Capítulo 4 •

Subo a escada enquanto equilibro a bandeja de café da manhã em minhas mãos. O horário que eles determinaram para as crianças acordarem é uma tristeza aos meus olhos. Sete horas da manhã, que tortura. Sílvia chegará mais tarde hoje, pois vai ao centro da cidade comprar o material escolar das crianças. Por isso, deixei que eles dormissem até as oito, visto que segundo a mensagem que ela enviou para o segurança, eu deveria fazer várias coisas.

O pai deles ainda não deu o ar da graça, porém pelo que Grandão disse, ele sempre malha até as oito ou nove e depois vai cumprir seus afazeres, seja o dia todo em seu escritório ou indo em empresas que tem sociedade. Segundo os jornais e revistas apontam, ele herdou uma fortuna milionária de seus avós, que criaram ele desde cedo, quando perdeu sua mãe — suponho eu que perdeu ela, pois ninguém fala sobre ela há muitos anos—. O pai foi um caso de uma noite de sua mãe e nunca chegou a conhecer. Com a fortuna em mãos, ele passou a investir em alguns estabelecimentos e tem prosperado desde então.

Segundo as fofocas que rolam por aí, ele se importa com os filhos — o que pude perceber pela chantagem que me fez —, porém ele está sempre muito ocupado preso em seu escritório, sem muito tempo para dedicar às pequenas crianças criadas pela babá. Dizem também que ele é um tanto ignorante, sem coração, orgulhoso e muitos outros defeitos. Com isso eu posso concordar e ainda acrescentar abominável chantagista na lista.

Observo que parei no meio do corredor enquanto me perdi em pensamentos e dou risada. Às vezes eu dou esses bugs, me desligo do mundo e viajo em pensamentos aleatórios. Coloco a maçaneta para baixo com o cotovelo e abro a porta com as costas, essa seria uma boa hora para Grandão estar comigo, mas ele aparentemente confia bastante em mim e foi correndo ao banheiro. O quarto grande e escuro está silencioso, apenas com o som calmo das respirações. Deixo a bandeja sobre a cômoda e sigo até a janela, abrindo a cortina com blackout e assim ganhando um resmungo de imediato com essa ação.

Andrew começa a resmungar e afunda o rosto no travesseiro, Pietro ainda dorme calmamente agarrado a um cachorrinho de pelúcia. Os olhos azuis que me fazem lembrar na hora do pai, pousam em mim e logo faz uma expressão confusa.

— Onde está a Sílvia? — Pergunta sentando e esfregando os olhos.

— Foi comprar o material escolar. — Respondo e ele faz careta. Sei que ele vai fazer seis anos ainda, mas eu certamente acharia que ele já vai fazer uns oito. Pela aparência bem esticada para a idade e também pela inteligência.

— E o que faz aqui?

— Sou a nova babá de vocês. — Digo fazendo careta, acho esse termo babá tão esquisito.

— Mas eu ouvi papai falar que tinha fugido. — Que garotinho esperto. Dou uma risada, tentando contornar a situação.

— Eu fugi, mas não no intuito de algo ruim. É que eu tinha outra coisa para fazer, por isso eu estava bem apressada ontem. — Ele assente diante de minha resposta — Agora vou acordar seu irmão, pois ele precisa comer.

— Ele chorou muito depois que foi embora ontem. Chorou até dormir. — Meu coração fica um cadinho pesado ao saber disso. Tadinho.

Abaixo a barra de proteção da cama e sento, começo a acariciar o cabelo castanho do menino. Eu tenho um amor por crianças, me apego muito rápido e elas me amam também. Sempre quis fazer alguma faculdade relacionada a essa área, mas não tive muitas condições e nem cabeça para focar nisso. Por isso, sempre que possível estava ajudando o lar de crianças abandonadas. Onde eu morei durante minha infância.

— Oi, pequeno. — Os olhinhos ainda inchados e cor de mel me encaram, se arregalando em seguida.

— Tia! — Senta com rapidez se agarrando a minha cintura.

Fico bem surpresa com sua reação, eu definitivamente enfeiticei essa criança. Única explicação possível.

— Olha o que trouxe para você, para comemorar que agora ficaremos juntos todos os dias. — Ele abre a boca surpreso e pego a bandeja, deixando em um espaço entre nós dois.

— Ah, e eu não ganho café na cama? — Andrew pergunta fazendo biquinho.

