Capítulo 2 •

Encaro o homem à minha frente com meu ódio explícito e me irrita mais ainda o fato dele estar fingindo que não estou aqui, enquanto analisa alguns papéis calmamente. E eu? Uma mera pessoa insignificante em sua frente.

Lá estava eu, escondida no lugar que decidimos ser o esconderijo perfeito, caso fôssemos seguidos. Uma caverna com a entrada coberta por folhas, bem camuflada por sinal. Esperei um bom e entediante tempo, antes de finalmente sair e tentar chegar em casa. Para o meu azar a floresta estava tomada pelos malditos seguranças, que conseguiram me capturar e trazer para esse homem, que possivelmente vai me entregar para a polícia. Eu fiquei lá o dia praticamente todo, à toa. Que ódio.

Estou com fome, suja de lama, molhada e machucada. Um combo maravilhoso. O que me faz ter certeza de que se eu sair dessa, nunca mais volto a invadir casas alheias. Continuarei em casa e eles que lutem. Acho que vou embora, tomar um novo rumo na vida, totalmente convicta de que sou lerda demais para esse ramo.

Já estou aqui há quase meia hora pelo que mostra o relógio na mesa e ele sequer me olhou. Estou prestes a levantar da cadeira, mandar ele se lascar e sair correndo.

Quando apoio as mãos nos braços da poltrona e penso em levantar, ele b**e os papéis na mesa para alinhar e coloca ao lado. Seu olhar foca em meu rosto, o que me faz engolir seco pelo contato direto, mas tento não demonstrar que estou com um pouco de medo. Ele coloca uma mão sobre a outra apoiada na mesa e ouso dizer que está tentando ler minha alma. Mania feia.

— Quantos anos você tem? Dez? — Pergunta observando minha pose largada na poltrona. Estou quase deitada e faço careta, revirando os olhos calmamente. — Retire o capuz. Quero ter uma conversa entre adultos, mesmo que você não parece uma.

— Para você? Oito! — Continuo na mesma posição e vejo que ele suspira fundo, antes de revirar os olhos como eu. — Estou cansada de ficar mofando aqui. — Ignoro totalmente sua fala sobre o capuz, não quero que pense que manda em mim.

Geralmente me dão quinze anos, não pelo jeito que costumo agir como ele acabou de fazer, mas sim pela aparência. Meu cabelo liso, de tamanho médio, é castanho claro, já os meus olhos - que são o que mais gosto - são cinzentos e grandes, mas o que mais chama a atenção é meu rosto de criança, que não entrega que tenho na verdade quase dez anos a mais do que geralmente me dão.

— O que estava fazendo em minha casa? — Direto.

— Apreciando as decorações. Você tem quadros lindos e um ótimo gosto. — Digo sem interesse e percebo que isso irrita ele.

Por que ele não me manda embora logo ou manda me prender? Claro que a última opção eu preferia que não existisse, mas esse diálogo está me deixando agoniada.

— Quem estava com você? Creio que não estava sozinha. — Ele me analisa calmamente e isso me incomoda um pouco. Não devo estar em melhores condições na minha aparência. Devo estar com o cabelo desgrenhado pelos chuviscos que peguei enquanto tentava me esconder, por isso a touca é necessária, além de estar bem suja de terra, pois cai algumas vezes na floresta. Tento me ajeitar, mas quando percebo que ele me analisa, paro e volto a fingir despreocupação.

— Sou capaz o suficiente de me aventurar sozinha por casas alheias. — Agora me ajeito e o encaro séria. Não vou entregar meus amigos, mesmo que metade disso seja culpa deles e da minha falta de sorte.

— Não duvido, mas creio que para entrar aqui, outras pessoas estejam envolvidas.

— Para falar a verdade, acho que você deveria trocar seus seguranças. Foi até fácil invadir e encontrar brechas para entrar em sua preciosa mansão. Se não tivesse uma interferência na câmera, ninguém saberia que estivemos aqui. Acredita que eles entraram no cômodo que estávamos e nem procuraram? Péssimos. — Digo debochada. — Está jogando dinheiro fora, senhor Jhonson. Você tem filhos, deveria se preocupar mais.

— O que vocês queriam? — Ignora totalmente minha fala e prossegue com seu questionamento.

— Por que não chama logo a polícia?

Por favor, não chama. Bancar a durona é um tanto tenso e medonho. Eles já não gostam muito de mim, pois sempre estou me safando com meus amigos de seus flagrantes e outras coisas mais.

— Por que não responde o que perguntei? É tão simples. — Ele está claramente perdendo a paciência e eu não estou ajudando muito.

— Por que você ainda está falando ao invés de ligar? Nem é tão difícil. É só pegar o celular e discar três números. Até criança sabe. Você não sabe? Quer que eu te ajude? — É mais forte que eu.

