Na quinta-feira, o humor de Vitória estava realmente ruim, depois de ela ter aguentado calada o comentário e a cara de desdém de André durante a festa da noite anterior. Ela decidiu não ir a seu escritório na editora e ficou trabalhando em casa e, depois de ter finalmente fechado a revista de sexta, estava relaxando na banheira, enquanto lia um livro e tomava uma taça de um bom vinho tinto.
— Olá, Ryan. — ela disse ao telefone, após atender à ligação do chefe, tentando disfarçar ao máximo seu estado de espírito. — Olá, minha querida. Tudo bem? — era apenas uma pergunta retórica que ele não esperou sua funcionária predileta responder. — Televisão ligada? O programa entra no ar em uns quinze minutos. — É... hum... não, não... estava tomando um banho. — respirou fundo. — Pois ligue, meu bem. Ligue logo, pra não perder nada. Como está a cobertura do programa até agora? Você está dando atenção especial como pedimos, né? — É claro, Ryan. Total atenção. — realmente ela estava em contato com a equipe, dando muita atenção à execução das tarefas atribuídas a Daniele, Sunshine, Lauren e Michael, mas não estava nem um pouco a fim de ver o programa. Porém, conhecia bem Ryan e, se ele estava falando para ela assistir, ele voltaria a ligar e a questionaria sobre detalhes. Colocou o celular no viva-voz, saiu da banheira e começou a se secar. — Daniele esteve quase o dia todo na mansão hoje e aproveitou que as meninas estavam apenas se ambientando, e não havia nenhuma atividade prevista, para fazer as entrevistas com elas. Ela mesma organizou uma matéria com os perfis das candidatas, depois que Sunshine a substituiu, e eles serão apresentados na revista de amanhã. — Ótimo! Mas eu acho pouco, Vitória. Se nada aconteceu lá ainda, além do perfil seria bom publicar um texto tratando do episódio que será apresentado agora. Você poderia fazer isso pessoalmente... que tal? — Deus! Era ainda pior do que Vitória esperava. Ela ia ter que assistir e comentar, como se julgasse aquele tipo de programa interessante. — Eu mesmo vou dar ordens para que segurem a impressão da revista por algumas horas... e para que alguém da diagramação esteja disponível para incluir seu artigo em algumas horas, ok? — Ok. — o que mais ela poderia responder? Os dois se despediram e Vitória foi com seu iPad e uma segunda taça de vinho para frente da TV. Se alguém afirmasse a ela minutos antes que seu humor poderia piorar, ela duvidaria da pessoa, mas surpreendentemente o telefonema de um dos donos da editora tinha conseguido esse fenômeno. E, como nada é tão ruim que não possa piorar, quando Vitória ligou a TV, a vinheta do programa apareceu, dando lugar aos comerciais e indicando que ela havia perdido toda a primeira parte do episódio. Ocupada em maldizer sua própria sorte, não percebera que o telefonema e sua preparação tinham demorado mais que os quinze minutos a que Ryan se referira. Precisava contornar a situação. — Oi, cunhadinha! — a esposa de seu irmão gêmeo atendeu o telefone, animada. — Oi, Brid. Tudo bem? Prometo falar com você com calma, depois, mas agora preciso de um favorzão, ok? Você tá vendo o reality show novo? A chave... — disse, rápido. — ... para o coração. Claro! O que você quer? — a outra falou, prontamente, e Vitória suspirou, aliviada. Felizmente, conhecia bem Bridget, que fora sua colega de trabalho, e acertara em cheio ao ligar para a garota inglesa, naturalizada americana ao se casar com um dos Gomes. — O que eu perdi até agora? — Bom, o apresentador deu as boas-vindas aos telespectadores e disse que, essa noite, nós vamos conhecer as quatorze sortudas que vão participar do programa e tentar conquistar André Luiz, que é o dono da emissora... não sei se você sabe. Aí ele explicou que houve uma festa em que ele conheceu cinquenta garotas pré-selecionadas e que era essa festa que nós íamos ver, em seguida. Então, apareceu um salão de festas chiquérrimo e várias meninas