Encerrei a ligação e recusei a oferta de Iva de vir me fazer companhia.
Mas as lembranças da noite passada não paravam de ecoar na minha mente.
Os braços fortes que me envolveram com tanto ímpeto.
O calor da respiração dele contra minha pele.
As palavras doces que murmurava no meu ouvido enquanto a cama rangia sob nós...
Sacudi a cabeça com força, como se pudesse expulsar aquelas memórias dali.
Encolhi-me na cama, abraçando os joelhos.
O Rafael gentil da adolescência e o Rafael cruel de hoje pareciam revezar-se em minha mente, lutando por espaço.
Só consegui dormir quando o céu começou a clarear.
A noite inteira, Rafael não me mandou nenhuma mensagem.
Teve uma vez em que fiquei bêbada e ele não conseguiu falar comigo. Quase enlouqueceu de preocupação.
Depois disso, passou a me mandar boa noite todos os dias, só pra ter certeza de que eu estava bem.
Virou um hábito.
E hoje...
Esse hábito acabou.
Assim, de uma hora pra outra.
“Talvez seja melhor assim.
Afinal, cedo ou tarde, nossos caminhos teriam que se separar.”
Pensei em confrontá-lo, em expor tudo, sem me importar com as consequências.
Mas... Meu pai ainda dependia dos negócios com o pai de Rafael.
Eu não podia agir por impulso.
Só me restava engolir a dor em silêncio.
A distância, pouco a pouco, seria o fim mais digno para nós dois.
Na manhã seguinte, entre o sono e a vigília, senti que estava sendo envolvida por um calor familiar.
Abri os olhos num sobressalto.
Diante de mim... O contorno inconfundível do pescoço de Rafael.
Aquele pomo-de-adão, marcado, sedutor.
Era ele.
Tinha esquecido: Rafael sabia a senha da porta da minha casa.
E ninguém, nem os empregados, nem meus pais, jamais o impediria de entrar.
Percebendo que eu tinha acordado, ele soltou uma risadinha baixa perto do meu ouvido.
Soprou de leve contra minha orelha, como fazia quando queria me provocar.
A sensação me deu cócegas e, num reflexo, me afastei para o lado mais distante da cama.
Mas ele veio atrás.
Me envolveu com os braços de novo, colando o corpo ao meu.
— O que foi? — Sussurrou com um tom malicioso. — Não quer mais? Ontem mesmo a gente se divertiu tanto... Vai dizer que não quer repetir?
A voz dele tinha aquele tom suave, sedutor.
Mas tudo em mim gritava desconforto.
Fiquei calada.
Só apertei os lábios, sem coragem de encará-lo.
Ele fez uma careta fingindo estar bravo.
— E por que foi dormir ontem sem me dar boa noite, hein? Você sabe que isso me deixa preocupado. Tudo bem... Dessa vez eu vou te perdoar. Mas sem castigo, você não escapa. — Rafael se aproximou do meu ouvido, o tom ainda mais baixo, ainda mais insinuante. — A punição? Vai ter que usar a boca pra me agradar...
Lutei com todas as forças, sem entender por que Rafael, mesmo já estando com Juliana, ainda vinha me provocar.
Meu corpo se esquivava, mas ele começava a perder a paciência.
— Tá surtando por quê? Só porque ontem eu não te levei no baile? Só porque não fui seu par?
Fiquei em silêncio.
Rafael achou que eu estava com ciúmes.
Ele riu de leve, com aquele tom de quem acha tudo uma bobagem.
— Aposto que foi a Iva que te contou, né? Tá brava? Juliana estava sem par, só fiz um favor. Vai dizer que isso é motivo pra tanto drama?
Quanto mais ele falava, mais a raiva crescia dentro de mim.
Mas eu não podia explodir. Não podia romper com ele de vez.
Então apenas me virei, desci da cama e saí do quarto sem dizer uma palavra.
Desci as escadas e percebi que só a empregada estava em casa.
Logo em seguida, Rafael veio atrás de mim.
Estava com o semblante um pouco fechado. Afinal, eu quase nunca o tratava assim.
Em qualquer outra situação, ele teria me ignorado por dias.
Mas agora...
Agora ele estava feliz, provavelmente por ter conquistado a Juliana.
Então, respirou fundo e tentou ser paciente.
— Tá bom... Se não quer, tudo bem. Mas pelo menos come alguma coisa. Você sempre disse que ama as panquecas com calda daqui de casa.
Ele estendeu o prato em minha direção.
Mas eu o recusei e, em silêncio, peguei a tigela de cereal que a empregada havia deixado.
O sorriso de Rafael congelou no rosto.
Sua expressão mudou. De repente, perdeu a paciência.
— Que cena é essa? O que você tá tentando provar?
Suspirei, com a voz baixa:
— Eu não tô fazendo cena. Só queria saber por que você não tá com a Juliana agora.
Rafael bufou, irritado.
— Então é por causa da Juliana? De novo essa história? Você não consegue ver ela sem se morder, é isso? Acorda, Beatriz. Você acha que é quem? Só porque transou comigo uma vez, acha que tem o direito de mandar em mim?
Ele perdeu o controle.
Com um movimento brusco, jogou o prato de panquecas no chão.
O som dos cacos se espalhando pelo piso me fez estremecer.
Meu corpo se retraiu por instinto.
E então... As lágrimas caíram, sem que eu pudesse conter.
A dor de ontem, a humilhação, tudo voltou com força total.
Rafael não esperava por aquilo.
Ficou paralisado, desconcertado, sem saber o que fazer.
— Ei... Para. Não chora. Te assustei?
Meus ombros tremiam sem controle.
Eu estava encolhida, tentando desaparecer naquele canto da cozinha.
Ele deu um passo em minha direção, como se fosse tentar me consolar.
Mas o celular dele tocou.
Rafael olhou a tela com impaciência.
O olhar mudou na hora. Ficou tenso, sério.
Imediatamente se afastou.
— Tenho que resolver uma coisa urgente. Se acalma aí. Nem tudo gira ao seu redor, sabia?
E saiu, me deixando sozinha com os estilhaços, do prato e do meu coração.