- O que você está fazendo?
Levanto a cabeça e solto um gemido quando sinto tudo ao redor girar. Fechando os olhos me ajeito no sofá e volto a posição normal. Íris se inclina por sobre o sofá e arqueia uma sobrancelha.
- Só se passou algumas semanas sem trabalho e já está ficando doida?
- Não estou ficando doida
- Ah desculpe, porque ficar de cabeça para baixo no sofá é algo muito normal – ela diz e eu resmungo encostando a cabeça no travesseiro.
- Eu estava vendo sobre outra perspectiva
Íris fica confusa e depois que entende começa a rir, reviro os olhos e pego o jornal do chão antes de olhar de novo.
Diferente de mim em todos os aspectos possíveis, Íris era minha personificação de pessoa de bem com a vida. Cabelos negros e ondulados que batiam no ombro, olhos de cor mel, e cor de pele que lembrava muito chocolate derretido.
Eu era tudo ao contrário, cabelos ruivos que batiam no meio das costas, olhos de cor azul escuro e uma cor pálida parecendo leite. Sim, é estranho eu sei.
Mas a história é simples, meu pai se casou com a mãe dela quando eu tinha sete anos e ela tinha oito. Então depois disso nós erámos irmãs, e ninguém poderia nos dizer o contrário.... A não ser a certidão de nascimento.
- Você sabe que outra perspectiva é só olhar normalmente, não é? – ela diz e eu suspiro passando para outra pagina ignorando a palavra empregada de forma quase grifada por ela.
- Como estava os pivetes? – eu pergunto e ela sorri jogando a bolsa no sofá e pulando em cima das minhas pernas
- Estavam ótimos, e para de chamar eles de pivete
- Tudo bem, vou chamar de pequenos trolls
- Não, trolls são feios Kathy
- Hey, olha o preconceito – eu falo e passo mais uma página – Eles são muito reconhecidos, e acima de tudo são famosos por serem maléficos.
- Meus alunos não são maléficos
- Qual é, um deles te mordeu Íris – eu falo e ela dá de ombros. Minha irmã era um caso perdido quando se tratava de crianças – Eu tomaria uma vacina contra raiva, só para se prevenir
Íris joga um travesseiro em mim e eu dou risada jogando de volta, mordo a tampinha da caneta e circulo um anuncio de vaga de vermelho.
- Como foi a entrevista? – Íris pergunta e se levanta indo até a cozinha do outro lado.
- Teria sido ótima se não fosse por um surto de gripe
- Como assim? – ela grita e eu me levanto do sofá indo até ela. Coloco o jornal em cima da bancada e me sento no banquinho.
- Um dos enfermeiros ficou gripado e passou para todo mundo do hospital – dou de ombros e pesco uma maça da fruteira – A entrevista foi cancelada.
- Que chato
- Pois é – volto o olhar para o jornal e a vejo buscando algo na geladeira, alguns segundos depois ela volta com uma jarra de leite – Isso está vencido
- Não está não
- Está sim – eu falo, mas ela me ignora, balanço a cabeça e volto o olhar para o jornal.
Assistente administrativo? Não
Secretária? Não
Auxiliar financeiro? Credo, não. Eu nem sabia cuidar do meu dinheiro, imagine dos outros.
- Argh! – olho para cima quando Íris sai correndo para vomitar na pia e faço uma careta – Porque você não tirou da geladeira Katherine?
- Porque a jarra fica bonitinha na geladeira – eu falo e ela me olha com raiva por sobre o ombro gorgolejando a boca com água – Eu avisei que estava vencido, você que não me escutou
Cuspindo a água na pia ela se vira e joga água em meu rosto, mostro o dedo do meio e limpo com a barra da camisa os meus óculos.
- Da próxima vez, tire da geladeira – ela diz e eu finjo não escutar, ainda com os óculos na mão eu olho um anuncio no pé da página e franzo a testa.
Coloco os óculos no rosto e aproximo a página. Com pequenos detalhes e um número de telefone, está lá o anúncio.
Procura-se enfermeiro (a) capacitado (a) para trabalhar de modo particular.
Interessados, por favor ligar: +(1) (425) 565-1190
- O que você tanto olha aí? – Íris pergunta e se inclina no balcão tentando ver.
- Acho que acabei de ver sobre uma nova perspectiva – eu falo e circulo duas vezes o anuncio.
Novos caminhos, não é?
Aí vou eu.