Entre Espinhos e Flores
Entre Espinhos e Flores
Por: Mirelly Rodrigues
Disfarçando da Janela

O dia amanheceu delicado, pois o sol não estava tão agressivo, dava para sentir perfeitamente o frescor da brisa que entrava pela janela sem nenhum mormaço para incomodar, menos mal, "pensou Lena" que adorava esse clima, e proporcionava uma espiada calorosa da janela. Já era de costume ela ficar ali estendida nas manhãs fresquinhas, era no momento exato que os entregadores chegavam com as flores mais lindas de toda a região para entregar na Bukater's Floricultura; e observando bem, parecia que a colheita tinha sido ótima, já era de se esperar, tinham tantos engenheiros agrônomos trabalhando nas terras de plantação dos Bukater que duvidaria que algo desse mal nessas circunstâncias.

Em meio aos ajudantes, despercebido e escondido entre os grandes arranjos, mas não menos importante, havia um rapaz jovem de aparência tímida e desconcertante, era a segunda vez que ele aparecia ali, pelo parecer devia ser ajudante novo da transportadora. Com todo o vai e vem da locomoção agilizada, o rapaz perdeu o controle do braço e deixou um vaso de cerâmica de muito valor cair, causando um barulho horrível que o deixou três vezes mais tímido, olhando para todos os lados procurando ver se alguma outra pessoa tinha visto seu vechame e seu estado deplorável; Lena por sua vez, risonha como era, não conseguiu segurar a risada e acabou rindo mais alto do que devia, atraindo assim o olhar do rapaz, e percebendo que tinha sido descoberta por entre as cortinas, disfarçou e rapidamente correu para se esconder.

Lena era alegre e extrovertida, mas naquele momento sentiu pena do pobre rapaz e até pensou em descer para se desculpar, mas quando olhou novamente da janela já era tarde, a transportadora já tinha partido, se sentindo mal prometeu a si mesma que na próxima entrega se desculparia, e até achou que foi bom ele já ter partido, pois se ela descesse, o pai dela iria com certeza pedir ajuda na floricultura e ela não estava afim, estudou a noite toda e queria descansar durante o dia.

Após um banho bem demorado, deitou para relaxar ouvindo suas músicas favoritas, foi quando o celular tocou, era Shania, sua melhor amiga a convidando para um luau; embora estivesse cansada e sem vontade nenhuma de sair de sua tão amada casa, Lena não se sentia bem em negar um momento de lazer a sua melhor amiga, já que estavam tantos dias sem se falar! Será que seria uma boa não faltar? Será que deveria ir ao luau?

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Não vou morrer se for a esse luau hoje! Pensou Lena, olhando para as 15 chamadas perdidas que ignorou, e antes de dar um retorno a Shania, já foi se apressando para se aprontar, e então já poderia ligar.

Após ficar parada em frente ao espelho admirando sua simples produção, constatou que estava pronta e ligou para Shania:

- Amiga! então vamos a esse luau?

- Você é realmente profissional em me deixar no vácuo sem nenhuma resposta né? Já iria cancelar tudo se demorasse mais 2 minutos para me retornar.

- Perdoa vai, estava indisposta, mas já estou pronta.

- Então te pego daqui dez minutos! E me espera já na saída!

- Okay baby, até daqui a pouco.

Shania chegou em sete minutos, era uma das coisas que Lena adorava nela, era muito pontual e atenciosa, embora ela morasse no bairro vizinho, não deixava de ser uma pessoa extremamente pontual!

Estavam aproveitando a estrada do jeitinho delas, como sempre faziam, conversando sobre todos os caras que a Shania teve um relacionamento e dando altas risadas; claro que Lena também namorou, mas foi coisa de pré adolescência sem muita coisa importante, ou que não valia a pena ser lembrado, pois não valeria tão boas risadas. Em meio às risadas contagiantes, Shania disparou:

- Você vai amar amiga, tem algumas pessoas que quero que conheça, você precisa fazer novas amizades!

- Confesso que tenho medo do que me espera!

- Medo? Por que?

- Surpresas vindas de você sempre serão motivo para ter um pé atrás!

- Garanto que depois de hoje, você vai me agradecer pelo resto da sua vida.

