Capítulo 01 — Uma Proposta Inesperada — Parte 02

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Na sala onde estava sendo feita a reunião, três homens olhavam Hendrick como se avaliassem-no dentro de seu âmago. Depois que expuseram a gravidade da situação, todos ficaram em silêncio por um momento e encararam Hendrick de um modo que deixou-o incomodado, como se ainda considerassem a possibilidade de ser a pessoa correta para aquela missão realmente.

O encarar daqueles homens estava deixando Hendrick perturbado. Por Deus, se sentia como quando era aluno em Eton e algum professor chamava sua atenção por indisciplina, porque até mesmo sendo um homem rigoroso hoje, no passado foi, algumas vezes, um adolescente levado.

— Não quero contestá-los, mas... Vossas Excelências tem certeza que me querem no comando dessa missão, apesar da gravidade do momento? — não mais aguentando aquela pressão, disse subitamente. — Gostaria de lembrá-los que mesmo tendo participado de outras missões importantes antes, se o que estão me dizendo é tão dramático assim, acho que alguém mais experiente que eu poderia comandá-la, pois nem mesmo sou Almirante ainda...

Apesar da confiança que demonstravam ao nomeá-lo Chefe daquela missão, Hendrick não queria parecer ingrato ou com ares de insubordinado às ordens que estavam dando-lhe, porém, o olhar que seus superiores lançaram-lhe, deixou seu coração em começo de dúvida. Não que estivesse duvidando da própria capacidade agora também, só que aos trinta e sete anos, sendo apenas Comodoro da Marinha Real Britânica, pensava que uma missão daquelas precisava ser presidida por alguém bem mais experiente que si mesmo.

Não estava querendo recusar a missão, não seria isso, porque mesmo que quisesse, uma missão daquela importância não se recusava. Mas, às vezes, o fato de ser sobrinho de Nelson por parte materna e sua fama de excelente combatente marítimo, deixava seus nervos irritados. Parecia que todo mundo considerava-o invencível.

Dada a urgência da situação, apenas três pessoas estavam presentes para comunicar a decisão já tomada numa reunião anterior. O primeiro era o Primeiro-Ministro Spencer Perceval, os segundos faziam parte do Conselho do Almirantado, conhecidos como Lordes Comissários do Almirantado e que exerciam comando sobre a Marinha Real. Os principais membros do Conselho eram o Primeiro Lorde do Almirantado Henry Phipps, terceiro Barão Mulgrave, nesse caso um civil, o outro seria o primeiro Lorde do Mar Sir Peter Parker, primeiro Baronete, agora, o líder profissional da Marinha Real.

Hendrick sabia que Perceval se encontrava em dificuldades pela falta de homens de estado mais eficazes para ajudá-lo na sua administração, mas o homem fazia o que conseguia e ninguém podia reclamar disso, só que tudo mesclado às dificuldades que Napoleão Bonaparte continuava dando a Inglaterra, piorava bem mais a situação.

Apesar do poder de Napoleão estar parecendo balançar um pouco ultimamente, mesmo assim, continuavam passando um momento complicado com aquele homem que parecia se comportar como um insano nos últimos tempos ao tentar qualquer coisa para derrubar seus inimigos de todas as maneiras possíveis.

Um dos fatos que balançou o poder de Napoleão, aconteceu não fazia muito tempo, quando o Czar Alexander I da Rússia rompeu relações com o Imperador dos Franceses e decretou o fim do Bloqueio Continental de sua parte. Isso, porque Napoleão depois da separação com Josephine por ansiar querer se casar com alguém de Sangue Real, chegou a insinuar para Alexander, que aceitaria sua irmã mais jovem, a Grã-Duquesa Anna Pavlovna. Apesar do compromisso estar quase firmado, Napoleão desistiu da ideia sem mais e nem menos, deixando Alexander possesso o bastante para não perdoá-lo e enfrentá-lo afinal. Outras fontes afirmam, que ao contrário disso, foi Alexander quem se recusou a ceder Anna em casamento para Napoleão, porque a garota tinha apenas quinze anos, deixando Napoleão furioso e fazendo ambos deixarem de se falar finalmente. O boato era conturbado, ninguém soube do verdadeiro motivo do afastamento da amizade de ambos, mas a briga um contra o outro seria travada.

Isso fazia Hendrick pressentir que o poder de Napoleão estava começando a chegar ao seu término. Não era apenas um pressentimento, era praticamente uma visão. Ninguém percebia aquilo, mas Hendrick, às vezes, tinha premonições e visões das coisas que estavam prestes a acontecer. Um segredo que Hendrick guardava por saber que caso alguém descobrisse, poderiam até mesmo considerá-lo um maluco. Só que havia sido seu dom que salvou-lhe a vida em diversas ocasiões e fê-lo conseguir ganhar diversas batalhas antes, menos ter a capacidade de salvar a vida da mulher que amou com loucura no passado e de seu tio Nelson.