chegando... e depois algumas delas falando... é... que elas esperavam ser escolhidas... e que elas tavam ansiosas pra conhecer o André... essas coisas. Nenhuma falou nada demais. Aí voltou o apresentador e disse que veríamos a chegada do André em instantes... e entrou o comercial. — respirou, finalmente. — Já vai começar, Vi. Ajudei? — Ajudou, amiga. Ajudou, sim. Depois nos falamos, ok? Obrigada. Beijo! — E então, senhoras e senhores? Ansiosos para conhecer as quatorze felizardas que lutarão pelo coração de André Luiz? — o apresentador, Tony Mythe, perguntou aos espectadores, e Vitória revirou os olhos. Continuava achando que aquilo era uma farsa e, por isso, um enorme desrespeito com o público. — Primeiro, vamos ver juntos se esse solteiro sortudo, por poder escolher entre tantas meninas lindas, estava ansioso na noite de ontem. Vamos conferir! Vitória observou André chegando ao salão repleto de garotas e cumprimentando todas elas, mas, na maior parte do tempo, apenas eram mostradas imagens dele circulando e falando com as garotas e uma música qualquer tocava. O que quer que ele estivesse falando para elas ou escutando delas não era o foco da direção de João. Depois, quando ele já tinha cumprimentado todas e escolhia algumas para conversar, foram mostrados trechos das conversas em que as garotas falavam sobre suas cidades de origem, profissões, sobre preferências esportivas, musicais e cinematográficas, e outros assuntos do tipo que se tem quando se acaba de conhecer alguém. Depois de mais um intervalo comercial, o apresentador apareceu com André, ao vivo, e perguntou a ele o que tinha achado das garotas, se tinha sido difícil escolher apenas quatorze e quais tinham sido os critérios dele de escolha, e ele respondeu que tinha sido bastante difícil, porque ele havia conhecido muitas garotas lindas e interessantes na festa, e que não tinha utilizado propriamente nenhum critério, visto que o contato tinha sido muito breve, então ele havia escolhido mais em razão de uma empatia inicial do que de qualquer outra coisa. André agradeceu muito a participação das demais meninas e elogiou todas elas, pedindo ainda para que ninguém ficasse triste por não ter sido escolhida. Vitória ficava cada vez mais irritada ao pensar no quanto André parecia simpático e gentil na telinha da TV, ao mesmo tempo em que fora extremamente indelicado e antipático com ela. Incomodava a ela pensar que ele tinha passado os últimos anos tão envolvido com o mundo das ficções e das simulações, que tinha sido capaz de criar um personagem para usar quando aparecia na posição da celebridade que havia se tornado, agindo de modo bem diferente daquele como agia quando não estava em frente a câmeras e multidões. Mais um pouco da festa foi mostrado, além de novas propagandas, até que veio a parte da escolha das garotas. As cinquenta apareceram posicionadas em cinco filas de dez e André começou a andar entre elas, com um garçom ao lado dele, carregando uma bandeja onde se podiam ver caixinhas de veludo. Finalmente, André se aproximou de alguém e, tirando de uma das caixinhas um cordão, colocou no pescoço da primeira menina, uma loira de vestido preto, super sorridente. A câmera se aproximou bem, mostrando o colo da garota, que ostentava agora um pingente em forma de chave. Ele fez o mesmo com mais treze meninas, sempre dando um sorriso, mas sem falar nada, e, na medida em que elas recebiam o cordão, iam se posicionando em uma escada. Quando André terminou, apenas a escada passou a ser filmada e ele apareceu, dando boa noite a todas, informando que as veria em breve e deixando a festa. As quatorze falaram seus nomes e alguma breve informação sobre elas diretamente para a câmera e, em seguida, o apresentador e o protagonista da disputa apareceram novamente ao vivo, com Tony dando parabéns a André pelas escolhas, elogiando as mulheres e desejando boa sorte ao chefe. Os homens mostraram, então, imagens