Capítulo 5

Matteo não voltou mais no quarto, mas eu também não voltei a dormir. Tive receio de que se dormisse poderia ter pesadelos piores e pudesse atacá-lo outra vez, então me obriguei a ficar acordada. 

Já era dia quando saí do quarto e me assustei quando o encontrei pelando de febre deitado no sofá. Depois de muita relutância, da parte dele, eu o arrastei até o quarto e o coloquei na cama. 

Me preocupei que os ferimentos tivessem infeccionado, mas aparentemente seu corpo só estava reagindo a dor extrema que sentiu, os machucados estavam bem.

Troquei os curativos e pedi que ele dormisse enquanto eu preparava algo para que pudéssemos comer. Não achei que ele fosse capaz de comer algo além de sopa, e como haviam muitas latas, foi o que fiz.

Quando voltei para o quarto ele estava dormindo. Lutei comigo mesma entre deixá-lo dormir ou acordá-lo para comer. A segunda opção venceu, já que eu não sabia quando foi a última vez que ele comeu.

-Matteo... - Respirei fundo tentando me acalmar, eu havia perdido as contas de quantas vezes eu o chamei e ele negou - Você vai tomar essa sopa agora ou eu mesma vou socá-la na sua garganta!

-Você não...

-Olha bem pra minha cara e me diz se eu não faria.

O macho abre um olho e depois o outro. Eu permaneço impassível. Suas asas se agitam uma vez e ele faz força pra levantar. Penso em ajudar, mas por mínimo que seja o movimento que eu fizer, minha máscara cairia e ele veria o quão desesperada eu estou. Porque essa é a verdade, eu estou desesperada. Eu passei a noite ouvindo ecos dos gritos e grunhidos de dor que ele soltou quando eu o ataquei e de quando precisei remover a pele queimada. Realmente me atormentou.

-Você dormiu? - Sua voz rouca me tira do transe - Parece cansada.

-Sério? Já se olhou no espelho? Você tá horrível.

Ele solta uma curta risada pelo nariz. Prendo um suspiro de alívio. Pego a bandeja com a sopa e coloco em seu colo, permaneço de braços cruzados até que ele comece a comer. 

-Não esqueça o remédio. - Faço sinal para a xícara na bandeja.

-Onde você conseguiu?

-Eu fiz.

Ele para de comer, olha para o líquido de consistência horrível, a sopa e depois olha para mim, franzindo o cenho. Ergo as sobrancelhas interrogativamente, mas o homem não diz nada, faço mais um sinal para que volte a comer. Ele me obedece, comendo tudo. Quando acaba pega a xícara e a inspeciona. Reviro os olhos.

-Se eu quisesse te matar, já teria feito. - Tiro a bandeja do colo dele - É para a febre.

Depois de mais um olhar de cenho franzido, ele bebe o remédio, fazendo uma careta no final. Seguro uma risada.

-Agora você pode descansar. - Coloco a xícara na bandeja e vou até a porta.

-E você? - Sua voz sai fraca e cansada, é como eu sei que o remédio está fazendo efeito.

-Vou estar aqui. - Sussurro sabendo que ele já não me ouve mais.

Lavo as louças e volto rapidamente para o quarto, arrasto a poltrona para que fique ao lado de Matteo e me sento. 

Me sinto um pouco culpada por ter omitido parte da verdade. Ele não tomaria se eu dissesse que o remédio o faria dormir, e ele precisava dormir. 

Me aconchego na poltrona enquanto o observo. As olheiras mais leves que as minhas, mas ainda assim fundas, ele está pálido, e pela forma como suas calças de couro pendem em seus quadris, ele também emagreceu. 

Jogo a cabeça para trás, tentando me obrigar a pensar em mim mesma, nos meus problemas, mas não consigo, o homem na minha frente está fraco e doente por minha causa. Eu o ataquei enquanto ele tentava me ajudar. Não é como se eu nunca tivesse feito isso antes, mas dessa vez eu não fui obrigada, eu fiz por querer. Pego no sono enquanto me autodeprecio.

Acordo envolta em escuridão. Pisco várias vezes tentando me adequar, mas não é culpa da noite ou do quarto. Estico a mão as pressas, apalpando a cama, e as cobertas, me acalmo quando encontro as asas e logo depois o braço de Matteo. Teteio no escuro até encontrar seu rosto, ele ainda dorme. Me jogo mais uma vez na poltrona, mais calma agora que o encontrei, e que tive a certeza de que são as suas sombras escurecendo o quarto. Elas não me deixam desconfortável, pelo contrário.

Segura.

Eu ouço a escuridão me falar e acredito nela, as sombras se condensam e eu as sinto me abraçar, me envolvendo com braços invisíveis, recebo o abraço de bom grado, me permitindo relaxar. Acabo dormindo mais uma vez.

O quarto está claro agora, não há sinal das sombras. Não sei dizer quanto tempo se passou, minhas pernas tremem um pouco quando eu me levanto, então concluo que dormi por muito tempo, mais do que deveria. Me aproximo da cama e coloco a mão sobre a testa de Matteo. A febre baixou.

-Você me drogou.

Me afasto rapidamente, com o coração disparado. Fui pega de surpresa. Eu o encaro e ele me encara de volta. Sua expressão é indecifrável.

-Eu não te droguei, eu te mediquei. - Respiro fundo algumas vezes para me recuperar do susto.

-Mas você sabia.

-Sabia.

-E não me avisou.

-Você não teria tomado se eu tivesse falado. E além do mais, sua aparência até melhorou.

Sigo para o banheiro ligando a torneira com água gelada para encher a banheira. Volto para o quarto, me aproximando vagarosamente da cama.

-Sua febre baixou, mas seu corpo ainda não está na temperatura normal. A banheira está enchendo com água gelada, pode ajudar.

Ele me olha mais uma vez com seu olhar penetrante antes de assentir. Me apresso para ajudá-lo, já que seu corpo ainda está fraco por causa do remédio. Eu o deixo no banheiro e sigo para a cozinha. 

Esquento a sopa, coloco em duas tigelas e me sento para o esperar. Algum tempo depois ele aparece. Se senta de frente para mim e me encara, abrindo um sorrisinho irônico.

-Também colocou sonífero na sopa?

Reviro os olhos e tomo uma colherada, na esperança de que o incentive. Ele não se move e eu bufo.

-Quer que eu tome da sua também?

-Não... Não precisa. - Sorri mais uma vez - Eu só estou me perguntando se devo fazer o mesmo quando for remover seus pontos.

-O quê? - Paro de comer.

Matteo começa a comer. Eu continuo imóvel, sem saber do que ele está falando. Ou melhor, sem querer acreditar. O sorriso volta aos seus lábios antes de me responder.

-Quem você acha que costurou seu ferimento? - Ele dá uma piscadinha antes de voltar a comer, seu olhar sempre no meu.

Ele só pode estar de brincadeira.

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