Ainda que ninguém soubesse que Hendrick não contava com a sorte para ganhar determinadas batalhas, nada confirmando para não alimentar mais folclore ao redor de si mesmo, sua capacidade estava se tornando tão lendária, que alguns chegaram a insinuar sobre seu sexto sentido indiretamente, um dos motivos que irritava-o intimamente. Isso parecia representar que Hendrick era tão iluminado por alguma Força Superior, que tornava-o imbatível. Contudo, não era verdade, porque se fosse, Hendrick seria infalível em todas as suas visões. Às vezes, não acertava aquelas visões com exatidão, algo que obrigava Hendrick a precisar da própria inteligência para resolver tais falhas. Mesmo assim, Hendrick acreditava nessa Força Superior e esperava continuar contando com isso por mais algum tempo, principalmente agora.

— Sei como se sente, Darchester... Desculpe, mas não estamos duvidando de sua capacidade para uma incumbência desse porte, escolhemos você, não apenas por ser sobrinho de Nelson, mas porque temos certeza de que vai se sair bem nesse encargo, aliás, vital para toda Inglaterra, isso devido à gravidade da situação... — depois de um momento refletindo, Hendrick foi acordado dos sonhos pela voz de Sir Peter Parker, que falava-lhe com seriedade. — Portanto, pela condição do momento e como confiamos muito em você, sua patente será elevada para de Almirante, não se preocupe...

— Você precisa saber que nossos informantes disseram-nos que depois que Alexander rompeu relações com Napoleão, parece que o homem enlouqueceu de vez... Ninguém até agora pisou no seu calo de maneira tão profunda como parece haver sido a reação que Napoleão teve quando Alexander passou a não mais executar o Bloqueio Continental... Agora, com a notícia de que nosso Rei George III está dando sinais de loucura definitiva, esse foi o motivo perfeito para Napoleão colocar em ação sua nova Armada para tentar invadir a Inglaterra pela segunda vez. — depois de alguns segundos de novo silêncio, foi a vez de Perceval continuar explicando-lhe o quão complicado seria o momento do qual estavam passando. — Isso, porque com Vossa Majestade longe do poder e sem ninguém apontar de imediato se seu primogênito ficará no lugar como Regente realmente, Napoleão não perderá tempo em atacar-nos em breve com a confusão que o Governo ficará por causa do acontecimento...

Toda a conversa de Perceval flutuou na mente de Hendrick durante algum tempo até perder o fio da meada em qualquer ponto. Não saberia dizer o que aconteceu, mas a voz do homem deu-lhe a impressão de ver alguém sendo alvejado no saguão da Câmara dos Comuns. Apesar da passagem assustadora e não conseguir enxergar claramente o rosto da pessoa assassinada, o momento passou tão rápido como surgiu, desaparecendo nas brumas do seu inconsciente. Nem todas as visões de Hendrick eram evidentes e nem todas chegavam ao seu conhecimento como consumadas, assim resolveu se obrigar a escutar a explicação de seus superiores.

Hendrick não estava duvidando que Napoleão planejava uma segunda invasão, longe disso. Mas será que Napoleão estava mais louco que o Rei George III para tentar no momento quando seu poder estava aparentando enfraquecer finalmente?

Mas mesmo tentando se concentrar, as divagações de Hendrick levaram-no a uma segunda visão naquela mesma reunião. Primeiro, viu um grande navio e sua escolta vindo do horizonte. No começo, estava um pouco nebuloso, depois percebeu o quanto tudo era impressionante... Era a Armada de Napoleão!

Depois, viu dois irmãos que viviam assombrando seus sonhos. Um casal de irmãos, na verdade. A mulher era belíssima e parecia uma elfa nórdica de tão exótica que seria. Seus cabelos tinham todos os tons de louro e seus olhos verdes, eram dourados próximos das pupilas. Apesar das roupas masculinas, de um lado do cinto de couro cingir uma pistola e do outro lado cingir uma espada, suas vestes apenas salientavam um corpo escultural e que durante poucos segundos, fez o coração de Hendrick bater descompassado, quase de emoção pelo momento.

Só que Hendrick conhecia aquela beldade e sua emoção se transformou em ódio. Da última vez que se encontrou com a elfa nórdica, deixou-lhe uma cicatriz mediana no lado esquerdo do rosto com um punhal, que nunca chegou a desfigurá-lo por completo. Porém, Hendrick perfurou seu ombro e deixou-lhe uma cicatriz também. Isso, além de haver quase aleijado seu irmão e matado seu marido Vernell, quando tentou assassinar Hendrick à traição.