das participantes chegando à mansão onde passariam a viver, por até treze semanas, bem como alguns recortes do primeiro dia delas no local. Por fim, o apresentador propôs a André que eles espiassem o que elas estavam fazendo naquele exato momento e o programa terminou com imagens de uma festa que estava acontecendo na casa, com vários convidados masculinos, enquanto ouvia-se o apresentador brincando com o solteiro candidato a noivo, sobre o fato de alguma das meninas estar dançando muito próximo a um cara. O apresentador se despediu, sem que a câmera deixasse de mostrar a tal festa, e convidou os espectadores a se juntarem a ele novamente na semana seguinte, para descobrir o que aconteceria até lá na movimentada mansão. Vitória, por sua vez, se levantou, indo para o escritório, a fim de escrever o mais rápido possível o artigo solicitado pelo chefe, para depois tentar tirar da cabeça a indignação que sentia. Até mesmo a ponto de colocar outros homens na casa fingindo tentar as meninas, para mostrar que elas sempre prefeririam a ele, André tinha chegado, e aquele exibicionismo fazia o sangue dela ferver! André conversou com vários membros de sua equipe no estúdio, antes de deixá-lo, indo tomar uma cerveja com João, a fim de comemorar o bom ibope do primeiro episódio do programa. Não demorou no bar com o amigo, no entanto, porque ambos teriam um dia cheio na sexta-feira, quando André visitaria pela primeira vez as meninas na mansão. Sua chegada à casa foi bastante confusa. Algumas meninas estavam na beira da piscina e o viram antes mesmo da equipe de filmagem, se levantando imediatamente para cumprimentá-lo. As que estavam dentro da água também se apressaram em sair e, ouvindo muita gente falar mais alto e ao mesmo tempo, as que estavam dentro da casa, vendo um filme, correram para o pátio. Foram João e Tony que colocaram ordem na casa, porque André só conseguia rir, ficando até meio tímido com tanta atenção por parte de tantas mulheres ao mesmo tempo. Não que ele não estivesse acostumado com o assédio feminino, mas certamente nunca tinha sido alvo de tantas mulheres juntas, o que o intimidava e confundia um pouco. Tony explicou às meninas que, durante sexta, sábado e domingo, todas teriam meia hora sozinhas com André, em ordem decidida por sorteio. Sozinhas era modo de dizer, é claro, já que não haveria a companhia das demais garotas, mas haveria câmeras acompanhando-os onde estivessem. Então, o próprio apresentador deu início ao sorteio e uma secretária anotou a ordem, e quinze minutos depois o rapaz papeava à mesa do jardim de inverno com Sugar. Foi uma meia hora divertida e depois veio a meia hora de Amanda, que foi bastante interessante também. Então vieram as conversas com a inteligentíssima Zoe e a tímida Tina, que fizeram André ter certeza de como ia ser difícil escolher alguém. Contudo foi a última conversa individual do dia a que mais perturbou André, a ponto de ele ter informado a João que iria embora para casa e que a primeira interação dele com todo o grupo ficaria para o dia seguinte. Lucy era uma das candidatas mais novas do programa e, como a maior parte das jovens, sonhadora, alegre, espontânea. Seu sorriso era adorável e parecia franco, e sua risada era contagiante. Além disso, ela era bem pequena, o que ficava mais evidente naquele momento, em que ela usava sandálias rasteiras e não os sapatos de salto bem alto do dia da festa. Seus cabelos eram longos, escuros e brilhantes e seus olhos expressivos. Ainda que não houvesse qualquer outra semelhança física, aquelas características eram mais do que suficientes para trazer à tona memórias da menina por quem ele fora apaixonado quando era um pouco mais novo que Lucy. Enquanto dirigia até sua casa, Luiz entrou em contato com sua secretária e pediu para que ela desmarcasse qualquer compromisso que ele tivesse, pois não voltaria à emissora. Passou o resto do dia jogado no sofá, tomando