1 - Sentença de Morte

Cidade de Deus – Rio de Janeiro – Brasil

O dia já amanhecia e Mikael mal tinha conseguido pregar os olhos, muito menos pensar com clareza sobre os últimos acontecimentos. Algo estava acontecendo com ele, e o mesmo não conseguia entender o que era na verdade.

Já haviam se passado pouco mais de uma semana desde que Angelina tinha sido entregue a ele como garantia de pagamento por seu pai, e ele ainda não tinha decidido o que fazer com ela. Não gostava de sequestros, por que na sua cabeça não tinha nada pior do que ficar de babá para marmanjos velhos, ainda mais uma garota irritante, chata, chorona e escandalosa como Angel.

Mas não era apenas isso que estava tirando a sua paz. Haviam relatos de um infiltrado seu em uma das comunidades rivais a sua, que dizia que estavam tramando uma guerra, que a Cidade de Deus estava para ser invadida, mas não haviam confirmações claras e muito menos como e quando.

Para piorar, os únicos dois homens de sua confiança que sabiam sobre a Angel, o estavam cobrando sobre o que iria acontecer com ela, e sugeriam sem parar que a mandassem para um dos puteiros administrado por Mikael.

A maioria das meninas que trabalhavam para Mikael como prostitutas, eram na verdade em sua maioria, mulheres que eram forçadas a tal coisa. Muitas tiveram esse destino traçado despois de traições com membros importantes de seu morro e facção, ou mesmo eram viciadas que não puderam arcar com seus vícios e acabaram por ficarem devendo muito dinheiro para o tráfico.

Muitas eram feias e fora do gosto da maioria e não rendiam o lucro que se esperava, mas em sua grande parte, eram meninas e mulheres muito lindas que ganhavam uma fortuna todas as noites, onde seus clientes eram na maioria das vezes, playboys e velhos ricos do asfalto.

E Angel de longe era a mais bonita a ser considerada para ir trabalhar dessa forma. Muitos homens iriam fazer fila para ter a pequena patricinha do asfalto, mas não era isso que Mikael queria, por alguma razão se sentia mal pela menina. Uma pobre garota dada ao chefe do morro por irresponsabilidade de um político corrupto, pior, um pai corrupto.

Mas algo havia de ser feito, já estava ouvindo cochichos de seus homens que Mikael estria se envolvendo com a menina, e isso poderia de uma forma ou outra ser vazado na comunidade e iria pegar muito mal para o Malvadão da quebrada. Mikael precisa agir.

- Quem está aí? – Perguntou Angel ao ouvir alguém abrindo a porta de onde era mantida em cativeiro.

Angel se levantou apressada e amedrontada e correu para o canto mais ao fundo como de costume em todas as vezes que entrava alguém, mesmo nunca mais tendo sido vitimas de tentativas de assedio como nos primeiros dias.

- Trouxe seu café da manhã e almoço de mais tarde. – Mikael entrou com umas sacolas, uma garrafa de coca cola e fechou a porta ao entrar.

Desde o incidente com um de seus homens, Mikael passou todos os dias a levar desde o café da manha até a janta para Angel. E quando não podia fazer, mandava apenas um de seus homens, que era o que ele mais confiava. Não poderia ter nenhuma tentativa mais de estupro em seu morro, ainda mais envolvendo seus homens. Isso era imperdoável.

- Não mate eles, por favor. Eu já aceitei o meu destino em ter que permanecer por mais alguns dias aqui, mas por favor, não faça mal nenhum a minha família. – Angel se esforçava ao máximo para não chorar, mas suas lagrimas teimavam em permanecer somente sem seus olhos.

- Do que está falando patricinha? – Perguntou Mikael enquanto colocava seu almoço e alguns pães próximo a ela.

- Naquele dia em que me salvou de ser violentada, você me perguntou se eu queria a liberdade em troca de matar meu pai que lhe devia dinheiro. Eu decido permanecer aqui, mais cedo ou mais tarde eu sei que ele vai quitar sua divida e me levar embora. – Angel não se aguentou e começou chorar copiosamente.

Mikael nada disse. Pelo contrário, apenas a ficou observando a menina e ameaçou lhe tocar os cabelos, mas Angel logo se encolheu ainda mais em seu canto escuro com aversão ao toque que poderia receber daquele homem.

- Então parceira, eu não queria fazer isso, mas não tenho outra escolha. – Mikael pigarreou como se não quisesse terminar o que tinha para dizer. – Essa tarde você sai daqui...

E antes mesmo que ele pudesse terminar, Angel pulou em seus braços bastante feliz e começou a lhe agradecer pela liberdade que estaria por vir, mas não era nada do que a pobre e ingênua patricinha loira dos olhos azuis imaginava.

- Calma aí porra, qual foi? Segura a emoção aí. Já é? – Mikael se levantou após perder o equilíbrio devido o ato de Angel e prosseguiu uma sentença cruel, que para a doce e imaculada Angel seria pior do que a própria morte.

- Não se anime, não sou anjo da guarda de ninguém e muito menos vou te devolver aos seus pais. – Mikael era duro e frio com as palavras, e antes de fechar a porta recém aberta para sair do quarto, terminou o que nenhuma mulher gostaria de ouvir e fazer contra sua própria vontade.

- Mas como assim.... – Angel clamava resposta em meio ao silencio repentino do dono do morro.

- Vai dando adeus a sua virgindade patricinha. A partir dessa noite você será apenas uma puta sem vontade ou vida própria. – Mikael fechou a porta e ao lado de fora finalizou. – Agradeça o porco do seu pai por isso.

Do lado de dentro apenas dois segundos de silencio tomou conta daquele recinto, para depois, ser completamente alterado por gritos de choro e desespero da menina Angel. Ela gritava, pedia socorro e arrotava uma infinidade de maldições e palavrões contra Mikael, que nada o fez, apenas acendeu seu cigarro e voltava para seu escritório.

"Eram duas da manhã e cai chuva, e o pesadelo ainda continua".

Facção Central.

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