Aquela mulher e seu irmão trabalhavam para Napoleão como corsários fazia anos e todos queriam pegá-los, porém, ninguém conseguiu até agora. Os dois estavam dando bastante trabalho para a Inglaterra desde que surgiram e quando Hendrick recebeu a missão de apanhá-los em Antígua, onde estavam pilhando navios de diversos países, um pouco depois de Nelson morrer, partiu para cumprir as ordens de prendê-los. Pena que os dois escaparam e Hendrick conseguiu liquidar apenas com o marido da beldade.

Talvez essa foi a única missão que Hendrick falhou na vida e por mais que seus superiores não tenham culpado-o do deslize, tudo mediante seus outros êxitos anteriores, não se perdoava. Detestava pensar em atingir uma mulher daquela maneira, mas quando Nelson saiu na incumbência que nunca voltaria vivo e que Hendrick esteve presente por coincidência, sabia que os irmãos estavam presentes no acontecimento também e que provavelmente havia sido algum de ambos que lançou o projétil que atingiu Nelson. Isso deixou Hendrick sofrendo tanto, que jurou acabar com o casal de irmãos no futuro. Custasse o que custasse, disposto a pagar qualquer preço.

Era verdade que Hendrick não chegou a enxergar claramente quem atirou contra Nelson, o projétil veio de cima para baixo e feriu seu ombro esquerdo, se alojando na coluna vertebral mortalmente, assim com todo aquele caos, era impossível se concentrar em algo senão na própria batalha. Mas seu coração garantia-lhe uma certeza, o assassino estava entre os dois irmãos e o marido da beldade que quase destroçou o ombro, meses depois.

Hendrick quase se assustou quando uma voz ecoou nos seus ouvidos e resolveu parar de devanear para que nunca parecesse desinteressando diante de seus superiores, isso seria um grave insulto e não pretendia tal ousadia. Enquanto isso, Perceval resolveu passar a palavra para que Parker explicasse melhor a situação sobre a segunda tentativa de invasão que Napoleão pretendia.

— Da primeira vez que Napoleão tentou invadir a Inglaterra, reuniu uma Armada com as unidades da Espanha, Holanda e da própria França... Apesar dos inimigos estarem em quantidade maior, Nelson conseguiu derrotá-los com sua estratégia e tiveram uma baixa bem maior que a nossa. — Parker continuou, para que Hendrick notasse a gravidade da situação. — Porém, todos sabendo como Napoleão seria, nunca esperamos que fosse desistir da tentativa de uma segunda invasão, isso era apenas questão de tempo e agora parece que o momento chegou...

Hendrick prestava atenção a cada palavra que Parker falava, sabendo que logo chegariam no ponto nevrálgico da condição atual, algo que parecia aterrador a cada segundo.

— Meu rapaz, você deve conhecer a pequena Ilha de Rocher, que se situa no Canal da Mancha? Que está debaixo de domínio Francês? — Parker deixou Hendrick estupefato. — Conhece os dois irmãos corsários chamados Annabel e Bressane Rousseau, não?

Hendrick nem precisava adivinhar o resto, porque estava claro como água. Mas como Parker esperava uma resposta, Hendrick respondeu-lhe positivamente e esperou que o Almirante continuasse.

— Recebemos informações valiosíssimas que a nova Armada de Napoleão foi organizada pelos Rousseaus e será comandada por eles mesmos... Que ambos usarão além do restante das Frotas da primeira coalizão empregada para tentar invadir a Inglaterra no passado, uma nova e poderosa Frota que conseguiram formar sem levantar suspeitas de ninguém até agora... — Parker pigarreou. — Mais da metade dessa unidade veio do saque de outros navios e outra parte expressiva da Ilha de Rocher... Com isso, temos sérios motivos para desconfiar que Napoleão atacará em pouquíssimo tempo...

Hendrick susteve a respiração por segundos. As palavras de Parker traduziam aquilo que Hendrick adivinhava que surgiria.

— Mesmo Napoleão saindo derrotado no passado, nossa Marinha sendo a melhor do mundo e com o Canal da Mancha patrulhado dia e noite, essa Armada não demorará em atacar de algum lugar... Rocher, embora pequena, possui uma Marinha de excelente qualidade e agora que Napoleão percebeu isso, não piscou em aproveitar tal vantagem... — Parker continuou. — Mesmo Rocher havendo contribuído com alguma Frota na primeira Armada que tentou invadir a Inglaterra no passado e tenha perdido determinada parte, não podemos desprezar nada que se relacione com Rocher, que permanece num ponto estratégico entre a Inglaterra e o Continente...