cerveja, fazendo carinho em Uno e pensando. Recordou especialmente a última vez em que a tivera em seus braços, tantos anos antes, e que tinha sido o último momento da vida dele em que sentira uma real sensação de felicidade. Naquela noite de tantos anos antes, ele estava em seu quarto, deitado em sua cama e quase pegando no sono, quando ouvira um barulho na porta. Já não dormia com sua mãe, mas em um quarto da casa dos Gomes que antes servia para receber visitas e Levvy tinha sugerido que passasse a ser ocupado por ele. Olhara para a porta, quando percebera que alguém entrava no cômodo e, apesar de não haver muita luz, pôde reconhecer a presença daquela que fazia seu coração bater descompassado. — Vitória? — perguntara, e a vira se aproximar, colocando o dedo indicador sobre os próprios lábios, fazendo sinal para que ele fizesse silêncio, já que ela não deveria estar ali. A morena subira na cama de André, engatinhando em sua direção e deitando-se sobre o corpo quente dele, que envolvera completamente a cintura dela com um dos braços e segurara seu rosto com o outro. Ela sorrira e ele retribuíra o sorriso, então ela beijara os lábios dele, devagar, sensualmente, puxando o lábio inferior dele com os dela. Ele a segurara pela nuca e pedira passagem para sua língua, sem ter encontrado qualquer obstáculo, e eles haviam ficado assim, por alguns minutos, beijando-se com calma, mas com muito desejo, enquanto começavam a explorar o corpo um do outro, tocando todos os lugares que podiam alcançar. Ela interrompera o beijo e gemera baixinho quando ele, finalmente, tocara sua intimidade, bem de leve, de um jeito que a deixava maluca. Ela o olhara nos olhos, suplicando silenciosamente por mais e ele a tocara novamente, com mais intensidade. Ela beijava o pescoço dele, enquanto ele a provocava, até que ele sentira a própria excitação chegar ao limite do que podia aguentar e rolara pela cama, ficando por cima dela. Ela fizera um sinal positivo com a cabeça e ele levantara um pouco o corpo, para ajudá-la a tirar a camisola que usava. Depois tirara sua cueca boxer rapidamente e a calcinha dela devagar, depositando beijos em toda a extensão de suas pernas, enquanto o fazia. Voltara a deitar-se sobre ela, beijando sua boca com loucura, e os dois se olharam nos olhos, mais uma vez, ofegantes pelo desejo que tomava seus corpos. Então ele a preenchera devagar e se movimentara com calma, sentindo algo que só ela era capaz de fazê-lo sentir. Porém, os gemidos baixos dela e o jeito como ela envolvia o quadril dele com as pernas lhe faziam querer mais e lhe diziam que ela também queria mais, muito mais. Obedecendo ao pedido silencioso que vinha do corpo quente de Vitória e ao semblante cheio de luxúria dela, que fechava os olhos e mordia os lábios com força, ele aumentara o ritmo de seus movimentos, ao mesmo tempo em que roçava um dos mamilos dela com a palma da mãos, repetidas vezes. Os movimentos dela também se intensificaram e em pouco tempo ele sentira a intimidade dela apertar seu membro com mais força e vira o corpo dela se contrair e tremer por inteiro, depois relaxar completamente, enquanto ele também, com mais dois ou três movimentos na direção dela, derramava todo o seu prazer dentro da garota, deixando-a ainda mais molhada do que já estivera. Sem trocar qualquer palavra, eles tinham dormido juntos, com ela praticamente em cima dele, e os braços dele em volta dela. Só tinham acordado de manhã, bem cedinho, para que ela pudesse voltar ao quarto dela, e ninguém desconfiasse de que eles tinham desobedecido às regras. André jogou a garrafa de cerveja que bebia na parede, com toda força, querendo que aqueles pensamentos sumissem. Aquele amor tinha morrido muito tempo antes, porque aquela Vitória tinha morrido também. Ele agora precisava encontrar alguém muito diferente dela e igual a quem ela fora um dia... ou a quem ela fora talvez apenas na cabeça apaixonada dele.