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Entre dois Irmãos
Entre dois Irmãos
Por: Sandra Rummer
Raul Romero Fernandez

Onze horas da noite

Mansão Fernandez

A mansão Fernandez é um labirinto de sombras e luzes suaves. Enquanto caminho pelos corredores familiares, sinto o peso do silêncio, cortado apenas pelo som distante da música que ecoa do andar de cima. O clima opressivo parece refletir a turbulência que carrego dentro de mim desde que soube do câncer de Dara.

A angústia aperta meu peito como um nó, constante e sufocante, lembrando-me implacavelmente do que está em jogo. Meus ombros estão tensos, e sinto uma fisgada no pescoço, fruto de noites mal dormidas.

Subo as escadas, tentando silenciar meus pensamentos, mas o ranger do piso sob meus pés ecoa na minha mente como acusações silenciosas. Quando alcanço o topo, vejo a porta do quarto de Rafael entreaberta, e lá está ele, reclinado na cama, com um sorriso despreocupado nos lábios, enquanto uma jovem mulher se move ao seu lado, rindo e brincando como se o mundo fora daquele quarto não existisse.

A luz suave do abajur delineia os contornos de seus rostos, destacando a cumplicidade entre eles. Sua beleza é inegável, mas meu desprezo é maior.

Rafael sempre teve essa habilidade de conquistar corações e descartá-los com a mesma facilidade. Ele não percebe — ou simplesmente não se importa — que a superficialidade de suas relações o afasta de tudo que realmente importa.

Fico ali, imóvel, minhas mãos cerradas em punho, enquanto a jovem se inclina para beijá-lo. Meu estômago se revira, como se eu tivesse engolido pedras.

Rafael é tão volúvel, tão incapaz de enxergar além do prazer imediato. Sua indiferença é um soco no estômago, uma lembrança cruel de como ele ignora os valores que nosso pai nos ensinou: responsabilidade, senso de família, respeito.

A música continua a tocar, soando como uma melodia triste, irônica, uma sinfonia de descaso.

Com um último olhar, abandono o corredor e sigo para minha suíte, como se fugisse do peso insuportável daquela cena.

 

Depois de um banho longo, que não conseguiu lavar a inquietação da minha pele, sigo até o quarto de Santiago, um garotão de dois anos, filho de Rafael, que dorme tranquilamente.

Me aproximo devagar, observando-o como se fosse uma ilha de pureza em meio ao naufrágio que é a nossa família. O peito pequeno dele sobe e desce em ritmo calmo, os cílios longos pousados sobre as bochechas rosadas.

Santiago não é filho de uma mulher que Rafael amou; ele é fruto de um relacionamento passageiro que Rafael teve com uma dançarina. Às vezes, quase não consigo acreditar que, de alguma forma, ele teve o mínimo de senso de humanidade ao criar o filho.

Não seria de se esperar que ele assumisse alguma responsabilidade, especialmente com sua tendência a fugir de tudo que exige comprometimento ou profundidade.

Mas ali está Santiago, com seu sono tranquilo e rosto sereno, como uma promessa de algo mais puro em meio ao caos que Rafael parece criar à sua volta.

Esse pequeno ser, com sua inocência, é um lembrete cruel de que, apesar das falhas do pai, ainda existe a capacidade de gerar algo bom. Algo que, por mais que Rafael não entenda, traz uma luz tênue de esperança no meio das trevas.

Me aproximo e beijo a testa dele, fechando os olhos por um breve instante, tentando absorver aquela calma para mim.

"Prometo que vou cuidar de você", penso, mesmo sabendo que promessas têm um peso terrível em tempos de tempestade.

Desço até a cozinha, buscando um alívio no silêncio da madrugada.

O aroma residual de café velho ainda paira no ar, misturado ao cheiro amadeirado da casa antiga. A luz fraca da luminária sobre a pia lança sombras dançantes nas paredes, criando um contraste com o vazio dentro de mim.

Encho um copo d'água, as mãos um pouco trêmulas, e me sento à mesa, o olhar perdido no nada enquanto tento organizar meus pensamentos. As últimas palavras de Dara ecoam na minha mente, frágeis como vidro:

"Não me abandone, Raul."

O cheiro do perfume dela — aquele aroma suave de lírios — ainda parece impregnado na minha roupa. Um lembrete doloroso de tudo que está em risco.

De repente, ouço passos leves ecoando no chão de mármore. Ergo os olhos, tenso, e lá está ela: a jovem do quarto de Rafael.

Ela está seminua, vestindo apenas uma camisa larga — sem dúvida de Rafael — que mal cobre suas coxas.

Seu cabelo bagunçado, combinado com o brilho da luz suave, realça a curva de seu pescoço, um detalhe que deveria passar despercebido, mas que agora parece uma afronta.

 

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