Amor de Inverno
Amor de Inverno
Por: Kim
Vento Frio

O som do vento batendo contra a casa de praia nada lembrava os gritos que antes foram emitidos pela matriarca da família. Um jovem menino ainda se mantinha agachado com as mãos em seus ouvidos do lado de fora. Os gritos ainda estavam em sua mente e ele tinha certeza que nunca iria embora. Os cabelos negros da criança reluzia diante do sol, entretanto pequenas lagrimas caiam pela sua face.

–Henry, o que faz ai fora? – a empregada e também babá dele perguntara ao vê-lo amedrontado – Aconteceu algo com você, querido? – indagou tendo como resposta o olhar entristecido dele. – Pode falar.

–Mamãe... sempre vai brigar com papai? A culpa.. é minha?

–Claro que não – negou ao abraçá-lo – os adultos apenas estavam conversando. Falando alto demais, não se preocupe. – murmurou em seu ouvido confortando-o. Henry assentiu e apesar de sua pouca idade, percebeu que de alguma forma era um fardo para a sua mãe e seu segundo casamento.

22 ANOS DEPOIS

Um homem aparentando seus 26 anos caminhava lentamente pelo Escritório Internacional da Inglaterra. Seu semblante frio combinava de sobremaneira com o ambiente em que trabalha no Consulado Inglês. Seus passos seguiam ritmadamente ao mesmo tempo em que terminava de ler um relatório que lhe fora entregue a pouco tempo. Em uma pequena cidade da Iugoslávia havia começado uma incitação a guerra entre civis, tendo como motivo questões políticas e alimentares. Observou todos os detalhes do relatório sem perceber que a medida que caminha as pessoas lhe davam passagem. Henry Clark possuía apenas 20 anos quando ingressara na diplomacia e contrariando a todos se tornara o melhor em sua área, com apenas 27 anos. Ele era conhecido mundialmente por resolver conflitos, e por tal modo era tanto idolatrado quanto invejado pelos seus colegas ingleses. Parou em frente ao elevador sem precisar olhar o caminho que fazia. Já havia gravado a muito tempo os passos necessários para ir ao elevador, para a saída e para chegar em sua sala. Apertou o botão e esperou, paciente, ate a sua chegada. Assim que entrou observou-se pelo seu reflexo sem conseguir distinguir uma diferença entre ele e o garoto que chorava na porta de sua casa quando menor. Suspirou ao perceber ter chegado ao seu destino. Fechou a pasta e caminhou altivo ate a sala dos diplomatas responsáveis por conflitos políticos, encontrando-os sentados de forma despreocupada.

–Muito me admira – Henry disse ao sorrir irônico – vejo homens tão capacitados sentados como macacos em frente ao computador vendo lixo.

–Vejo que esta de ótimo humor – um dos homens tornou sem ter vergonha de demonstrar o desprezo que sentia por ele.

–Melhorou ao ver um massacre iminente – jogou a pasma em cima de uma mesa próxima e caminhou pela sala ampla – isso é um aviso, se não fizeram algo em relação a isso, duvido muito que continuarão a atuar neste país. Espero que gostem do Alaska.

–Isso é alguma ameaça? – François indagou petulante diante da dura critica de Henry. Ele não aceitava que um jovem mais novo que ele fosse tão aclamado por todos.

–Aceite como quiser e faça seu trabalho. Se precisa de uma critica para salvar algumas vidas, aceite como tal – virou-se de costas ao ouvir o resmungo do seu colega, e saiu da mesma forma que entrou: rápido e silencioso. Henry sempre sonhara em ajudar as pessoas, entretanto ao ingressar na diplomacia percebera que para ajudar as pessoas precisava, antes de tudo, de paciência para lidar com a burocracia. Ao parar em frente a sua sala, fez um discreto sinal para o seu secretário, o qual logo foi ao seu encontro. – Preciso do telefone de alguma arrumadeira – falou atraindo a atenção de Max, seu secretário a anos – precisei viajar e não deixei nada organizado.

–Sim, entrarei em contato com uma e a enviarei, Senhor Clark, não se preocupe.

–Obrigado – agradeceu ao sorrir – seu aniversário esta chegando, não é? – ao vê-lo assentir, sorriu – tire o dia de folga.

