Natália
2 MESES DEPOIS
A manhã mal tinha começado e eu já sentia o peso do dia nas costas. A pilha de relatórios na minha mão esquerda parecia mais leve do que o turbilhão de pensamentos que me acompanhava desde que acordei. Lucas tinha sido ríspido comigo na última reunião, e eu não fazia ideia do motivo. Trabalhar com ele nunca foi fácil, mas hoje havia algo... diferente. Um clima estranho no ar, como se algo estivesse prestes a explodir.
Respirei fundo ao me aproximar da sala dele. O salto dos meus sapatos ecoava no corredor impecavelmente silencioso. Cada passo parecia me levar para mais perto de algo que eu ainda não sabia, mas que, de alguma forma, já pressentia. A porta entreaberta era incomum — Lucas odiava interrupções e sempre a mantinha fechada.
Apertei os relatórios contra o peito e bati levemente com os dedos na madeira antes de empurrar a porta.
O que vi me atingiu como um soco.
Sandra. Totalmente nua. Sentada no colo de Lucas, cavalgando como uma possuída, gemendo alto, descontrolada, como se estivesse sentindo dor... mas prazer também. Uma mistura grotesca. Os olhos dela estavam virados, a boca aberta, os seios balançando. E Lucas... ele estava ali, completamente entregue, com as mãos cravadas na cintura dela e o rosto suado, mas sereno.
Senti um arrepio. Um nó se formou no meu estômago. Meu primeiro impulso foi sair dali imediatamente, sem que percebessem minha presença, sem precisar lidar com a humilhação de ter presenciado aquilo. Mas quando comecei a recuar, meus dedos traíram meu corpo — a caneta que eu segurava escorregou da minha mão e caiu no chão com um estalo seco que ressoou como um trovão naquele silêncio encharcado de luxúria.
Sandra parou de se mover, virando o rosto na minha direção. Seus olhos arregalados encontraram os meus. Lucas, por sua vez, ergueu o olhar lentamente, como se o mundo estivesse prestes a desabar. A fúria em seu rosto era palpável. Ele empurrou Sandra de seu colo com violência controlada e começou a fechar a calça enquanto a outra se levantava às pressas, tentando cobrir os seios com as mãos e se equilibrar com a saia que vestia apressadamente.
— Mas que merda é essa, Natália?! — ele gritou, ajeitando o cinto com brutalidade.
— Eu... eu só vim entregar os relatórios — consegui balbuciar, sentindo meu rosto queimar. — A porta estava aberta...
— E por isso você se acha no direito de invadir minha sala?! — ele disparou, andando em minha direção como um furacão.
— Eu bati... — tentei explicar, mas minha voz saiu fraca, encolhida diante da sua raiva.
— Você sempre arruma uma forma de atrapalhar! Inacreditável!
Lucas saiu da sala furioso, batendo a porta atrás de si sem nem se dignar a pegar os relatórios que eu havia levado. Fiquei parada por alguns segundos, tentando processar a humilhação. Minha cabeça ainda girava com a imagem grotesca que presenciei — e, mais do que isso, com a forma como ele me tratou. Como se eu fosse a errada. Como se eu fosse o problema.
Respirei fundo, engoli o orgulho e deixei a sala dele em silêncio, sentindo as pernas um pouco trêmulas. Voltei para minha mesa tentando manter a postura, mesmo com o nó apertando minha garganta. Eu jamais daria àqueles corredores o prazer de me ver abalada.
Me sentei, ainda com os relatórios nas mãos, e coloquei tudo sobre a mesa. Meus olhos, por reflexo, voltaram para a porta do escritório de Lucas — e foi aí que vi.
Sandra saiu da sala cambaleando, os saltos ainda mal colocados, o vestido desalinhado e os cabelos bagunçados. Ela olhou rapidamente para os lados e, ao notar minha presença, deu mais dois passos e então tropeçou sozinha no próprio pé — o salto alto se desequilibrou, e ela caiu com um baque no chão do corredor.
— Aaaaaaaiiiii! — gritou, como se tivesse sido empurrada com violência.
