Às duas da manhã, Letícia Cruz foi despertada por uma dor intensa no abdômen. Ao tocar no lado frio da cama, ela percebeu que seu marido, Vicente Araújo, ainda não havia voltado para casa.
Com a dor aumentando a cada minuto, Letícia, tremendo, pegou o celular e ligou para Vicente. O som da chamada tocou por um longo tempo até que, finalmente, alguém atendeu.
Antes mesmo que Letícia pudesse falar, uma voz feminina saiu do outro lado da linha:
— Letícia, o Vicente já está dormindo. Se for algo importante, fale com ele amanhã. Vou desligar agora, tá?
— Espere, por favor... Espera... — Letícia tentou falar, mas cada palavra parecia uma tortura por conta das pontadas em seu abdômen.
A mulher, no entanto, ignorou completamente e desligou o telefone. Quando Letícia tentou ligar de novo, o celular de Vicente já estava desligado.
Letícia respirava com dificuldade. A sensação de que a vida estava escapando de seu corpo a fez tremer, e as lágrimas começaram a escorrer descontroladamente.
Ela não queria morrer. Ela tinha apenas 26 anos, ainda tinha seus pais, ainda tinha Vicente.
Com esforço, Letícia conseguiu ligar para a ambulância. Ela rastejou até a sala e destrancou a porta de segurança. Antes de perder a consciência, ela ouviu o som da sirene ecoando por todo o condomínio.
Os médicos fizeram um diagnóstico inicial: gravidez ectópica. Era necessário realizar uma cirurgia de emergência. Mas eles precisavam entrar em contato com algum familiar da paciente para autorizar o procedimento, e o telefone de Vicente continuava fora de alcance.
— Você tem algum outro parente ou amigo que possamos chamar? — Perguntou a jovem enfermeira, lançando um olhar cheio de compaixão para Letícia, que estava pálida na cama.
Letícia esboçou um sorriso amargo e balançou a cabeça.
Os pais de Letícia moravam longe, em outra cidade. Mesmo pegando o primeiro voo, só eles chegariam na tarde do dia seguinte. Além disso, sua mãe tinha problemas cardíacos e não podia passar por situações de estresse.
Sua melhor amiga, Cecília Camargo, vivia na mesma cidade, mas estava prestes a dar à luz. Cecília já estava no final da gravidez, e Letícia não queria incomodá-la de jeito nenhum.
— Eu mesma assino o termo de consentimento para a cirurgia. — Letícia respondeu, com a voz fraca.
A cirurgia foi realizada durante a madrugada. Quando Letícia abriu os olhos, já era manhã do dia seguinte.
A cuidadora, que estava ao lado dela, imediatamente trouxe um copo de água morna:
— Sra. Letícia, graças a Deus você acordou! Você não tem ideia do quanto foi grave. O médico disse que a gravidez ectópica estava em um lugar muito complicado. Se a cirurgia tivesse atrasado mais um pouco, talvez não tivesse dado tempo de salvar você.
Letícia levou a mão ao abdômen, sentindo um vazio profundo. Ela estava triste e decepcionada. Depois de dois anos tentando engravidar, finalmente ela havia conseguido, mas acabou sendo uma gravidez ectópica.
Enquanto ela segurava o celular, lágrimas começaram a escorrer novamente. A noite havia passado, mas Vicente não tinha ligado e nem enviado uma única mensagem.
O bebê se foi, mas o pai do bebê precisava saber. Letícia ligou para Vicente mais uma vez. Dessa vez, ele atendeu.
— Amor, eu... — Disse Letícia.
— Letícia, eu sei que tenho te ignorado ultimamente, mas estou exausto. A Sra. Larissa teve uma reação ruim ontem, está muito mal. Além disso, eu e a Estella não temos nada. Sempre a tratei como uma irmã. Ela não é uma ameaça para você, Sra. Araújo. Por favor, pare de criar confusão, está bem?
A voz de Vicente soava impaciente, quase irritada. Letícia segurava o celular, sem saber o que dizer.
Depois de alguns segundos de silêncio, Vicente falou novamente:
— Você não vai dizer nada? Letícia?
— Eu... eu tive uma gravidez... — Letícia tentou explicar, mas foi interrompida por uma voz feminina do outro lado da linha. Era Estella Frota, que soava desesperada e chorosa.
— Vicente, venha logo! Minha mãe está piorando!
— Depois falamos, Letícia.
A ligação foi encerrada.
Letícia ficou olhando para o teto. Seus olhos, que já estavam inchados de tanto chorar, voltaram a se encher de lágrimas.
Oito anos. Ela e Vicente estavam juntos havia oito anos. Durante esse tempo, eles superaram o terceiro ano do ensino médio, sobreviveram a quatro anos de um relacionamento à distância na faculdade e, dois anos atrás, finalmente eles se casaram. Haviam prometido construir juntos uma família, criar um lar e receber um bebê com amor.
Mas agora, bastaram três meses desde que a amiga de infância de Vicente voltou para a vida dele, e Letícia já era vista como uma esposa ciumenta e irracional.
— Ah! — Letícia soltou uma risada amarga. Ela cobriu os olhos com as mãos, rindo e chorando ao mesmo tempo.