— Haja paciência. — Diz respirando fundo e fechando os olhos por alguns segundos, enquanto massageia as têmporas. — Você faz parte daquele bando de delinquentes com síndrome de Robin Hood? — Abro um sorriso, eu até que curto esse nome. É genial.

— Por que estou aqui ainda? Eu realmente acho que não quer saber de fato sobre minha frustrante entrada e fuga daqui. Se não, já teria me entregado a muito tempo. — Constato o óbvio — Você quer algo a mais, Isaac. Diga o que precisa e te direi se concordo ou não.

— Bom ... — Ele pega um iPad e começa a mexer, logo vira em minha direção a tela. — Tenho um vídeo seu entrando pela garagem de madrugada, o que pode provar que entrou escondido.

— Quem te garante que sou eu? — Cruzo os braços.

— Bom, talvez, escolher um tênis amarelo para contrastar com uma roupa preta não tenha sido tão inteligente assim. — Diz e automaticamente coloco os pés mais para trás, deixando escondidos embaixo da poltrona. Ele vê que me calou de possíveis argumentos contra ele e prossegue. — E também o vídeo de você fugindo pela academia. Surpreendente, eu diria.

— Cacete. Você tem uma câmera na árvore? — Pergunto assistindo o vídeo do meu movimento perfeito para pular o muro. Eu sou fera nessas manobras. Que orgulho.

Chace é expert em parkour, ele nos ensinou algumas manobras para fugir quando necessário e essas coisas, que poderiam ser úteis em nossas invasões e fugas. Vejo que a roupa preta e colada, valorizou minha bunda. Gostei.

— Minha bunda está... — Sou interrompida. Ok, acho que falar sobre minha bunda não convém nesse momento.

— Tenho câmeras espalhadas por todo esse lugar e quintal. Enfim, eu posso entregar esses vídeos à polícia agora mesmo e você seria presa. Invasão a domicílio e essas coisas, sozinha, pois seus amigos conseguiram fugir sem deixar nenhum rastro, mas ... — Ele guarda o iPad na gaveta, fazendo suspense e isso me irrita. Odeio isso.

— Maaas?

— Tenho uma proposta para você! — Fico surpresa com isso e nem sei o que responder. Uma proposta? Nunca vem coisa boa nessas situações. Só falta ele querer meu lindo corpo em troca desse livramento da cadeia. Bom, não sou esse tipo de garota, mas eu pensaria com carinho nessa proposta. Não seria um sacrifício. — Não vou entregar essas gravações à polícia com uma condição. Que você vire a babá do meu filho, do menor especificamente. — Ele mal termina de falar e já estou me acabando de rir. Ele é louco, só pode. Até minha imaginação pensou em algo mais provável que essa proposta sem cabimento.

— Eu invadi a sua casa e você quer que eu vire babá? Você tem problema? Quem te garante que sou uma boa pessoa? Que não farei nada de errado? Tipo, tentar te matar agora mesmo, com o canivete escondido em meus tênis amarelo chamativo.

— Por isso você vai ficar o tempo todo acompanhada de um segurança e se possível, sem objetos cortantes por perto. — Vejo que nem abalou ele o fato de eu ter um lindo canivete escondido. Que bom, pois realmente não tenho um canivete. — Aparentemente, Silvia acha você confiável e levo muito em conta a opinião dela.

— Isso não faz sentido algum. — Fico de pé decidida a sair daqui, mas, sinto dor e sento logo. Esfolei o joelho quando cai na floresta, está bem ralado e dolorido. Posso ser ótima fazendo certas manobras, agora andar com cautela já é pedir muito.

— Eu nem conheço aquela mulher e ela me acha confiável? Certamente ela também tem problemas. Vocês todos têm problemas.

— Segundo ela, você é filha de uma antiga amiga, que a ajudou muito no passado e mesmo tendo cometido esse delito, isso não condiz com sua índole. Além de ser uma ótima lição para você. — Diz todo centrado, mas logo sua pose finalmente desmorona. Revelando seu verdadeiro cansaço. — Estou desesperado por ajuda. Qualquer coisa insana no momento, para mim parece normal.

— Não! — Cruzo os braços e ele fecha o semblante.

— Tem noção do que estou te oferecendo? Qualquer uma em seu lugar se sentiria honrada. Prefere ser presa?

— Sim! — O que é uma mentira deslavada.

Talvez, eu irrite ele tanto, para que ele apenas me mande embora. Imaginando que posso ter algum tipo de maluquice aguda, que não valha a pena envolver a polícia. Vai que cola, mas acho que não vai, pois por algum motivo, ele está desesperado e é notório.

