Após a morte de Kael, meu Alfa, que caiu lutando contra aqueles renegados, o velho Alfa Marcus passou a viver dominado pelo temor de que eu tirasse Finn, o único herdeiro Alfa da linhagem deles, e deixasse a Alcateia da Nascente de Pedra, ou, ainda pior: que eu acabasse marcada por outro Alfa.

Com isso, recusei todos os pretendentes que minha mãe tentou arranjar, afastei qualquer macho que se aproximasse demais e continuei garantindo a Marcus e à sua companheira que o sangue de Kael permaneceria puro.

Tudo porque eu pretendia honrar nosso vínculo de companheirismo, sempre.

Ainda assim, foram cinco anos. Cinco anos de ausência dos abraços quentes de Kael, da sua voz profunda sussurrando no meu ouvido. Em inúmeras noites frias, trinquei os dentes tentando suportar.

E então, Finn, naquele vazio, tornou-se meu único consolo.

Contudo, tudo mudou durante a cerimônia da Lua de Sangue, realizada no quinto aniversário do “sacrifício” de Kael, quando, por acaso, ouvi o pai dele, o velho Alfa Marcus, despejar sua fúria sobre “Ronan”:

— Kael! Seu lobo cego e egoísta! Até quando vai manter essa farsa?

“Ele acabou de chamá-lo de Kael?” Meu sangue gelou.

Na sequência, uma voz tranquila e familiar ecoou de dentro da toca, revelando-se como sendo Ronan, o irmão gêmeo de Kael:

— Pai, o senhor sabe que eu não tive escolha.

— Kael! Era o Ronan quem carregava a maldição da Deusa da Lua desde que era apenas um filhote... Ele era o fraco, o doente! Foi ele quem caiu no Penhasco da Lua de Sangue! Então por que você fingiu sua própria morte e assumiu o lugar dele?

“Fingiu a própria morte?”

Imóvel, com as garras enterradas nas palmas das mãos, ouvi o homem que me abraçava todas as noites, e que agora usava o rosto de Ronan, pronunciar suas seguintes palavras:

— Pai, Alina já estava esperando o filho de Ronan. Sendo tão frágil, como teria suportado perder seu companheiro? Já Elara, eu lhe dei um filho forte, algo que assegurasse sua posição na alcateia. Para mim, isso deveria bastar.

— Desde o dia em que Ronan caiu, decidi ocupar o lugar dele, proteger Alina e sua filha, e deixar que o nome Kael fosse definitivamente enterrado no Penhasco da Lua de Sangue.

Depois disso, não consegui escutar mais nada. Minha cabeça latejava sem parar.

“Então, não foi o meu Kael que morreu… Foi Ronan.

E o Alfa que deveria compartilhar o luar comigo escolheu desaparecer das nossas vidas para proteger outra fêmea e a filhote dela.”

Com a ficha caindo, as lágrimas escorreram pelo meu rosto.

Pois Kael tinha sido meu salvador.

Já que, quando os renegados me emboscaram, quase me arrastaram e destruíram meu nome, foi ele quem se colocou diante de toda a alcateia, me acolheu sob suas asas e prometeu me proteger por toda a vida.

Desde então, o cheiro dele se tornou meu refúgio mais seguro.

Nosso acasalamento foi intenso e repleto de paixão.

Ele jamais admitiu que outro macho sequer me olhasse duas vezes, e cada lua cheia ao lado dele era sagrada.

Todos comentavam que o amor de Kael era o tipo de sentimento que faria qualquer loba arder de inveja.

Por isso, quando ele “morreu”, agarrei-me ao nosso vínculo com todas as forças.

E no fim, fui apenas uma tola.

Kael havia sido o Alfa mais poderoso que a Alcateia da Nascente de Pedra testemunhara em um século. Tinha uma energia inesgotável e nunca chegava a adoecer, nem mesmo com um resfriado.

“Então, como era possível que um punhado de renegados tivesse conseguido derrotá-lo com tanta facilidade?”

No fundo, tudo aquilo era uma farsa habilmente planejada.

Ele viveu por cinco anos fingindo ser apenas o “tio”, só para proteger quem ele considerava ser sua “Luna”... No entanto, nunca reconheceu que a verdadeira estava bem diante dele: eu.

“E quanto a mim e Finn? Seríamos apenas peças que ele poderia descartar no grande plano de Alfa?”

Cravei os dentes no meu próprio braço e, com cada resquício de força que ainda me restava, forcei meu corpo a se afastar, cambaleando.