A chuva caía fina sobre a cidade naquela noite, pintando o asfalto de reflexos prateados. Os carros passavam apressados, buzinando e espirrando água nas calçadas. Lara corria em meio ao caos, segurando um guarda-chuva quebrado que pouco servia para protegê-la. O vento gelado atravessava seu casaco barato, lembrando-a, a cada passo, de como a vida tinha sido cruel nos últimos anos.
Perdera o pai há pouco tempo, um homem honesto que deixou mais dívidas do que bens. A mãe, frágil e adoecida, dependia dela para tudo. Lara se desdobrava em trabalhos temporários que mal pagavam as contas. Agora, depositava todas as suas esperanças naquela entrevista: uma vaga de assistente na Moretti Group, a maior empresa do setor imobiliário do país. Mas havia um problema. Estava atrasada. O prédio espelhado da Moretti erguia-se diante dela como uma fortaleza de vidro e aço, iluminado contra o céu escuro. Respirou fundo, secou a barra da saia molhada e entrou pela porta giratória. O interior luxuoso contrastava com seu nervosismo. Mármore branco, lustres de cristal e recepcionistas impecavelmente uniformizadas davam a sensação de que ela havia adentrado outro mundo. — Boa noite — disse a recepcionista, olhando-a de cima a baixo. — A entrevista já começou. Lara apertou os lábios, envergonhada. — Por favor… ainda posso tentar? A recepcionista hesitou, mas fez um gesto em direção ao elevador. O coração de Lara disparou. Talvez ainda houvesse esperança. O elevador subia lentamente, e ela encarava seu reflexo nas portas de aço. O cabelo castanho caía em mechas desalinhadas, os olhos cor de mel estavam cansados, mas havia uma determinação neles que não existia alguns meses atrás. Quando as portas se abriram no último andar, Lara foi engolida por um silêncio quase intimidador. A sala era ampla, de piso negro brilhante, paredes em tons de cinza e janelas que ofereciam uma vista deslumbrante da cidade. No centro, uma mesa de vidro, e atrás dela, o homem de quem tanto ouvira falar: Leonardo Moretti. Alto, imponente, de terno escuro perfeitamente ajustado, ele parecia pertencer a um mundo inalcançável. Os cabelos pretos bem penteados, o rosto anguloso e os olhos intensos transmitiam a mesma aura de poder que sua reputação carregava. Frio. Controlador. Implacável. Ele levantou o olhar dos documentos e a fitou com desdém. — Atrasada. — Sua voz grave ecoou pelo ambiente. — Gosto de pessoas pontuais. Lara sentiu o sangue sumir do rosto, mas ergueu o queixo, recusando-se a se encolher diante dele. — Eu… houve um imprevisto, senhor. Mas estou aqui porque acredito que posso contribuir com esta empresa. Leonardo arqueou uma sobrancelha, como se estivesse intrigado com a ousadia. — Acredita? — ele se levantou, caminhando lentamente até ela. — Ou tem certeza? O coração de Lara parecia querer saltar do peito. A cada passo dele, o ar parecia ficar mais denso. Quando parou diante dela, tão próximo que ela pôde sentir o perfume amadeirado que exalava, foi obrigada a erguer o olhar para encará-lo. — Tenho certeza — respondeu, firme, apesar das mãos trêmulas. Um silêncio incômodo se instalou. Ele a analisava como se pudesse decifrar todos os segredos escondidos em sua alma. Finalmente, inclinou levemente a cabeça e sorriu de forma quase imperceptível. — Muito bem, senhorita…? — Lara. Lara Monteiro. Ele repetiu o nome devagar, como se estivesse gravando-o na memória. — Está contratada. Lara piscou, surpresa. — Mas… não houve entrevista. — Eu não preciso de entrevistas para reconhecer alguém que me será útil — respondeu ele, cruzando os braços. — Mas saiba de uma coisa, senhorita Monteiro: trabalhar comigo exige mais do que competência. Exige lealdade… e obediência. Ela sentiu um arrepio na espinha, sem saber se era medo ou outra coisa. Havia algo naquele homem que a desestabilizava. Um perigo silencioso escondido atrás do controle absoluto. — Entendido, senhor Moretti — disse, tentando soar firme. Ele se aproximou ainda mais, de forma inesperada, fazendo-a recuar um passo. Seus olhos escuros estavam fixos nos dela, intensos, penetrantes. — Descobriremos se entendeu mesmo, Lara. Por um instante, o mundo pareceu parar. A chuva batia nas janelas como uma melodia distante, enquanto os dois permaneciam ali, frente a frente, em um jogo silencioso de poder e atração. Mal sabia Lara que, ao aceitar aquele emprego, estava assinando sem perceber o início de um contrato de sedução que mudaria sua vida para sempre.