— Paciência. — Murmura e suspira fundo, recostando na cadeira massageando as têmporas novamente — Pietro gostou de você e por isso preciso que seja a babá. Por algum motivo você conseguiu encantar ele e isso em poucos minutos se mostrou benéfico. — Começa a falar, acho que tentando me fazer uma certa chantagem usando a criança fofa de olhos grandes.

— Eu não vou aceitar, não adianta tentar usar seu filho. Ainda acho que você é louco e...

— Ele está doente, nada grave agora, mas se continuar como está, vai piorar gradativamente. Ele não conversa com ninguém e muito menos como, ele está abaixo do peso normal e ninguém conseguiu mudar isso. — Começa a explicar, coisa que eu não queria. — Até você aparecer e Silvia contar que ele não parou de falar um segundo. No momento, estou desesperado como já disse e fazendo qualquer coisa para o meu filho não definhar. Isso inclui tentar contratar uma delinquente para ver se funciona. — Fico sem palavras quando ele termina de falar.

Fica até difícil de acreditar, pois o garotinho não parou de falar cedo e ainda comeu algumas uvas, que dividiu comigo. Parando para pensar, ele realmente é bem magrelo e apesar de ser da minha cor, ele está mais amarelado.

— O que ele tem? — Talvez a chantagem tenha funcionado um pouco e eu esteja com pena.

— Aparentemente uma anemia bem grave, que pode evoluir para algo pior se continuar assim. Ele ficou assim depois que começou a sentir falta da mãe. — Diz e vejo que seu olhar se perdeu um pouco. Lembro da notícia de dois anos atrás, dele perdendo a esposa e mãe de seus dois filhos, em um acidente.

— Mas fazem dois anos que...

— Sim! — Me corta, mesmo que eu já não soubesse como prosseguir. Esse povo adora me interromper. — Agora que ele passou a ter consciência das coisas, fotos e afins. Apesar de toda ajuda psicológica e pediátrica, ele não se abre com ninguém.

— Eu ainda acho que você é maluco, meio desesperado pela situação, mas não posso... — Nem sei o que pensar, não quero mesmo ser presa, mesmo tentando demonstrar a ele que não me importo. Cair de paraquedas em um drama familiar é tudo que não quero no momento. Já tenho meus próprios problemas.

— Eu irei te pagar! Cinco mil por mês e tudo que tem direito. Não vai trabalhar de graça. — Abro a boca alarmada, isso é muito dinheiro. — Então não vai ser injusto ou uma troca de favores.

— Quero dez mil por mês.

— Fechado!

— Que? — Quase grito sem acreditar que ele aceitou. — Não, isso está errado. Você não tá seguindo o roteiro, você deveria dizer que sou louca e recusar. Pelo amor de Deus homem, coopere. — E ele não se abala, parece ter focado apenas em sua vitória.

Ele realmente quer que eu fique, a situação do pequeno deve ser grave mesmo. Quero chorar no momento e não sei ao menos o porquê. Essa é uma ótima oportunidade se eu avaliar bem.

— Temos apenas algumas coisas para acertar. Além do segurança, você não vai poder sair daqui durante o tempo que ficar, vai ter que morar aqui.

— Isso é sequestro. — É, retiro o que disse. Certeza que as regras vão ser equivocadas.

— Temos visões diferentes do que é um sequestro então, pois estou te dando uma escolha, ou fica aqui, seguindo as ordens e trabalhando como babá, ganhando dez mil por mês ou vai para uma cela fria, sofrer e essas coisas. — Gesticula com a mão como se não fosse nada.

— Então, preciso escolher entre prisão domiciliar ou uma cela fria? Realmente acho que nenhuma das duas são favoráveis para mim. Eu poderia chegar cedo e ir quando ele dormir. Não preciso ficar aqui. — Argumento.

— Você não é confiável. Prefiro que fique onde eu possa ver. Você pode muito bem ir embora e fugir. Creio que já esteja acostumada a fazer isso e se você for a única salvação dele no momento, prefiro usar isso ao meu favor.

— Vou querer a filmagem. Quero que me entregue uma cópia e que exclua todo o resto. — Digo firme.

— Farei isso, mas só quando seu serviço aqui terminar. — Odeio quando ele usa argumentos convincentes.

— E quando seria isso?

— Quando meu filho estiver melhor novamente. Deixo você livre para ir, com aquilo que pode te incriminar em mãos e depois disso, nunca mais precisaremos nos encontrar.

— Quando eu começaria? Caso aceitasse. — Prefiro fingir que ainda posso escolher outra opção.

— Agora! — Curto, grosso e direto.

— Quero ir em casa pegar minhas coisas. — Minhas pouquíssimas, mas importantes coisas.

— Não sei se é uma boa ideia. Posso pedir que comprem coisas novas. Você ainda não concordou totalmente com o que foi proposto e mesmo achando que estou sendo muito louco nesse momento, preciso da sua ajuda.