Chegando ao ponto do luau, correram para o pessoal que já tinham chegado e foram se entrosando. Lena estava muito animada após reconhecer uma antiga colega que teve ainda no ensino fundamental e se animou em relembrar os tempos em que não se preocupavam com nada, foi quando de relance avistou um rapaz de costas observando as ondas mansas que vinham de encontro a ele e desviavam, achou estranho por ele estar distante do grupo e decidiu perguntar a Shania:

- Amiga, aquele rapaz que está admirando o mar tão distante de nós pertence ao nosso grupo?

Shania tentou enxergar melhor, pois naquela distância era difícil saber quem era, mas com base ele vinha se aproximando, ainda admirando o lugar sem nenhuma pressa, Shania conseguiu ver.

- Ah sim, aquele é o Rodolfo!

- Rodolfo? Quem é esse?

- Eu o conheci na última viagem que fiz, conversamos e ficamos juntos durante toda a minha estadia na Veneza! Aquele lugar é realmente espetacular! Além de aproveitar muito o ambiente, me proporcionou uma ótima companhia não acha?

- Estão juntos mesmo? Vocês nem se conhecem!

- Estamos nos conhecendo ainda amiga, relaxa, vou te apresentar!

Assim que Rodolfo chegou, Shania o puxou pelo braço e foi logo lhe apresentando Lena, e ela por sua vez não parecia surpresa, na verdade tinha a impressão que já tinha visto aquele rapaz, mas por incrível que pareça não conseguia lembrar de onde. Rodolfo então, ficou encantado com Lena, mas não deixou parecer, tímido e inquieto que era, claro que saberia disfarçar bem. Lena se sentiu atraída por ele, mas também disfarçou, pois ele era um possível futuro namorado de sua melhor amiga.

Conversa vai conversa vem, com músicas e muita bebida, não demorou muito e já estavam quase todos bêbados andando pela areia quase nus, exceto Lena que não bebia exageradamente, muito menos Rodolfo que já deixava transparecer que não era de bebedeiras; enquanto todos estavam dançando e pulando correndo de encontro ao mar, Lena aproveitou para puxar assunto com Rodolfo, quase desistiu, mas voltou atrás e tentou:

- Está gostando de Amsterdã? Digo... de Scheveningen?

- Bom... Ainda não conheci muito bem Amsterdã, mas essa praia é maravilhosa! Quero voltar aqui mais vezes, embora seja muito longe!

- Concordo! Temos que percorrer 56 km de Amsterdã para cá, mas vale a pena quando chegamos não é?

- Depende do que vale a pena para você, a farra em companhia dos amigos, ou o ambiente natural que nos recarrega.

- Bem, eu...

- Nem precisa responder, é claro que para você o que vale é esse ar que é capaz de repôr todas as energias que perdemos na cidade, você não me parece ser uma garota vazia.

- É, você conseguiu me descrever em poucas palavras, mas a Shania é completamente o oposto do que eu sou, ela seria vazia?

- Não não, ela é uma fã da vida de aventuras e eu admiro muito isso nela, acho que devo explorar mais fundo, aproveitar mais o que ela tem para me oferecer.

- Você está realmente gostando dela não é? Não me surpreendo, tenho mesmo uma amiga incrível!

- Você realmente conhece a sua amiga?

- Claro que sim, somos melhores amigas, por que me pergunta isso?

Antes mesmo de dar uma resposta a Lena, Rodolfo foi interrompido por Shania que chegou ainda tonta dizendo querer ir para casa, e Rodolfo percebendo o estado em que Shania se encontrava, se ofereceu para levá -las para casa.

No caminho de volta não deram uma palavra sequer, Rodolfo dirigia sério, com um olhar distante, era o que Lena notava durante o percurso, mas não teve coragem de abrir a boca vendo a sua amiga dormindo no banco da frente. Quando chegou em casa o dia já tinha clareado, os pássaros já estavam cantando na janela do seu quarto, achou bom aquela orquestra dada a ela pela natureza, seria bom para pensar.