–Ainda não..sabe quando é..

–Não se preocupe, basta deixar alguém em seu lugar. Pode tirar a semana, se quiser. Viaje, divirta-se.

–O..obrigado – agradeceu sem jeito, pois aquela era a primeira vez em que Henry fazia algo similar.

–Pode ir – o viu se afastar e suspirou ao perceber estar sozinho em sua sala. Passou a mão pelos seus cabelos agora castanhos escuros lembrando-se de uma jovem garota – Este ano fará 17 anos, não é? Deveria lhe enviar um presente? – se perguntou, logo afastando essa ideia – Quanto mais longe ficar dela.. será melhor para todos. – murmurou pesaroso ao voltar a sua atenção para a pilha de documentos que tinha que analisar.

***

No interior do Texas, no América do Norte, uma jovem cavalgava despreocupada pelas terras vizinhas. Todos a conheciam pelo seu modo solitário de ser e por suas poucas palavras, entretanto inúmeros jovens lhe cobiçavam de longe. Muitos haviam a apelidado de olhos de mar. A jovem cavalgava cada vez mais rápido pela planície apenas para sentir o vento em sua face. O seu único prazer em morar no Texas eram os cavalos, seus únicos amigos naqueles anos terríveis. Cavalgou por horas sem perceber o quão tarde estava, se deu conta ao perceber o céu estrelado. Riu de si mesma ao pensar no sermão que receberia de seu pai. Incentivou o seu cavalo, trovoada, a ir mais rápido. A medida que seu cabelo voava na direção do vento, a sua gargalhada era escutada. Ao vê-la ninguém poderia imaginar os medos que passavam em seu interior. Ao aproximar-se de sua casa, desceu do cavalo e o guiou ate o estábulo, construído por seu pai para ela a muitos anos. Colocou Trovoada em sua baia, acariciando após perceber que tudo estava trancado.

–Vou para casa, amanhã poderemos correr mais, esta bem? – sussurrou para seu cavalo recebendo como resposta um relincho amigável e sutil. Sorriu ao ir embora, sem antes olhar para trás e ver seu amigo seguro. Andou apressada tomando cuidado ao abrir a porta da cozinha, e antes que pudesse perceber sentiu um tapa em sua cabeça – Pai! – disse lamuriosa ao levar a mão aonde ele tinha batido – eu não cheguei tão tarde.

–És realmente uma garota doida – Cortez disse ao ver a sua filha lhe sorrir – as garotas de sua idade estão em encontros, porque não é como elas?

–Porque sou sua filha – respondeu tranquilamente – além do mais.. se eu tivesse encontros, com certeza o senhor já teria espantado todos.

–Isso é verdade – assentiu pensativo com um sorriso no rosto – esta com fome?

–Sim, muita.

–Venha comer – murmurou ao segurar em sua mão e a levar para a mesa, gentilmente. – Sarah, o que acha de se encontrar com seu irmão?

–Somos meio irmãos – sua voz sairá mais amarga do que pretendia, entretanto fingiu não ter percebido - além do mais, ele escolheu nos abandonar.

–Não pode ser tão dura consigo mesma.

–Sabe que não gosto dele.

–Eu sei, eu sei. Apenas... imaginei que poderia ficar mais próxima dele, afinal é a única família que tens.

–O senhor é tudo que me basta – disse sorridente.

–Sim, eu sou – murmurou com receio de derramar lagrimas pela sua face. Não fazia muito tempo desde que descobrira estar com um tumor em seu cérebro. Ele sabia que tinha pouco tempo de vida, e ao olhar para Sarah, sua doce filha, perguntava-se o que seria dela com a sua partida. –Mas pense nisso, se acontecer algo..comigo.. com quem ficará?

–Pai, não seja bobo. É o homem mais forte que eu já vi na vida – falou ao observar o homem de pele clara, olhos azuis e um sorriso gentil – não diga bobagens, sabes tão bem quanto eu, que logo farei 18 anos. Então não precisa se preocupar.

–Esta certo – fingiu se dar por vencido, entretanto ele sabia que tinha que continuar insistindo, pois Henry Clark poderia ser a única salvação para a sua filha.

