IGOR

   Após o jantar cada um se retirou a sua célula em determinada ala da mansão.

    A noite está quente, resolvo dar uma volta a pé pelas alamedas próximas a mansão. Já não tem mais ninguém andando pelas alamedas a essa hora, quase meia noite, apenas alguns aerocars de última geração passam de vez em quando. Um drone de monitoramento das forças especiais acabou de passar. Ele não me parou porque deve ter me scaneado lá do alto e me identificado pela mini tela de pulso. Todas as minha informações estão nela, desde meu tipo sanguíneo, altura, peso até minhas notas do curso avançado de robótica. 

   Vejo os faróis de um aerocar vindo em minha direção. Passou devagar e o motorista ficou me observando.

   No próximo quarteirão percebo que o mesmo aerocar vem novamente ao meu encontro. Ele para ao meu lado. Na minha inocência até então o motorista estaria perdido e queria uma informação. Porém até os aerocars mais antigos tinham sistemas de navegação. 

   Meu deus, porque ele parou? Eu penso. Será que ele vai me sequestrar? Afinal aqui todos sabem que sou filho do poderoso Sr. Sans, dono do império que fez a ilha país 12 entrar no mapa das grandes ilhas comerciais. Mas aqui não existe esse tipo de crime. Todos somos monitorados pelas forças especiais. Mesmo quando estamos sem nossas mini telas de pulso. Com o avanço da tecnologia somos monitorados, em último caso graças a uma vacina, criada por um cientista de uma das empresas do papai, onde é implantada uma célula de localização no indivíduo assim que ele nasce. 

   Não. Ele não irá me sequestrar. Mesmo assim fiquei paralisado no instante em que o aerocar parou ao meu lado. A janela de vidro escuro ao lado do passageiro começou a descer. O que eu faço? Corro? Minhas pernas não se movem. 

   - Boa noite tudo bem? 

   Ainda não tinha percebido qual era sua real intenção. 

   - Boa noite. Tudo bem. (Tentei falar de um jeito casual sem deixa lô perceber que estou quase em pânico). 

   - O que você faz andando a essa hora pela alameda sozinho? 

   Então percebo que ele não está perdido, precisando de alguma informação. Ele realmente quis parar e falar comigo. Mantenho a calma e controlo o nervosismo. Pois começo a perceber que aquilo que estava escondido dentro de mim está querendo sair. Um formigamento atrás da cabeça, meu corpo começa a esquentar. Será que eu estou ficando com o rosto vermelho? Acho que vou entrar em combustão. 

   - Estou apenas dando uma volta. Já estou indo para casa. Está tarde. (Dei uma pausa enquanto nos encaravamos). - Por que? (As palavras saem da minha boca mais rápido do que eu desejo. O que ele quer comigo? Era a única pergunta em minha mente). 

   - Que pena ia te chamar para dar uma volta. Talvez irmos ao centro comercial beber alguma coisa. 

   Então aquele calor e formigamento tomam conta completamente do meu corpo. Ele não percebeu. O que estava preso dentro de mim saiu... Aquela vontade que eu não sabia de onde vinha explodiu dentro de mim. Como se outra pessoa tomasse conta do meu corpo. E o garoto ingênuo começou a desaparecer dando asas a alguém mais poderoso, confiante e forte. Algo que eu até posso controlar, mais não quero. 

   - Uma pena mesmo. (O encaro fixamente. Já não sou mais eu). - Mas podemos marcar um outro dia. (Por que eu disse isso? Não sou eu quem está falando. Pelo menos não o que eu realmente queria dizer). 

   - Como se chama? 

   Ao perguntar meu nome aquela chama se espalhou pelo meu corpo como um choque. Uma descarga de adrenalina disparou pelo meu corpo me fazendo realmente ser quem eu não sou ou quem eu acho que não sou.

- Me chamo Igor. (Quando o som do nome saiu pela minha boca ecoou em meus ouvidos tive certeza de que não conseguiria mais controlar aquilo). 

   - Prazer Igor. Sou o Danilo. Será que se eu te passar meu código bip, você entrará em contato comigo para darmos uma volta qualquer dia desses? (Como eu posso recusar? Ele aparenta ser pouco mais velho do que eu. O corpo malhado, talvez em aparelhos para aumentar a massa muscular através da força bruta ou apenas modificado sua estrutura em alguma clínica especializada em mudanças corporais. Muitos artistas recorrem a isso para mudar algo em seu corpo que não lhe agrada. Braços fortes, peito estufado, lábios grossos com o formato quase de um coração, pele morena clara, porém queimada por um sutil bronzeado, um sorriso largo, cabelos lisos em um corte executivo, porém não muito arrumado). 

   - Sim com certeza. (Eu digo com tanta firmeza que ele paralisa. Acho que não esperava que eu aceitasse). 