— Vem cá, trouxe para os dois. — Ele pula da cama na hora e vem correndo, subindo com cautela e sentado ao lado do irmão — E... vocês precisam guardar segredo.. — Comento olhando em volta vendo se tem algum espião — Trouxe uma sobremesa para nós. — Tiro o pacote de biscoito preferido deles do casaco e mostro, os olhinhos dos pequenos ficam enormes, assim como o sorriso.

— Segredo. — Andrew e Pietro dizem juntos, o que me faz sorrir.

Guardo o pacote novamente e olho pra porta, vejo Grandão de olho em mim. Faço sinal de silêncio e ele balança a cabeça negativamente, como se estivesse me reprovando. Faço um biquinho bem inocente e ele revira os olhos, antes de abrir um sorriso e encostar a porta. Esse eu consigo dobrar fácil com sorrisos e biquinhos. Por que Isaac não é fácil assim também? Que homem difícil.

Enquanto tomamos o café da manhã, fico prestando atenção nas crianças que não param de falar. Descubro que Andrew ama esgrima e que queria muito fazer aulas, mas eu acho que ele ainda é bem pequeno para isso e até concordo com o pai por não deixar. E Pietro gostaria de ser piloto de fórmula 1, pois ele ama carros rápidos. Confesso que mesmo sendo meu primeiro dia — do que pensei que seria uma tortura—, não foi tão ruim assim e eu já estou ficando derretida pelas crianças.

Depois de comerem tudo que prepararam na cozinha para eles, eu abri o pacote de biscoito e eles devoraram em segundos. Eu vou acabar saindo daqui e deixando duas bolinhas para trás, mas não posso culpar eles, o biscoito é realmente maravilhoso e se eu pudesse, também iria comer a cada segundo. Primeira vez que como desse e tá mais que aprovado.

Achei bem injusta a lista do que eles podem e não podem comer. Tudo bem que eles precisam de uma dieta saudável e tudo mais, porém comer um pedacinho de doce por dia e poder se esbaldar nesse biscoito somente uma vez na semana. Aí já acho um exagero total, é muita restrição. Acho que eu tenho um propósito aqui, que é ser a ovelha malvada que não segue as regras e as crianças aproveitam.

— Não acredito que vocês ainda estão de pijamas! — Sílvia adentra ao quarto já chamando nossa atenção. Vejo na cômoda o relógio marcando nove e vinte. Eu não notei que a hora tinha passado tão rápido assim — Cassandra!

— Estávamos tomando café, hoje foi especial e na cama. — Comento e ela se aproxima, olhando a bandeja praticamente vazia, só com algumas frutas intocadas.

— Ele comeu? — Pergunta apontando pro menor e assinto.

— Sim. — Pietro levanta desengonçado na cama e levanta a blusa, alisando a barriga — Igual a dez leões famintos em busca de uma gazela beeem suculenta. — Me seguro para não rir, mas recebo um olhar reprovador de Silvia e fico séria, balançando a cabeça em negativa.

— Que linguajar é esse, Pietro? — Finjo chamar sua atenção, mas Andrew e ele começam a rir —

Não fui eu quem ensinei, eu juro. — Dou dois beijinhos em meu dedo e levo a mão ao ar.

Sílvia parece não gostar muito, mas apenas fica quieta. Sinto uma cutucada na minha mão atrás da costas e logo o pacote de biscoito vazio está sobre ela. Meu cúmplice loiro se livrando sorrateiramente das provas. Levanto e empurro rápido no bolso da calça. Logo Andrew também está de pé e indo pro banheiro para se ajeitar.

— Vou levar isso para a cozinha. Depois encontro com vocês. — Pego a bandeja e abro um sorriso pro menor. Atrapalhei a programação deles, mas às dez horas eles vão sair, dentista. Tudo precisa estar certinho, antes de voltarem as aulas, que é na semana que vem.

Pietro, que parece até mais feliz, segura na mão de Sílvia, antes de dar um super pulo da cama. Ao qual ela o repreende, mas ele não liga. Saio do quarto e encontro Grandão sentado em uma cadeira, ele sorri e se levanta, começando a me acompanhar.

— É real mesmo esse negócio de vinte e quatro horas por dia? Você deve ter outras coisas pra fazer. — Argumento.

— Só por agora, acho que em breve eles vão perceber que você não faz mal a uma mosca. — Que audácia.