Já havia se passado alguns dias após a conversa de Sarah para com seu pai sobre seu irmão, entretanto ela nunca iria imaginar que o temor de seu pai fosse acontecer tão rapidamente. Um dia ao chegar em casa, encontrou o seu pai caído no chão da sala rodeado por remédios. Como por uma força, levantou-se do chão, segurou as lagrimas e ligou para a emergência. Aqueles foram os piores vinte minutos que passara em toda a sua vida. Logo que chegará no hospital, viu o seu pai ser levado para a sala de emergência, lhe restando apenas permanecer parada no meio do corredor frio do hospital. Sarah ficou sozinha em meio a desconhecidos por horas ate um homem de meia idade ir ate ela com o semblante entristecido.

–Sarah Mills, não é? – o medico perguntou ao vê-la encará-lo com medo – Sou o Doutor Marcondes, venho cuidando do seu pai há algum tempo.

–Cuidando do meu pai?

–Sim, ele não deve ter lhe contado, não é?

–Sobre.. o que esta falando? – indagou ao sentir suas mãos tremulas – ele... estava doente? Encontrei algumas pílulas, mas..

–Ele tinha um tumor cerebral.

–Como? Não pode estar falando sério. Ele sempre foi um homem forte. Nunca..ficou doente..

–É melhor se sentar – falou cordial ao ver a palidez em sua face. A viu negar e instigá-lo para que prosseguisse – Cortez veio me procurar a uns cinco meses por causa de algumas dores de cabeça, visão turva. Fizemos alguns exames, e logo foi confirmado. Foi feita uma biopsia do tumor, mas a operação se mostrou inviável já que o tumor, um glioma, estava próximo a área da medula espinhal. O tumor estava crescendo rapidamente impedindo a oxigenação. Adiamos o possível com remédios, mas era inevitável. Seu diagnostico inicial foi de apenas 2 meses de vida, eu sinto muito.

–Ele.. o meu pai.. ele.. morreu? – perguntou alarmada.

–Eu sinto muito. – repetiu, entretanto ao ver as lagrimas caírem pelo rosto da jovem sentiu-se mal e incapaz. A viu cair no chão, sem se importar com nada. A única coisa que Sarah conseguia fazer naquele instante era chorar. Chorar pela perda da pessoa que mais amava na vida. A única pessoa que conseguiu amar.

***

O copo que estava na mão de Henry caiu deixando-o atordoado. Aquela havia sido a primeira vez em que fora desastrado. Sorriu consigo mesmo ao dar de ombros e ir em direção a cozinha. A casa em que Henry morava possuía três andares, a fachada era branca possuindo nos dois últimos andares varanda de madeira. Ele não sabia o motivo, mas havia se apaixonado pela residência quando fora procurar. Apesar de viver sozinho, sentia-se bem em ter tanto espaço para si. Ao retornar com uma vassoura e uma pá percebeu estar relembrando de algo seu passado.

–Deveria trabalhar mais para esquecer isso? – se perguntou ao limpar os cacos de vidro do chão.

***

Uma semana havia se passado após o enterro de seu pai, e Sarah continuava em silencio. Ninguém escutava a sua voz e nem aparentavam se importar. Ela se trancou em casa saindo apenas para cuidar de seu cavalo. Passou dias daquela forma, mal comia ou dormia, apenas pensava em seu pai. Em mais um dia repleto e envolto pelo silencio, escutou uma batida na porta. Andou cambaleante e ao abri-la ficou surpresa ao ver o advogado, amigo de seu pai, com o olhar preocupado.

–Está pior do que eu pensava – ele murmurou triste ao abraçá-la – me perdoe pela demora – desculpou-se ao sentir as lagrimas dela molhar o seu paletó. Continuaram daquela forma por alguns minutos, ate as lagrimas de Sarah cessarem – Esta..melhor? – a viu assentir sem jeito – não precisa ficar assim. Todos precisamos de um ombro amigo, sim? Posso entrar? Infelizmente temos que conversar.

Sarah suspirou ao assentir. Ela não era tola ao imaginar que continuaria vivendo sozinha naquela casa. Afinal ainda possuía 17 anos de idade. Deu passagem para o advogado, entretanto temeu pelo seu futuro.

