O beijo começa tímido, mas o corpo... o corpo sabe.
Domingo, antes do amanhecer
Anna
A luz da madrugada começa a se insinuar pelas frestas da cortina, um tom azulado, frio, quase tímido. Um sussurro do dia que ainda não chegou. Abro os olhos devagar, sentindo o peso de um sonho interrompido ou de uma realidade que custa a se revelar por inteiro. Por um instante, não sei exatamente onde estou. Há silêncio. Há cheiro de lençóis limpos misturado a algo mais quente... mais íntimo. Viro o rosto devagar.
E então o vejo.
Deitado ao meu lado, adormecido, com a respiração profunda e o rosto suavizado pelo sono. A expressão é serena, mas há uma tensão discreta no maxilar, como se nem mesmo dormindo ele conseguisse descansar por inteiro. Como se carregasse no corpo um fardo antigo, invisível, que o tempo ainda não conseguiu apagar.
Observo por alguns segundos.
Longos.
Silenciosos.
Sagrados.
E então, a realidade me atinge em cheio. A lembrança vem como uma onda fria que começa pelos pés e sobe, sem pedir licença: meu pai. O hospital. O enterro. Es