3. Medo

Alice

As horas passaram rápido, a noite chegou e nada do meu pai voltar. Estou morrendo de fome, o único alimento que coloquei na boca foi um pão velho com água quente da torneira, que além de tá duro feito uma pedra ainda tinha um pouco de mofo em volta. E isso foi ontem, as quatro horas da madrugada, quando meu pai chegou caindo de bêbado e me chutando para eu acordar. Eu imaginava que nada poderia ser pior do que ele fazia comigo durante todo esse tempo, mas bastou ele abrir a boca para eu perceber que o pior ainda estava por vir.

Algumas horas atrás...

— Acorda! Acorda logo garota! — meu pai dá vários chutes nas minhas pernas, me fazendo acordar e gemer de dor

— Ai! Ai! O que foi pai? — respondo já de pé e me afastando dele

— O que foi pai? O que foi? — ele fala embolado, mas cheio de ironia — Eu lá sou pai de um bicho como você? Anda, levanta logo sua merda e vá colocar a minha comida. — ele grita e se afasta sentando em uma cadeira velha que tinha no canto da cozinha perto da porta

— Mas pai, qual comida? Nessa casa não tem nada, os armários e geladeira estão vazios há mais de quinze dias. Eu tô morrendo de fome e... — tento falar, mas levo um tapa no rosto e sinto o sangue escorrer

— Cala a boca vagabunda! Tua mãe sempre te deu muita ousadia, mas ela já tá há sete palmos dessa terra, sempre foi uma inútil e você puxou ela todinha. Vadia! — começo a chorar ao lembrar da minha mãe, ela sempre foi uma mulher maravilhosa, seu único erro foi ter amado o homem errado e por culpa dele agonizou até a morte naquele hospital público.

Eu tenho tudo para odiar esse sujeito e desejar a sua morte, mas eu não consigo.

"Meu Deus! Por que tenho que passar por tudo isso? Por quê?"

Enquanto fazia minhas suplicas à Deus, continuo ouvindo os insultos, daquele que tem o dever de me proteger, mas faz exatamente o contrário.

— Para de chorar e vá logo fazer a minha comida. Toma aí, trouxe essas coisas que ganhei num jogo de bicho.

Ele j**a a sacola em cima de mim, que estava impregnada com o cheiro de cigarro e cachaça. Enxugo as lágrimas, abro e quando olho tinha um pacote de arroz, meia dúzia de ovos, carne seca e um punhado de farinha.

"Meu Deus! O que vou fazer com isso? Se eu não fizer o que ele tá dizendo, vou apanhar outra vez."

Fico olhando aquelas coisas em cima da pia e tento dar um jeito. Dessalgo a carne seca, enquanto faço um arroz lavado com a água salgada da carne, porque nem sal ou qualquer tempero tem nessa casa. Na verdade aqui não tinha nada além de sofrimento. Eu me chamo Alice, mas a minha vida está muito longe de ser o país das maravilhas.

Minutos depois coloquei o arroz e a carne no prato. Entreguei na mão dele que colocou uma garfada na boca e logo cuspiu tudo na minha cara.

— Vadia! Tu não presta pra nada mesmo. Isso mais parece lavagem pra porco. Quer me matar? — ele grita jogando o prato contra a parede e espalhando comida para todos os lados

— Não! Eu quero que o senhor me mate logo de uma vez. Não suporto mais essa situação, não sei porque me trata assim e menos ainda porque me odeia tanto. Por que papai? Por que todo esse ódio contra mim?  — grito desesperada e caio no chão depois de levar outro tapa no rosto, dessa vez mais forte, que faz o sangue escorrer do meu nariz

Meu pai se aproxima com um olhar furioso, até parecia o próprio demônio. Com uma das mãos segura o meu maxilar com tanta força que eu conseguia sentir o gosto de sangue dentro da minha boca se misturar com a saliva e com a outra mão segura todo meu cabelo formando um rabo de cavalo o puxando para trás, deixando meu queixo erguido diante dele. Ele me encara com fúria e se não bastasse ter me machucado fisicamente todo esse tempo, também me machuca e dilacera o meu emocional sem nenhuma piedade.

— Sabe por que eu te odeio tanto? Hein, vadia? — ele fala enquanto puxa com mais força o meu cabelo

— Papai... por favor... — choramingo e isso o deixava mais furioso

— Eu não sou teu pai, porra! Você não passa de uma m*****a bastarda e um peso na minha vida. Tu és uma vagabunda e saíste idêntica a puta da tua mãe. E do mesmo jeito que eu dei um fim nela, naquela m*****a traidora, o mesmo farei como você.

— Hã!? Como assim? Minha mãe teve um aneurisma... — falo confusa e ele logo trata de ďeixar as coisas bastante claras

— Isso mesmo, mas só aconteceu depois que eu bati a cabeça dela várias vezes contra a parede assim que eu descobri que você não era minha filha. Não queria saber o por quê te odeio tanto? Agora já sabe vagabunda... E fica ciente de que você não vai durar muito e teu fim vai ser pior do que o da vadia da tua mãe. Entendeu!?

Ele termina de falar e me solta empurrando a minha cabeça contra a parede com força me deixando inconsciente. Não sei por quanto tempo fiquei desacordada, mas quando abri os olhos a casa estava vazia, tinha comida espalhada por todo lado e sem falar no cheiro de pinga que impregnava todo o lugar.

[...]

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