POV: HAPHEL
Pressionei o pé no acelerador, mas o veículo não respondeu. O pneu estourou com um barulho seco, me fazendo parar abruptamente.
Olhei para a tela do celular, os olhos arregalados:
— Quem é você, seu maldito? — Gritei sentindo a garganta arranhar. — O que fez com a minha mãe?
— O mesmo que farei com você. — Uma risada fria ressoou do outro lado.
A ligação caiu abruptamente, deixando um vazio insuportável.
— Não... Não... — Fui tomada pela necessidade de agir, de fazer algo, qualquer coisa.
Saltei do carro com pressa, as mãos tremendo. Chutei o pneu furado com força, mas a dor foi ignorada pelo pânico que me devorava por dentro.
Uma sensação gelada percorreu minha espinha. Alguém ou algo me observava.
Girei nos calcanhares, o olhar varrendo a escuridão entre as árvores. Vultos passavam pelas laterais, rápidos, distorcidos, como se as sombras tivessem vida. Um som áspero: garras arrastando no chão, lentamente... ritmadas... próximas.
E então, os uivos.
Frios, prolongados, como se estivessem me cercando.
Comecei a andar rápido, quase tropeçando nos próprios passos, ofegante. Olhava para os lados sem parar, virava o pescoço a cada som, estalos, folhas farfalhando, galhos se movendo sozinhos. O medo apertava meu peito, formando um nó sufocante, uma urgência desesperada.
— É só sua imaginação, Haphel... Precisamos ir para casa... Ela precisa de mim. — murmurei, gaguejando, a voz trêmula.
Criei coragem e olhei para trás.
Foi então que vi: dois olhos vermelhos, brilhando no meio da escuridão. Apertei os olhos turvos pelas lágrimas, tentando entender se era real... até que algo se moveu. Um passo à frente. A pata era enorme. Peluda. Escura. Garras afiadas riscando o chão.
— O que é isso... — sussurrei, congelando.
Mas uma buzina estridente me fez saltar no lugar. Os faróis cortaram a escuridão, ofuscando minha visão. Um carro desacelerou, parando ao meu lado.
Me encolhi por instinto, os braços erguidos em proteção. A respiração travou na garganta.
O vidro desceu devagar.
— Não te disseram que é perigoso andar por esta estrada a noite sozinha? — A voz era profunda, ressoada com autoridade, assustadoramente calma.
Ergui o nariz, relutante, encontrando o seu olhar que mesmo sob a penumbra da noite, notei o brilho dourado em suas íris, incomum, penetrante. Engoli em seco ao notar o distintivo pendurado na camisa.
— Você está bem?
Neguei com a cabeça, minha mente girando.
— Meu pneu furou, preciso ir para casa... Minha mãe... — Engoli em seco, a voz tremula, o peito apertada, mal conseguia respirar. — Acho que ela está em perigo.
— Entre, estou indo para um chamado, mas posso te deixar em seu destino. — Ele respondeu com uma calma inquietante, me arrepiando da espinha a nuca. — Me fale o endereço.
Assentir.
Estava com um pressentimento ruim, uma dor aguda, quase lasciva, irradiando bem acima do coração. Levei a mão até o local, cravando as unhas na pele como se aquilo pudesse conter o desespero que subia em ondas.
Fechei os olhos, instintivamente.
E então ouvi. Ou talvez, imaginei.
Um suspiro fraco, distante, delicado como o último sopro de vida. E, junto dele, a imagem clara de uma lágrima escorrendo por seu rosto, Minha mãe, junto a um sussurro:
“Fuja”
Meu corpo estremeceu.
— Tem certeza de que este é o endereço? — A voz grossa e imponente me trouxe de volta. — É para onde eu tenho que ir.
— Por que tem um chamado para a minha casa? — Indaguei nervosa, agarrei seu braço bruscamente. — Aconteceu alguma coisa com a minha mãe, não foi?
— Sou investigador Rhys. — Sua mão grande pousou sobre a minha, e mesmo sendo um toque firme, quase bruto, havia um calor que percorreu meu corpo, uma sensação estranha que fez meu braço formigar, um choque atravessou minha pele, como se ele estivesse sentindo, retirou a mão, voltando a focar na estrada. — Vamos descobrir.
