Capítulo 3

Capítulo 3

Daniela ficou chateada por causa daquela conversa com o André.

Imagina, ele pensar que ela estava dando uma cantada nele... Nada mais impossível. Ela era realista e sabia que ele era o cara popular da escola, namorado da garota estilo modelo-fotográfica.

Mas como ele podia pensar que ela se considerava com chances... Ela era super na dela, nem se aproximava dele na escola, mesmo porque não fazia sentido.

Daniela tinha um grupo de amigos muito unidos e não tinha necessidade de se promover com o pessoal popular da escola, ou chamar a atenção para si. Nunca buscara servir de espetáculo aos outros. A vida, em sua opinião, era um acontecimento íntimo, para ser partilhado com quem se ama. Familiares, amigos.

Queria ser advogada, como o pai. Se concentrava nisso e era bem ocupada com suas metas. Se aplicava na escola e ajudava sempre na igreja. Nem pensava em namoro, mas se pensasse, focaria em alguém possível de acontecer.

Não era uma questão de baixa auto estima de sua parte. Era bastante madura para se sentir assim. Apenas achava que não tinha nada em comum com André. Então, como o amor poderia despertar entre eles? Se ela passasse horas escolhendo uma camiseta no shopping, ou sentasse no fundo da sala de aula para ficar passando mensagens de zap para as amigas, teria um perfil que combinaria melhor com ele.

Ai, que vergonha! Tinha levado um fora, sem nem dar a cantada. Ele cortou suas palavras bruscamente. Nem deu chances de ouvir uma declaração completa, do que ele imaginou ser uma garota se declarando. Mas já era de se imaginar. Devia ser muito apaixonado pela Vanessa. Minha nossa! E se ele contasse para a Vanessa? Ia ser muito humilhante. Ela e as amigas iam rir muito de Dani nos corredores da escola. Elas já implicavam com a Lurdes, só por causa do aparelho nos dentes, a coitada nem tinha feito nada.

E ela que supostamente dera em cima do André? Ia ser esmagada pela maldade das outras. Ela detestava conflitos.

Ele não podia contar.

Dani pensou em pedir ajuda para a dona Luiza. Ah, que velhinha apaixonante. Um doce de pessoa! Estava sempre levando balinhas para o grupo de jovens, comprava sempre as rifas para caridade e ainda guardava lugar na missa para a Dani, quando se atrasava. Que fofa!

Podia pedir para ela falar com o neto. Mas como explicar tudo? Seria outro embaraço. Melhor esquecer tudo. Isso mesmo. O André, com certeza já havia esquecido.

...

Dona Luiza estava colhendo couve na horta para fazer suco para o André. A couve tinha propriedades de super alimento.

Sabia que o neto não ia ser jogador de futebol profissional. Para isso ele teria que ter iniciado a carreira bem mais cedo, nos clubes esportivos. E o neto queria ser publicitário.

Mas ela acreditava que a pessoa devia dar o melhor de si em tudo o que fazia. A felicidade na vida, em sua opinião, estava em se entregar de corpo e alma ao presente. E ela encorajava André a dar o melhor de si. Nos estudos, nos esportes.

Ele pedia para ela não ter tanto trabalho com ele, afinal era só futebol amador. Mas ela sorria e avisava que ele era seu projeto de alegria. E se envolvia em suas atividades. Se realizava com as conquistas dele.

O amor era natural, não uma obrigação por ele ter pais displicentes. Ele sentia essa conexão profunda com a avó e retribuía da mesma maneira.

Roberval, o filho de dona Luiza, não era uma má pessoa, um bandido. Mas tomara todas as decisões erradas na vida. A princípio, trabalhador, caseiro, não perturbava. Filho único, seguiu a profissão de eletricista, que aprendera com seu pai, pois depois de se aposentar ele fazia bicos nessa área..

Casou-se com Sheila, caixa da farmácia.

Tiveram dois filhos. A Glorinha já estava com 16 anos quando o André nasceu. Nem conviveram muito, porque ela se casou aos 18 e mudou-se com o marido para o Japão.