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Os estudos pareciam cada vez mais complexos naquela manhã, Lena dormiu três horas após sua chegada e foi direto para o notebook; não sabia o porque da falta de concentração no momento, isso acontecia duas vezes em cada cem! Era muito raro, o que deixou Lena ainda mais apreensiva. Estava cursando o segundo semestre no curso de arquitetura, não era o que ela queria quando adolescente, mas foi crescendo e viu que tinha talento nesta profissão; tentou também convencer Shania a ingressar na faculdade junto a ela, sem sucesso, Lena não entendia como Shania conseguia viver daquele jeito sem estudar nem pensar em um futuro brilhante, Shania Sprout era filha de pais muito ricos, era uma das famílias mais respeitadas de Amsterdã, clientes fiéis da floricultura de seu pai, quase sempre estavam esvaziando o estoque dos Bukater pelo simples fato de não conseguir permanecer com a mesma decoração por duas míseras semanas, era o que Shania dizia em uma de suas visitas reveladoras com direito a chocolate quente e festa do pijama.

Embora Lena estivesse fugindo de certos pensamentos, não poderia negar que Rodolfo mexeu com ela, mexeu de uma maneira que estava até desviando sua atenção dos estudos, caramba! Isso era preocupante, ninguém era digno o bastante para chegar ao ponto de tirar a atenção dela dos estudos, isso já era demais. Pensou no olhar de Rodolfo, no sorriso, principalmente na voz, aquela voz tinha o poder de acalmar, de acalentar a alma, era como se o som da voz dele fizesse cafuné em seus ouvidos; pensou nisso e interrompeu imediatamente, não poderia se apaixonar pelo pretendente de sua melhor amiga, mas não poderia chegar a essa conclusão tão depressa, ninguém se apaixona tão rápido assim, ou será que estava enganada? Pensou tanto que adormeceu sobre os lençóis de cetim que adorava, e nem sabia o porquê.

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-É ele! - disse Lena já pulando da cama assustada.

No tempo que passou adormecida acabou sonhando com Rodolfo, e chegou à conclusão que era o mesmo rapaz que tinha estado ali na manhã passada, entregando as flores na floricultura de seu pai junto com a transportadora. Isso deixou Lena completamente surpresa, pois Shania não se envolvia com rapazes de nível social mais baixo que o dela, ou Rodolfo trabalhava porque queria, ou Shania estava realmente apaixonada por ele, e foi isso que deixou Lena mais inquieta, pois ainda que não soubesse o que sentia por Rodolfo, já entendia que era um sentimento puro e sincero.

Permaneceu todo o jantar calada sem muitas expressões, foi quando o Sr. Bukater notou o comportamento da filha, e mesmo não gostando de se intrometer em seus momentos de introspecção, decidiu perguntar:

- Algum problema filha?

- Não papai, só estou cansada, consequência de um luau super divertido!

- É, percebi que chegou hoje cedo pela manhã, sabe que não gosto que volte no outro dia Lena Bukater.

- Ah papai, eu já sei me cuidar, nunca te dei motivos para se preocupar tanto assim comigo. E a Clarisse? Alguma notícia?

- Ela ligou hoje cedo, disse que amanhã está chegando!

- Finalmente! Já faz um mês que ela está em Paris, mas reconheço que tudo isso é pelo fato dela ser uma ótima profissional!

Conversaram durante todo o jantar sobre Clarisse Bukater, a esposa do Sr. Bukater, era dez anos mais jovem que ele, mas não aparentava, Clarisse era uma mulher sábia que corria atrás de seus objetivos, era uma das estilistas mais procuradas e bem pagas da Holanda, e quase sempre estreava coleções em Paris, isso deixava Lena fascinada, pois além de Clarisse ser talentosa no que fazia, tinha devolvido a esperança de amar ao seu pai, que ficou um bom tempo tentando se recuperar do abandono de sua ex mulher. A mãe de Lena havia abandonado o Sr. Bukater para fugir com outro homem ainda quando ela tinha oito anos de idade, e embora Lena fosse uma criança, já entendia o que tinha acontecido e constatou que não fez nenhuma diferença em sua vida o abandono de sua mãe; o pouco tempo que passaram juntas não serviu de nada, não agregou em nada, ela nem sequer tinha boas lembranças para se recordar com emoção. Por outro lado isso era libertador para Lena, pois ela não se sentia presa nas lembranças com sua mãe, já que não tinha nenhuma.

Após se recolher da mesa de jantar, subiu para seu quarto e pensou em esperar pela chegada de Rodolfo, iria demorar mais quatro dias para que ele voltasse a entregar flores ali, dependendo das vendas. Queria conversar mais com ele e descobrir mais sobre a relação dele com Shania, talvez até pedir seu contato, se não fosse muito abuso; não poderia negar que tudo aquilo estava a transformando na pessoa mais ansiosa e curiosa do mundo! Mas ainda não tinha certeza sobre nada, não sabia se era uma boa idéia fazer aquelas perguntas sobre o relacionamento dos outros, mesmo que Shania fosse sua melhor amiga, isso não dava a ela o direito de interrogar uma pessoa.