   Prontamente ele aperta um pequeno botão na lateral de sua mini tela de pulso (É o único botão da mini tela de pulso e serve apenas para transmitir o código bip) e estica o braço esquerdo em minha direção para que eu o scaneasse. Sua mão está um pouco trêmula. Acho que ele está mais nervoso do que eu. Mas eu já não estava mais nervoso e nem inseguro. Claro não era "eu" quem estava ali. Era o Igor. Aquele que queria sair de dentro de mim a muito tempo mais o qual eu sempre controlei, mesmo sem saber. Por algum motivo dessa vez eu não o quiz fazer. Igor já sabia o que ele queria. Porém Danilo não sabia que minha segurança não vinha de mim. Não do Vítor. Era o Igor. Eu, Vitor, nunca aceitaria pegar o código bip de um homem estranho em uma alameda deserta. Mas o Igor sabia bem o que o tal Danilo queria. E Igor queria tanto quanto o Danilo. 

   Nos despedimos e ele partiu. Ao ver o aerocar se afastando a força e a chama de Igor se apagam e volto a tomar o controle das minhas ações. O que tinha acontecido? Porquê eu pensei uma coisa é disse outra? Porquê eu disse outro nome? Mas me senti tão forte e confiante me passando por "outra pessoa". Olhei para a mini tela de pulso e num impulso apaguei o código bip do Danilo. 

   Dormi pouco durante a noite. Eu e Igor brigamos internamente dentro da minha cabeça. Eu fiz a coisa certa, apaguei o código bip dele, mas Igor quer ir até o fim. Sinto como se duas pessoas discutissem dentro da minha cabeça. Acordo com a holomensagem projetada em uma das grandes janelas do meu quarto, onde a governanta andróide da mansão diz que o café será servido em meia hora. É sábado e eu raramente tomo café da manhã com meu pai e meus irmãos. Levanto. Me arrasto até o banheiro, me olho no espelho que cobre a parede do chão ao teto ampliando o ambiente. Me encaro em meu próprio reflexo. Como pode? Eu sinto que tem outra pessoa dentro de mim? E ainda sei que sou eu mesmo que estou aqui. Tomo um banho, me troco. Mando uma holomensagem para minha mãe. 

   Com um sorriso no rosto e um ar tranquilo eu digo: 

   "Bom dia mãe. Será que a senhora pode vir me buscar na casa do papai? Estou a sua espera."

   Apesar de ser sábado ela vai para a fábrica na quinta cúpula. Mas sei que ainda não saiu de casa. Ainda não tenho meu próprio aerocar. Apenas meu VLL (veículo de locomoção local) com rodas, mas ainda não tenho permissão para pilota ló entre as cúpulas. 

   Estou na cozinha da minha célula habitacional comendo uma fruta hidropônica e minha mini tela de pulso vibra. Posiciono o braço em frente ao rosto. 

   - Atender. (O holograma da imagem da minha mãe se abre). 

   - Tudo bem filho? 

   - Tudo mãe. A senhora pode vir me buscar? 

   - Claro. Aconteceu alguma coisa? Seu pai ou seus irmãos te ofenderam? Te maltrataram? 

   - Não mãe. Só quero ir pra casa. Aqui na casa do papai as vezes me sinto mais em uma prisão. Não consegui nem conversar com o Beh. E eles já devem ter saído também. 

   - Já estou a caminho filho. Você vai comigo para a fábrica? 

   - Sim. Vou sim. Lá pelo menos me sinto útil. 

   - Em alguns minutos estarei aí. Tchau. (A imagem some). 

   Mandei a mesma holomensagem para meu pai e para o Beh. 

   "Estou voltando para a terceira cúpula. Tenha uma ótima semana."

   Tenho certeza que meu pai nunca vê minhas holomensagens, mas alguma da suas secretárias deve ver. 

   Apesar de serem separados, minha mãe tem acesso livre a mansão da colina. Vi o aerocar dela se aproximando, através da parede de vidro da sala. Minha célula habitacional, apesar de fazer parte integral da mansão, tem entrada e garagem privativas. Estou sentado em uma poltrona de couro preta na sala, calçado com coturnos, uma calça jeans preta, camiseta branca e jaqueta de couro também preta. Digamos que esse é meu visual para os dias tristes. Achei melhor sair antes mesmo da minha mãe estacionar o aerocar. 

   Apesar dela ser uma mulher pequena, cerca de 1,60 de altura, ela pilota um aerocar bem grande e espaçoso. Um belo aerocar com oito lugares. Em minhas pesquisas pela nova rede, vi veículos de locomoção local que existiam antes da grande catástrofe, que poderiam ser comparados ao aerocar da minha mãe, eram chamados SUV's. 

   Mesmo ela estando com um sorriso no rosto. Percebi a preocupação da minha mãe. Já estava preparado para a bateria de perguntas quando entrei no aerocar. Dei um beijo no rosto dela e fiquei em silêncio. Achei que fosse perguntar alguma coisa mais ela ficou em silêncio também.

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