O problema começara quando Roberval caiu de um telhado, ao fazer um serviço com o pai e quebrou o pé. Fez cirurgias que não deram certo. Acabou manco, sem poder trabalhar mais como eletricista. Foi morar na casa do pai, a quem ele culpava de tudo. Ele acusava seu pai de ter-lhe forçado a ser eletricista, o que não era verdade. Dizia que sua dor era causada por displicência de seu pai, que não quisera pagar bons médicos. Mas ele tivera toda assistência médica possível, seu caso é que era complicado mesmo. Seu pai sempre lhe respondia com desdém e ele ia sentindo cada vez mais raiva.

Quantas lembranças... Era sempre assim, quando dona Luiza estava na horta.

...

André caminhava pelo corredor da escola procurando por Daniela. Era engraçado como tinha gente que ficava gravada no nosso pensamento sem nem mesmo percebermos. A escola não era tão grande e ele queria vê-la, mesmo que de longe.

Os amigos comentavam sobre a dificuldade das provas. Ele concordava e mexia a cabeça, sem prestar muita atenção.

Não é que se considerasse carente de romance, pois tinha uma namorada, e ele, como a maioria dos rapazes, não se ligava tanto em elogios. Mas Dani dissera umas coisas bem legais a seu respeito.

Será que ela pensava assim, mesmo? Ou só tinha ficado nervosa com a situação embaraçosa.

Não a conhecia nem um pouco. Ela estava o tempo todo com sua avó, preparando coisas para a igreja, como folhetos para o grupo de orações ou para o grupo de jovens.

Mas ele sempre seguia seu caminho e nem mesmo conversavam. Pra falar a verdade, ela parecia nem ligar muito para ele. Cumprimentava-o, sempre educada... Mas quando estava rindo, contando umas piadinhas, ou concentrada em algo, era sempre com a atenção dirigida à avó.

Também não era para menos, dona Luiza a adorava. Era sempre a Dani isso, a Dani aquilo.

Um dia ele perguntara à avó se não gostava da Vanessa, já que nunca tocava no nome dela. A vó respondera que não tinha nada contra e nem a favor, porque sua namorada parecia para ela, uma garota de plástico, vazia.

Ele se ofendera um pouco, tomara as dores da Nessa, mas nunca conseguia ficar bravo com a avó. Principalmente quando ela falava a verdade. Porque a Vanessa era vazia para sua avó. Não oferecia nada, nem mesmo um sorriso. Sempre ficava entediada na presença da idosa e deixava isso muito claro.

Preferia que ele fosse busca-la sempre em sua casa, quando iam sair. Nunca passava mais do que dois minutos na presença de dona Luiza.

André se perguntava recentemente o que tinha em comum com a Vanessa. O que os ligava? Qual era seu vínculo? Claro que gostava de ficar passeando com ela, era quase como um desfile, chamavam sempre a atenção.

Mas ele precisava de público? Era dessas pessoas que viviam para chamar a atenção dos outros? Queria agradar mais aos outros que a si?

Não sabia. Nunca se preocupara com isso antes.

Saiu da escola sem ter visto Daniela. Mais um dia sem vê-la. Ficou decepcionado.

...

— Fio, vai ao mercado pra vó? Eu quero fazer bolo e acabou o fermento.

— Só isso que a vó precisa?

— Pega um suco de uva pra vó e alguma coisa pra você.

A vó adorava suco de uva. Dizia que era por isso que seu coração funcionava tão bem. O médico concordava com ela sempre que fazia exames. Já André adorava sorvete. De todo tipo.

O mercado estava meio vazio, então ele logo pegou o que queria e quando estava indo para o caixa, avistou Daniela no fundo do corredor. Ficou surpreso e seu coração deu uma acelerada. Achou melhor pegar mais suco de uva, para poder se aproximar dela.

A garota o viu e ficou toda vermelha.

— Você não foi mais lá em casa — ele disse com uma voz sossegada. Se ela soubesse que na verdade, ele estava com os sentidos muito alertas e o coração acelerado, ficaria no mínimo, intrigada...

Daniela decidiu ser sincera com ele.

— Fiquei meio envergonhada. Falei demais aquele dia.

— Bobagem. Eu gostei da nossa conversa.

Os dois pareceram surpresos com essa conclusão dele. Ficaram se olhando por um momento.

— Acho que eu vou hoje à noite.

— Vamos te esperar.

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