Naquela noite conversou com as estrelas sobre tudo o que estava sentindo, sobre tudo que estava acontecendo, já que simplesmente não poderia falar sobre aquilo para Shania, e depois de tantas revelações adormeceu.

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Os dias foram passando e aumentando ainda mais a ansiedade de Lena em ver Rodolfo, se passou uma semana quando finalmente ele apareceu junto a transportadora. Quando viu Rodolfo, Lena não pensou duas vezes antes e saiu correndo para falar com ele, pois já tinha decidido perguntar. Ele por sua vez, estava retirando alguns arranjos de flores, quando viu Lena vindo em sua direção:

- Bom dia Rodolfo, como está? Tinha certeza que era você o rapaz desengonçado da transportadora! - Disse Lena sem conseguir conter o brilho nos olhos.

- Então era você a garota mal educada que zombou de mim da janela?

- Perdão! Não foi por maldade, é que sou realmente assim.

- Tudo bem, o que te trás aqui tão cedo? Deve ser algo importante para uma garota de tão boa vida estar de pé a uma hora dessas.

Lena ficava fascinada com o belo sorriso e olhar de Rodolfo, estava quase se derretendo, quando se conteve:

- Olha, não me leve a mal, mas eu quero saber mais sobre como você e minha amiga se conheceram, é que ela não...

- Já sei já sei, não se relaciona com rapazes como eu não é?

- Minha intenção não é ofender, mas estou mesmo curiosa, e depois daquela sua pergunta quando estávamos no luau, fiquei muito pensativa.

- Está bem, hoje eu só tenho essa entrega para fazer, me espere que terá respostas, pois eu também quero te fazer perguntas.

Lena esperou por Rodolfo no Jardim de sua casa, não demorou muito quando ele chegou e se sentou ao seu lado:

- Estou aqui, devo imaginar que você e Shania se conhecem muito bem, eu sei que não devia estar me abrindo com você, mas não tenho com quem fazer isso.

- Estou aqui, não precisa se intimidar, pode abrir o seu coração! Mas primeiro responda a minha pergunta.

- Está bem, eu e Shania nos conhecemos na Escape, uma balada aqui em Amsterdã, você já deve ter ido lá.

- Espera... como assim?

- Eu havia juntado dinheiro para comemorar o meu aniversário ao lado dos meus irmãos, conheci a Shania na balada Escape, ela estava com algumas mulheres, disse que eram amigas dela, agora estranhei, não te vi por lá. Mas enfim, quero saber se a Shania fala muito de mim, se ela mostra estar interessada.

- Ela nunca me falou sobre você, só soube depois do luau, e mesmo após isso ela não fala sobre você, na verdade ela não me liga mais com tanta frequência como antes, mas acredito que deve ter um motivo em especial. Obrigada pelo esclarecimento, eu preciso entrar, tem muita coisa para estudar, a gente se vê na sua próxima entrega.

- Entendo, tenha um ótimo dia.

Sem nem tentar disfarçar, Lena saiu as pressas do jardim e antes que Rodolfo dissesse a última palavra, já estava dentro de casa correndo as pressas para seu quarto. Não entendia o porque da mentira de Shania, ela mentiu sem nem ter consideração pelos tantos anos de amizade, depois de todas as provas de confiança e lealdade que ela a tinha oferecido, alguma coisa de muito estranho estava acontecendo com Shania e ela tinha que descobrir, embora estivesse magoada com a melhor amiga, ainda pensava em desvendar esse mistério, pois Shania nunca tinha mentido para ela antes, devia ser um motivo muito sério! Se deixando levar pelos pensamentos de preocupação, Lena permaneceu por um bom tempo na janela; o dia estava belíssimo e o clima do jeito que ela gostava, mas não foi suficiente para alegrá-la, já fazia muito tempo que ela não permanecia tão pensativa na janela sem aproveitar a brisa fresca que a rodeava, naquela manhã não fazia sentido o clima, o canto dos pássaros, a brisa suave, nem a cerejeira que namorava sua janela, era preciso encarar a situação.

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