Parker parou outro momento para tomar fôlego e suas últimas palavras foram o que mais alarmaram Hendrick, que antecipava a dramaticidade do momento.

— O pior é que não sabemos aonde a Frota principal da Armada sairá exatamente, tudo apesar de Rocher estar providenciando uma parte considerável... Imaginamos que seria muito óbvio Napoleão pretender uma incursão contra a Inglaterra com uma Frota principal partindo de Rocher diretamente... Uma segunda possibilidade é que os Franceses realizem isso para distrair-nos, enquanto a Frota principal tente bloquear os navios Ingleses... — Parker tentava explicar tudo com detalhes. — Vencemos os homens de Napoleão pela manobra brilhante de seu tio Nelson, porém, a Armada Francesa era muito maior que a nossa naquela ocasião e parece que agora a situação não é diferente... Não podemos desconsiderar esse elemento, mesmo que estejamos dispostos a dar nosso sangue para impedir a consumação da gana do Imperador!

Hendrick percebeu a delicadeza do momento. Também compreendeu que havia sido a Providência Divina quem colocou-o para ser indicado como Líder daquela missão. Agora, estava disposto a não mais vacilar. Era um excelente momento para acabar com os Rousseaus e justiçar a memória de Nelson. Excelente momento realmente.

Enquanto isso, Mulgrave tomou a palavra, como que para arrematar uma última consideração que Hendrick precisava saber.

— Agora que você descobriu que a situação não é nada animadora, deve se perceber como a única pessoa capacitada para essa missão... Napoleão está tão desesperado para invadir a Inglaterra também, que não nomeou alguém competente da própria Marinha Francesa ou mesmo da Marinha de Rocher para comandar a incursão, mas concedeu-a para os Rousseaus, dois corsários, que conhecemos como "O Terror da Mancha"... — Mulgrave disse, para  complementar Parker. — Apesar disso, consideremos que ambos foram bastante competentes ao restabelecer a Armada Francesa nesses cinco anos... Ainda que nada saibamos dos Rousseaus, apenas que talvez tenham nascido na França realmente... Annabel e Bressane vêm dando-nos trabalho por anos e agora, precisamos mais que nunca impedi-los de consumar as intenções de Napoleão...

Era a cartada final para convencer Hendrick, que sem querer, comprimiu os lábios de raiva. Os três homens percebendo a reação involuntária de Hendrick, se entreolharam por alguns instantes igualmente, até Parker se levantar da mesa de reunião e caminhar na direção de Hendrick, espantando Mulgrave e Perceval pela reação inesperada ao notarem-no parar diante do jovem amargurado, colocando a mão no seu ombro, para assim, romper o silêncio.

— Meu rapaz, uma missão dessa amplitude poderia surpreender qualquer pessoa que estivesse no seu lugar... Outros nomes foram apontados na reunião anterior, porém, escolhemos você, não apenas pela sua capacidade de vencer batalhas e ser sobrinho de Nelson, só que por outro bom motivo... — Parker olhou-o bem nos olhos. — Sabemos que já enfrentou os Rousseaus antes e quase pegou-os há alguns anos, não apanhando-os devido a sorte não haver favorecido nossa missão naquela situação, nunca pela sua falta de talento.

Hendrick abriu a boca para responder que não estava sendo mal agradecido pela confiança que estavam dando-lhe e que nunca pensou em recusar tal missão, porém, foi interrompido enquanto Parker apertava seu ombro de leve, como que querendo que prestasse bastante atenção ao que dizia.

— Nelson, em vida, era uma ótima pessoa e excepcional combatente, tendo dado a vida para salvar-nos há cinco anos... Eu considerava-o meu amigo e quando Nelson morreu, acho que quem conhecia-o na intimidade, morreu um pouco também... — Parker proferiu, muito firme. — Quero que saiba que não desejamos que tenha o mesmo destino de seu Nelson, longe de algo assim... Mas que estamos dando-lhe essa missão como uma recompensa pelo que Nelson fez por toda Inglaterra, porque temos certeza absoluta que vencerá por nós também...

As últimas palavras foram expressas quase em tom emocional. Com aquilo, Hendrick teve certeza que quem persistiu no seu nome para aquela missão foi o Almirante Parker, um velho combatente que participou da Guerra da Revolução Americana e machucado na perna naquela ocasião, que considerava Nelson um grande amigo realmente. Assim, se controlou para não se emocionar também e respondeu o que esperavam, afinal.

— Eu agradeço a confiança que estão depositando em mim e espero não desapontá-los de maneira nenhuma... — Hendrick encerrou. — Jamais passou pela minha cabeça desdenhar qualquer ordem que me dessem e quero que saibam, que mesmo que tenha que dar o meu sangue pela Inglaterra, assim, farei-o com coragem...

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