros na sala, na cozinha, na varanda – eram como pequenas promessas de dias melhores. Elas traziam cor à casa, suavizando o peso da madeira rústica, e cada pétala parecia carregar um pedaço da alma dela, transformando o lugar em um lar que até Tereza, com seu jeito duro, parecia apreciar. Mas, para Mariana, aquela leveza era uma máscara fina sobre um vazio que crescia, alimentado por fantasmas que ela não conseguia afastar.Na cozinha, ela trabalhava com uma dedicação quase desesperada, como se cada prato pudesse silenciar as vozes em sua cabeça. Preparava uma sopa cremosa, com um toque de ervas, inspirada em uma conversa com Dona L