O advogado olhou em volta sorrindo ao sentar-se no sofá, retirou alguns papeis de sua mala e olhou para Sarah.

–Ficar acuada não vai ajudar em nada – tornou gentil – sente-se, temos algumas coisas para conversar. – a viu caminhar ate onde ele estava e sentar em sua frente, sempre demonstrando medo – Bem, não gosto de falar dessa forma, não com conhecidos, mas é inevitável – tossiu levemente antes de pegar um papel e erguer para ela – neste papel tem todos os bens de seu pai – observou as mãos tremulas dela segurar o documento – tudo esta em seu nome. Esta casa, o estábulo, a terra e seu comercio no centro da cidade. Entretanto tens apenas 17 anos, e não é considerada adulta por aqui – sorriu como forma de descontração – ele havia me dito que tinha um parente, um irmão que mora na Inglaterra, certo?

–Sim – confirmou contra a sua vontade. – Um meio irmão.

–Meio irmão?

–Sim, somos filhos da mesma mãe, temos pais diferentes.

–Tentei entrar em contato com ele, mas não consegui. Na época estava viajando, mas peguei o numero de seu escritório e soube que já retornou. Tenho o seu endereço.

–Então.. quer que eu vá ate ele? – murmurou imersa em sua dor.

–Não, eu irei com você. Vou telefonar antes para ele, se não conseguir iremos viajar esta semana ainda. Por mais que esteja sofrendo ou que goste daqui, não poderá ficar sozinha.

–Ninguem precisa saber, por favor, me deixe ficar – implorou.

–Eu..não posso.. eu queria muito, Sarah. Mas.. não posso. Enquanto estiver com ele, tudo se manterá guardado e lacrado esperando o seu retorno. Apenas um ano. Um ano. Passará bem rápido.

–Não como imagina. Cada dia será uma longa tortura – murmurou pensativa ao se recordar de Henry.

***

O despertador tocou fazendo com que Henry acordasse com uma leve careta. Desligou o aparelho e assim que se levantou, passou a mão em seu rosto. Já estava prestes a sair da cama quando o seu telefone tocou. Estranhou pelo horário, mas ao atender, suspirou.

–Sim, Sou eu, Henry Clark. Advogado? Leon Mendes? Se é sobre assuntos de comercio exterior peço que.. como? Sobre Cortez? Sim, poderei lhe atender. Anote o meu endereço. Já tem? Tudo bem, senhor, lhe espero daqui a – olhou para o relógio – duas horas. Até lá – ao desligar o telefone obteve um péssimo pressentimento.

***

Sarah olhou para as suas mãos suadas e trêmulas, e em seguida para Leon, o advogado e amigo de seu pai. Ambos estavam parados na porta da residência de Henry. O que mais lhe amedrontava não era estar em frente a casa dele, mas sim vê-lo ao abrir a porta. Estava tão absorta em seus medos que não percebera a realidade. Henry encontrava-se parado em frente a eles com o semblante inalterado, entretanto quem o conhecia poderia perceber a perplexidade em seu olhar.

–Leon Mendes, certo? – Henry indagou formal ao estender a sua mão – é pontual.

–Sim, obrigado por nos receber – Leon tornou cordial ao apertar a mão de Henry, soltando-a em seguida – sei que não agimos de acordo com os protocolos.

–Protocolos?

–Sim, os protocolos legais, mas peço que leve em conta a situação.

–Eu não estou compreendendo. – falou prestando atenção na jovem de cabeça baixa ao lado do homem gorducho com olhos cansados. – O que deseja comigo, exatamente?

–Vim lhe dar a guarda de sua irmã – Leon tornou direto. Henry não conseguiu falar nada, apenas manteve o seu olhar na garota que levantara o rosto aos poucos revelando um par de olhos azuis. O mesmo azul de anos atrás. O único azul que ele nunca esquecera em sua vida.

– Sarah? – perguntou perplexo – é você mesma?

–Sim – assentiu ao encará-lo – sou eu, Henry. – encararam-se por longos minutos. Para eles não havia mais ninguém, apenas duas pessoas, dois irmãos, que se reencontravam após anos.

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