POV: Elara
Já era chegada a hora. A hora da minha punição, fosse o que fosse. Eu estava andando de um lado para o outro, absorta nos meus pensamentos, quando um som na porta me fez congelar. Endireitei a postura, preparando-me para mais um embate com o rei dragão, mas, para minha surpresa, não era ele. Um homem alto e de ombros largos entrou no quarto, a expressão curiosa estampada no rosto. Ele possuía cabelos dourados e ligeiramente desgrenhados, contrastando com os olhos dourados que brilhavam com uma intensidade travessa. Sua presença não era opressora como a de Draven, mas havia algo nele… um ar de perigo velado sob a aparência descontraída. — Você é a humana. — Ele encostou-se à porta, cruzando os braços e me observando com interesse. — Imaginei quando finalmente nos conheceríamos. Eu franzi o cenho, irritada com a forma casual como ele se referiu a mim. — E você é? — Kael. — Ele inclinou a cabeça, avaliando-me como se eu fosse algum tipo de criatura exótica. — Guerreiro. Meio-humano, meio-dragão… mas tenho certeza de que já percebeu isso. Meu olhar percorreu sua figura, notando a forma como a luz refletia em sua pele de maneira diferente, quase como se houvesse algo escamoso ali, escondido sob a superfície. — E por que está aqui, Kael? Veio me escoltar para minha execução? Ele soltou uma risada baixa, balançando a cabeça. — Se fosse uma execução, ninguém teria o trabalho de trazê-la para um quarto tão bonito. Cruzei os braços, tentando ignorar o modo como seus olhos analisavam cada detalhe meu. Ele era extremamente bonito, mas parecia perigoso… como Draven. — Então o que vão fazer comigo? O meio-dragão ergueu uma sobrancelha, dando alguns passos à frente. — Você está nervosa. Revirei os olhos. — É claro que estou nervosa. Meu marido tentou me matar, fui sequestrada por um rei dragão e, agora, estou prestes a sofrer uma punição por algo que nem entendi direito. Como você esperava que eu me sentisse? — Justo. Mas diria que não precisa se preocupar tanto. — Ah, não? E por quê? Ele parou a poucos passos de mim, e, de repente, a atmosfera pareceu mudar. — Porque eu estarei lá. Seu tom era leve, mas havia algo mais profundo ali. Meus olhos se prenderam aos dele, e por um momento, me senti estranhamente hipnotizada. O jeito como ele me olhava… não era como um inimigo, nem como um simples curioso. Engoli em seco, sentindo meu coração bater um pouco mais forte. — E o que isso significa? Kael inclinou a cabeça, seu olhar deslizando lentamente pelo meu rosto antes de pousar em meus lábios por um breve segundo. — Significa que, aconteça o que acontecer… você não estará sozinha. Eu não soube como responder. Mas não tive tempo para descobrir, pois, naquele momento, a porta se abriu com força, e um guarda entrou, interrompendo a tensão entre nós. — Chegou a hora. Meu estômago revirou. Kael me lançou um último olhar antes de virar-se e seguir o guarda para fora. Respirei fundo e o segui, sentindo cada passo pesar como chumbo. O salão principal do castelo estava lotado. Nobres e guerreiros se reuniam, murmurando entre si. No centro do salão, havia um círculo delimitado por pedras antigas, com símbolos gravados que brilhavam fracamente à luz do fogo. E lá, no topo das escadas, estava Draven, imponente como sempre. — Rainha de Solarisl — Sua voz ressoou pelo salão, e um silêncio tenso caiu sobre todos. — Sua punição será simples. Você enfrentará o julgamento do fogo. Meus olhos se arregalaram. — Julgamento do quê?! — Se você for forte o suficiente, sobreviverá. Se não for… Meu coração martelava. — Isso é uma loucura! — Essa é a lei dos dragões. — Lysara sorriu ao meu lado, seus olhos brilhando de satisfação. — Se deseja ser tratada como uma de nós, deve provar que pode suportar nosso julgamento. Antes que eu pudesse protestar, dois guardas me agarraram e me empurraram para dentro do círculo. O chão começou a brilhar. O calor subiu abruptamente. E então, chamas surgiram do nada, envolvendo o círculo em uma parede de fogo. Eu gritei, instintivamente recuando, mas o fogo não me deu trégua. Ele se aproximava, como se tivesse vida própria, faminto por consumir minha pele. O calor era insuportável, e o ar ficou pesado demais para respirar. — Pare com isso! — Kael rugiu, mas Draven levantou uma mão, impedindo qualquer interferência. Minhas forças estavam se esgotando. Minhas pernas cederam, e caí de joelhos. As chamas pareciam se fechar ao meu redor, e por um momento, achei que seria o fim. Mas então, um rugido atravessou o salão. E, em um piscar de olhos, Draven estava lá. O fogo se partiu diante dele, obedecendo a uma ordem silenciosa. Ele me pegou nos braços e me ergueu como se eu não pesasse nada, sua expressão era sombria, quase culpada. — O julgamento terminou. Ouvi alguém reclamando, provavelmente a Lady que eu havia estapeado, mas não consegui prestar muita atenção. O mundo girou ao meu redor antes que a inconsciência me dominasse. . . . Acordei mais tarde, deitada em uma cama macia. Minha pele ainda formigava, e minha respiração estava irregular. Mas eu estava viva. E não havia nenhuma queimadura ou cicatriz no meu corpo. E Draven estava ali, encostado contra a parede, observando-me em silêncio. A raiva me atingiu com força. — Você quase me matou! Ele ergueu uma sobrancelha. — Mas não matei. — Isso não muda nada! — Gritei, sentando-me com esforço. — Você me jogou no fogo! — Eu te testei. — Isso é um teste para você?! Levantei-me da cama, atravessando o quarto até ficar diante dele. — Você não tem o direito de brincar com minha vida dessa maneira. Ele se inclinou para frente, seu rosto próximo demais ao meu. — Você já olhou ao redor, cara dama? Eu sou o rei aqui. Você está no meu reino. Tenho todo o direito. Meu sangue ferveu. — Você não é um deus, Draven. Não pode decidir quem vive e quem morre. Ele segurou meu pulso quando tentei empurrá-lo. — Se quer sobreviver neste mundo, aprenda a ser mais forte. — E se eu não quiser fazer parte do seu mundo?! Os olhos âmbar dele se estreitaram. — Então deveria ter morrido. As palavras dele me atingiram como um golpe. Meu peito subiu e desceu com força, e, por um segundo, o silêncio entre nós foi pesado demais. Então, sem pensar, ergui a mão e o empurrei. Draven segurou meu pulso novamente, sua expressão ficando mais sombria. — Cuidado, Vossa Majestade. Você não sabe com quem está brincando. Meus olhos queimavam com fúria. — Eu estou aqui contra a minha vontade. É você que não sabe com quem está brincando. Nos encaramos por longos segundos, até que ele me soltou abruptamente e se afastou. — Descanse. — Ele virou-se para sair. — E… me perdoe. De todas as coisas que ele poderia ter dito, aquela definitivamente me pegou de surpresa. Fiquei olhando enquanto ele desaparecia pela porta, minha raiva e confusão misturando-se em um turbilhão. Olhei para meus pulsos, da qual ele havia agarrado com tanta força. Inscrições douradas, símbolos arcanos que apareciam nos meus sonhos dracônicos, marcavam minha pele como se fossem tatuagens.