Chegamos ao destino, vi pelo vidro as viaturas policiais cercando a minha casa, faixas de contenção por toda parte, o pavor em meu peito aumentou, sair do carro.
— O que aconteceu? — Não consegui controlar a velocidade com que corri em direção à porta, mas logo fui impedida por um policial que se interpôs entre mim e o que eu mais temia.
— Você não pode ultrapassar. — Ele disse com autoridade.
— É a minha casa, minha mãe está aí! — Gritei, tentando me soltar dele, em pânico, me debatendo em seus braços. — O que houve aqui? Onde está a minha mãe?
— Você é a filha? — O Policial perguntou surpreso. — Sinto muito, recebemos um chamado sobre um ataque de um animal na residência. Sua mãe... Ela foi gravemente ferida e não resistiu.
Dei um passo para trás, em choque.
— Como assim... não resistiu? — Foi o que conseguir dizer. — Onde... onde está A MINHA MÃE? EU QUERO VER A MINHA MÃE!
Grite, entregue em completo desespero, a dor subiu do meu peito até a garganta, meu rosto perdeu a cor, a visão turvou levemente. Eu não conseguia respirar direito, ofeguei, puxando o ar com força, mas os pulmões não enchiam.
Dentro da casa, uma maca vinha sendo trazida para fora. Olhei em direção, sem pensar, corri em direção a ela, ignorando o policial que tentava me impedir, empurrando-o para o lado com uma força que desconhecia ter. Eu precisava ver, precisava a ver, ter certeza.
— Por favor, diz que não é você por favor. — Balbuciei erguendo a mão tremula, hesitando para tocar no corpo coberto pelo pano branco.
Mas antes de puxar o tecido, a mão dela escorregou para fora completamente ensanguentada, olhei e lá estava a marca de nascença que tínhamos em comum, um símbolo parecido com os olhos de um lobo. Toquei sem pensar. Sua pele estava fria, vazia, morta!
— Não, não isto não está acontecendo. — Gritei, encostando a testa em sua mão esfregando e beijando. — Por favor mamãe, não, levanta, você tem que levantar, você prometeu, prometeu que nunca iria me deixar, prometeu que sempre seria nós duas.
A garganta fechou. A dor era esmagadora. Não conseguia processar, apenas, Sentir.
— Mamãe... Me perdoa...Eu não deveria ter brigado com a senhora. — Solucei, a voz quebrada. — Por favor... Digam que é mentira, ela não está morta, não pode estar.
O desespero tomou conta de mim, as lágrimas se misturando ao pavor, minha mente ainda se recusava a aceitar a realidade. Era como se o mundo inteiro tivesse parado e eu estivesse presa em um pesadelo insuportável.
Os policiais, baixaram suas cabeças em respeito.
— Não me deixe, não faça isto comigo! — Gritei, me jogando sobre o corpo dela em completo desespero. Cada palavra era um pedido, uma súplica amarga. Eu estava perdendo tudo, mais uma vez. — Você não pode me deixar como o papai... Eu não... não tenho mais ninguém. Mãe, me perdoa... por favor, volta.
Fui arrancada de cima do corpo por mãos fortes, o toque era áspero, bruto e firme, ofeguei agarrando a cintura do desconhecido afundando o rosto em seu peito largo e forte, tremia, seus braços me envolveram de forma estranhamente protetora, seu peito parecia vibrar, a sensação trazia uma calma, como se estar ali fosse o suficiente para acalmar minha dor.
— Ela se foi. — Ele sussurrou contra os meus cabelos. — Não há como ela voltar.
Travei, lentamente ergui a cabeça com os olhos pesados, encontrando seu olhar dourado profundo e intenso, parecia ver através de mim, do meu sofrimento. As lágrimas se intensificaram sem controle, a pressão do desespero esmagando cada parte de mim.
— Ela se foi mesmo? — Sussurrei embargado e quebrada. — Minha mãe.
Ele me observava, seus olhos cintilando em tons dourados queimados, como se tudo ao redor se tornasse insignificante diante da força daquele olhar.
— Estou sozinha... completamente só. — As palavras saíram quebradas.
Eu estava só.
Não havia mais ninguém.
— Estou aqui com você, Haphel. — Suas palavras me paralisaram.
Franzir o cenho, não lembrava de ter dito o meu nome a ele.