— Ei, não fala assim, me faz perder a pose de bandida má. — Digo fingindo estar ofendida e ele ri — Mas você deve estar com sono, deve ser horrível isso.

— Ah sim, isso é, mas o senhor Jhonson ainda não arrumou outro que confie tanto quanto eu. Então, irei ter que te aguentar mais um pouco. Foi tudo muito rápido, sabe. — Assinto em compreensão.

— Entendi. Falando no senhor abominável, ele foi trabalhar? Achei que ele pelo menos passaria para dar bom dia aos filhos, o que não ocorreu.

— Ele ainda está na academia, mas ele passou por lá sim, logo depois que saiu do quarto ele foi até lá e ficou observando vocês por uns segundos. Depois ele foi para a academia. — Isso me deixa nervosa, muito nervosa.

Será que ele ouviu quando falei mal dele para as crianças? Que ele era um chato e velho, por não deixar eles comerem porcarias. Talvez eu tenha cometido um erro ao fazer isso. Preciso repensar minhas conversas com as crianças. Desmoralizar o pai deles não pode mais ser pauta em nossos assuntos.

— Que horas mais ou menos? Preciso me preparar para algum sermão?

— Possivelmente, a senhori... Você fala bem alto, devo admitir. — Eu e minha mania feia e nada educada de falar alto. — Parece que está gritando. — Dou língua pra ele, com sua implicância final.

— Tomara que ele tenha ido no início. Assim não terei de me justificar tanto. — Dou de ombros. — Mesmo que eu não tenha mentido em nada. — Faço uma expressão divertida, que o homem maior não aprova.

Coloco a bandeja na pia e um homem vem dizendo que já vai lavar. Ele e mais duas mulheres estão vestidos adequadamente para trabalhar na cozinha. Agradeço e saio do local, pois quase fui expulsa de lá por estar atrapalhando um pouco eles.

— O que eu farei enquanto as crianças não estiverem por perto?

— Isso é com você. Eu apenas estou de olho para evitar que alguma mão leve demais passe por aqui. — Reviro os olhos.

— Também não é assim. Eu não sou uma pessoa com cleptomania, que sente um desejo incontrolável de roubar. A maioria das vezes eu estou no lugar errado, na hora errada e pelos motivos errados. — Explico a ele minha total falta de sorte em certas ocasiões.

— Entendi, bom saber disso. Me sinto mais aliviado que você não seja uma pessoa extremamente perigosa. — Sua expressão exagerada de alívio me faz cruzar os braços e arquear a sobrancelha.

— Posso perceber agora que eu realmente sou péssima para fazer amigos. — Alfineto o homem que não se abala nem um pouco, o que me faz prosseguir — Bom, vou um pouco no jardim, tomar sol. Posso ir sozinha? Quero pensar um pouco.

— Tudo bem, ficarei de longe.

— Obrigada. Não se preocupe, não irei fugir. — Ele sorri agradecido. — Apenas pensarei em formas de como enlouquecer seu chefe. — Abro um sorriso fofo e ele balança a cabeça em negativa.

Saio da casa e observo bem a frente, ontem não pude reparar com clareza. O quintal é imenso e bonito, bem verde e com uma fonte no centro, perto da entrada. Ando pelo caminho de pedrinhas e consigo observar mais do lugar, tem um parquinho bem grande também.

Rodeio a casa, indo para os fundos. O jardim que passei quando fugi. Ele tem todo o ar de ser mágico, não é amplo e aberto como a frente da casa. Ele meio que segue o tamanho da academia, tem o muro à minha esquerda, atrás está o que pulei e a direita já é a parede da casa. Para ter acesso a ele é por onde passei, rodeando a casa e passando por um corredor ou pela academia. Parece mais um jardim secreto e privado.

Sento no banco e cruzo as pernas sobre ele, encosto e apoio a cabeça, encarando o céu azul e fechando os olhos. O sol está tão agradável essa manhã, mesmo sendo quase dez horas. Está levemente fresco e eu gosto de dias assim, nem tão quente, mas também não tão frio. Suspiro fundo e relaxo, talvez Silvia faça um cronograma para mim também. Com meus horários e essas coisas, confesso que seria melhor e eu não ficaria tão perdida.

— Admiro a ousadia de falar mal de mim pros meus filhos e ainda quebrar as regras impostas. Logo no primeiro dia.

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