Levei um susto com o tom dramático e logo me levantei, confusa, olhando em volta. Mas antes mesmo que eu pudesse perguntar se estava tudo bem, ela se virou para mim com os olhos cheios de ódio.
— Foi você! — berrou, apontando o dedo na minha direção.
— O quê?! — retruquei, sem acreditar no que estava ouvindo.
— Você fez isso de propósito! Esperou eu sair da sala pra me derrubar! Só porque quer ir na viagem com o Lucas! — ela continuava gritando, chamando atenção de dois funcionários que passavam mais à frente no corredor.
— Eu nem me levantei da cadeira! — falei alto, indignada. — Você tropeçou sozinha, Sandra! Sozinha!
— Mentira! — ela gritava, encenando uma dor no tornozelo. — Ela está tentando me sabotar! Está com inveja porque sabe que o Lucas me escolheu!
— Me poupe dessa palhaçada! — rebati, já sem paciência. — Você caiu sozinha, e está inventando isso pra se fazer de vítima.
Mas era tarde demais. Gente já se aproximava, murmurando entre si. Os olhares se voltavam para mim como se eu fosse uma criminosa. Sandra chorava e gemia como se estivesse morrendo, e ali, deitada no chão daquele corredor, ela estava ganhando a atenção que queria — mesmo que fosse através de uma mentira nojenta.
E eu, de novo, era a vilã da história.
Mas antes que eu pudesse continuar, Lucas apareceu novamente, alarmado pelo grito dela. Quando viu Sandra caída, correu até ela e a ajudou a se levantar com um cuidado que me pareceu ridículo, fingido.
— Sandra! Você está bem?
— Não! Ela me empurrou! Me derrubou! — apontou para mim com o dedo trêmulo. — Só porque quer ir no meu lugar!
— Mas o que você... — comecei, mas Lucas me cortou, seu olhar em chamas.
— Você é nojenta, Natália. Baixa, mesquinha... Não acredito que seria capaz de algo assim. Mas, pelo visto, estava enganado.
Fiquei paralisada. Meus olhos arderam, mas não deixei que as lágrimas caíssem. Ele acreditava nela. Naquela encenação barata, naquele teatro sujo. Tudo que eu havia construído, todos os anos ao lado dele, cada trabalho impecável que entreguei... reduzidos a pó com uma acusação sem fundamento.
Ele ajudou Sandra a andar até a enfermaria e nem olhou para trás. Fiquei ali, sozinha, com o coração na garganta e os olhos marejados, tentando conter a dor que se espalhava por dentro como veneno.
A manhã passou arrastada. Ninguém me dirigiu a palavra. Os cochichos pareciam mais altos do que o normal, e os olhares... julgavam. Me sentia enjaulada, presa num cenário que parecia ter sido montado para me destruir.
No fim da tarde, enquanto tentava me concentrar nos últimos ajustes de um relatório, o telefone da minha mesa tocou. Era da diretoria.
— Senhorita Natália, o senhor Lucas requisitou sua presença. Ele gostaria de informá-la que a viagem de amanhã será com você.
— Comigo? — perguntei, sem acreditar.
— Sim, a secretária Sandra precisou ser afastada por causa da queda. Então você irá no lugar dela. Já estamos providenciando as passagens.
Desliguei lentamente.
Meus dedos estavam trêmulos. A cabeça latejava. Como ele podia fazer isso? Depois de tudo, depois das acusações, da humilhação, da cena grotesca pela manhã... ele simplesmente me escolhia como se nada tivesse acontecido?
Levantei-me devagar. Não havia nada que eu pudesse fazer naquele momento. Apenas seguir. Porque se havia uma coisa que aprendi, era que mulheres como eu não podiam ceder ao escândalo. A gente engole a dor, levanta o queixo e segue. Até a justiça — ou o destino — fazer o seu trabalho.
No dia seguinte, eu embarcaria em uma viagem ao lado do homem que me ofendeu, me humilhou e acreditou na mentira de outra mulher.
Mas algo me dizia... que aquela história estava longe de terminar.