Não demorou muito para que o evento do Dia da Família começasse no jardim de infância.
As famílias se acomodaram nas mesas preparadas, e Liliane, com os olhos fixos em Bruno, que estava na fila da frente, levantou a cabecinha, com a expressão triste, e perguntou baixinho:
— Mãe, por que o papai não vai se sentar com a gente?
Não consegui evitar e apertei suavemente a carinha da minha filha. Ela ainda era tão pequena, não deveria ser envolvida nessas confusões. Sorri e, tentando acalmá-la, expliquei:
— Porque a mamãe é super-heróina. E para ser justa, o papai foi ajudar as outras crianças.
Nesse momento, a professora do jardim de infância anunciou a primeira atividade:
— Agora vamos montar blocos! Quem terminar primeiro vai ganhar um prêmio: um LEGO de nave espacial!
Os olhos de Liliane brilharam como estrelas, e ela apontou para o modelo da nave, toda empolgada.
— Mãe, eu quero!
Sorri e acenei com a cabeça.
— Então vamos arrasar, minha filha!
Com a areia da ampulheta já quase toda escorrida, Liliane, cheia de energia, levantou os bracinhos e gritou com entusiasmo:
— Professora, a gente terminou!
A professora veio até nós, pronta para validar a vitória, quando de repente, Paulo correu rapidamente da fila da frente.
Sem hesitar, ele empurrou os blocos que Liliane e eu tínhamos montado com tanto esforço, e, com um sorriso de vitória, falou:
— Agora o primeiro lugar é meu!
Liliane olhou para a pilha de blocos derrubada, atônita. Seus olhos se encheram de lágrimas e, tomada pela raiva, pegou um bloco de madeira pesado e arremessou em direção a Paulo.
Bruno, num piscar de olhos, apareceu à nossa frente, com o rosto fechado, e começou a gritar, severo:
— Liliane, como você pode fazer isso? Peça desculpas agora mesmo para o Paulo!
Liliane, batendo os pés no chão com fúria, respondeu, sem vacilar:
— Eu não vou pedir desculpas! Foi ele quem derrubou meus blocos! Ele é quem está errado!
Levantei-me de imediato e fui até ela, me posicionando firme, sem hesitar.
— Bruno, quem tem olhos pode ver que o culpado é o Paulo. Ele é quem deveria pedir desculpas!
Milena apareceu ao lado de Bruno, puxando o braço dele com um toque impaciente.
— Bruno, para com isso. Somos adultos, não vale a pena perder tempo com essas bobagens.
A tensão pairava no ar, e a professora tentou intervir para apaziguar a situação, mas antes que pudesse falar, Liliane não conseguiu mais segurar as lágrimas. Ela começou a chorar, e com um tom de dor profunda, gritou:
— Papai, por que você não me protege? Por que está brigando comigo?
A palavra "papai" cortou o ar, e naquele instante, o ambiente inteiro congelou. Todos os olhares se voltaram para mim, Bruno e Milena, cheios de confusão e curiosidade.
O rosto de Bruno passou por várias expressões, alternando entre vermelho e pálido, e Milena, ao lado, sorria, mas seus olhos traiam uma intenção guardada, como se quisesse dizer algo, mas se segurava.
Paulo, então, colocou as mãos na cintura e encarou Liliane com os olhos bem abertos, dizendo com um tom ameaçador:
— Quem é o seu pai? Não saia por aí chamando qualquer um de papai! Esse aqui é o meu pai!
Liliane, assustada, deu um pulo para trás, com as lágrimas quase transbordando, e, com a voz embargada pela decepção, perguntou, cheia de dor:
— Papai, por que você não fala nada?
Ver minha filha tão triste fez meu coração se partir. Não pude conter a raiva e lancei um olhar fulminante para Bruno, sentindo minha voz se tornar mais firme e dura:
— Bruno, você vai explicar o que está acontecendo ou vai ficar aí vendo nós duas sendo mal interpretadas?
Nos olhos de Bruno brilhou uma chama de raiva, e, sem hesitar, ele pegou Paulo nos braços e disse, com uma frieza que me cortou:
— O que eu tenho que explicar? Hoje, eu sou o pai do Paulo!
E, para completar, ele teve a audácia de passar a mão na cabeça de Paulo, como se estivesse assinando embaixo de suas próprias palavras.
Imediatamente, os outros pais começaram a cochichar entre si, os olhares se voltando para mim e Liliane, cheios de curiosidade e julgamentos.
— Que história é essa de chamar qualquer um de pai?!
— Eu nunca vi a Liliane e seus pais aparecendo no evento antes, e hoje ela aparece sozinha com a mãe. Será que sua mãe é uma amante?
— Dizem que Bruno é o dono de um grande grupo, muito rico. Vai ver a mãe da Liliane está tentando pegar ele, e ela acabou vendo algo que não deveria, criando esse mal-entendido.
Enquanto eu e Liliane éramos atacadas por esses rumores cruéis, Bruno parecia completamente alheio à situação, apenas se dedicando a acalmar Paulo. Milena, por sua vez, estava ao lado, sorrindo com um ar de satisfação.
Eu apertava Liliane contra o meu peito, tentando acalmá-la enquanto ela chorava sem parar, se engasgando de tanto chorar. O ódio dentro de mim era tão grande que quase me transbordava, mas sabia que, naquele momento, não podia perder o controle. Eu precisava proteger minha filha a todo custo.
Foi então que alguns pais, tentando se aproximar de Bruno, começaram a fazer mais comentários:
— Esse menino parece tanto com o Sr. Bruno, não dá para negar que são quase iguais!
Eu levantei os olhos, lancei um olhar breve em direção a Bruno. Vi um flash de culpa em seus olhos, mas logo ele voltou a exibir aquele sorriso arrogante, como se fosse intocável. Milena, por sua vez, estava ainda mais satisfeita, como se tudo já estivesse resolvido a seu favor.
Eu já tinha visto Bruno e Paulo juntos algumas vezes, mas nunca percebi a semelhança entre eles. Só agora, olhando com mais atenção, percebi que, de fato, os dois compartilhavam algumas feições. Era uma semelhança inquietante.
Liliane continuava a chorar em meus braços, e eu sabia que precisava afastá-la daquela situação antes que ela ficasse ainda mais abalada. Pedi para a professora me acompanhar até a sala de descanso, para que minha filha pudesse se acalmar um pouco.
Ao chegarmos na sala, eu a acalmei com palavras suaves, e, aos poucos, os soluços dela foram se tornando mais leves. Finalmente, ela adormeceu em meus braços, com os olhos inchados de tanto chorar. O meu coração, no entanto, ainda doía como se fosse perfurado por mil facas.
Com cuidado, saí da sala e me dirigi até o corredor. Lá, liguei para os meus empregados.
— Miguel, Heitor, tragam meu certificado de casamento, o rascunho do acordo de divórcio e a carta de demissão. Venham agora para o jardim de infância, é urgente!
Enquanto discutíamos os detalhes, o grito estridente de Liliane ecoou pelo corredor.
O meu coração gelou instantaneamente, como se o mundo inteiro tivesse desabado sobre mim.