— Se eu aceitar essa sua loucura, que na verdade não tenho muita escolha, pois não quero polícia envolvida. Vou ficar presa nessa casa, durante sei lá quanto tempo. Acho que ir em casa pegar algumas coisas, seria o mínimo a se fazer por mim. — Cruzo os braços irritada — Já vai me privar de minha liberdade e ainda quer me privar de pegar minhas coisas. Me ajude a te ajudar, Isaac.

— Tudo bem. Irei mandar um segurança com você. Amanhã você se apresenta devidamente aos meus filhos e começa seu novo trabalho.

— Invadi sua casa e agora serei a babá. Vai entender o que se passa na cabeça de vocês ricos. Só podem ser alguns neurônios queimados.

— Já estou começando a me arrepender. — Murmura, mas consigo escutar.

— Nem pense nisso. Agora não tem mais volta. Você conseguiu me convencer com seus argumentos. Prefiro ter uma cama macia para dormir, do que dormir naquele chão duro da cadeia. É uma lembrança que realmente não gostaria de reviver. Deixei isso no passado. — Sinto calafrios só de pensar.

— Eu deveria ter analisado bem a situação antes de expor tudo. Agora estou de fato preocupado com sua estádia aqui. Sinto que me precipitei e isso não vai ser bom. Afinal, não sei ao menos se Sílvia te conhece bem. As pessoas mudam com o tempo. — Vejo a pontada de indecisão em sua voz e arrependimento no olhar.

— Já era, tiozão. Sou sua mais nova e nada obediente funcionária. — Tento fazer uma expressão fofa, mas o ódio que me passa de volta, chega a me causar calafrios, porém finjo que não percebi e mantenho o sorriso debochado — Prometo cuidar do seu filho com o maior zelo e também prometo transformar sua vida em um caos, na mesma proporção. — Pisco diversas vezes para ele.

— Você sabe que no momento eu estou no controle da situação, não é? Posso te entregar a qualquer momento.

— Sim, mas também sei que posso ser insuportável quando quero e posso fazer você desistir dessa ideia, sem que eu de fato seja culpada. E que sou sua última tentativa para ajudar ao seu filho e não vai querer perder isso por nada. Ou seja, estou no controle da situação. — Eu poderia colocar uns óculos escuro agora e cruzar os braços. Por tamanha satisfação que sinto.

— Arrependimento total. Merda!

— Pois é, se precipitou e não pensou na besteira que estava cometendo. Sou bem difícil de lidar quando quero. — Abro um sorriso — Já estou me acostumando com todo esse luxo. — Suspiro calmante e coloco as mãos atrás da cabeça, enquanto recosto na poltrona.

— Definitivamente dez anos de idade, talvez menos. Não é possível que tenha mais que isso. — Ele balança a cabeça enquanto murmura. Seus olhos voltam para mim e ele abre um sorriso bem sinistro. — Irei pedir uma papelada detalhada sobre você. Quem sabe isso me deixe no controle da situação, pois terei detalhadamente toda a sua vida em minhas mãos.

— Não!! — Minha voz sai alta em quase um grito, ele até se assusta por não estar esperando essa reação, vejo a merda que fiz quando seu sorriso se alarga mais. — Vou tentar me comportar, mas não manda ninguém investigar meu passado. Por favor! — Agora quem coloca a mão atrás da cabeça e recosta relaxadamente é ele.

— Parece que te tenho novamente em minhas mãos. — Que vontade de dar um soco em seus dentes alinhados e tirar esse sorriso zombeteiro.

— Preciso pegar minhas coisas. — Fico de pé, lutando com a dor no joelho. — Pode pedir para alguém me levar? — Esse assunto me deixa desestruturada e nem pareço mais a garota afrontosa de minutos atrás.

Vejo que ele pensa em continuar sua provocação, mas parece pensar melhor e apenas faz uma chamada pedindo para alguém vir me pegar para buscar as coisas. Quando escuto alguém bater na porta, nem espero que ele mande entrar, apenas me apresso para sair do local. O homem de terno me encara sem entender, mas depois me segue quando vou me afastando.

Não quero que ninguém vasculhe minha vida, não quero que ninguém descubra que fui abandonada igual um cachorro na porta do lar de adoção, recém-nascida. Elizabeth Hall é minha mãe e salvadora, ninguém além dela pode merecer esse título. Devo tudo a ela, mesmo que não esteja honrando muito bem sua memória, cometendo essas coisas erradas que ela nunca aprovou. Vou tentar de tudo para ajudar esse menino em um mês. Quanto mais rápido ele melhorar, mais rápido eu posso voltar para casa e continuar com meus amigos.

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