CAPÍTULO TRÊS

O dia ainda não havia amanhecido quando Ravenna acordou e notou o espaço vazio deixado por Cameron ao seu lado. A noite anterior fora um grande sonho, Ravenna a descreveria como fenomenal. Sentira dor no início, mas após alguns instantes sentia-se no paraíso e Cameron proporcionara a ela uma primeira noite repleta de paixão e prazer. Sentando no colchão, ela se perguntou onde estaria seu futuro noivo. Como se tivesse sido invocado pelos pensamentos de Ravenna, Cameron abriu a porta e entrou no quarto completamente vestido com um traje de viagem. Achando estranho que o homem estivesse pronto para partir do castelo quando, na verdade, deveria estar deitado nu ao seu lado, ela usou o lençol para cobrir-se e colocou um uma mecha de cabelo atrás da orelha. Sentindo um frio percorrer seu estômago e sua espinha, ela disse:

 — Por que está usando um traje de viagem? Aconteceu alguma coisa, amore mio?

Cameron a olhou com repulsa e zombando das palavras apaixonadas de Ravenna, disse:

 — Eu dormi com você uma única noite e já me considera como seu amor? Você é mais fácil de seduzir do que pensei. Estou de partida para o Brasil e não sei se um dia voltarei a vê-la. Quem sabe não repetimos a noite de ontem daqui a uns anos?

Vendo o semblante da jovem mudar como em um passe de mágica, ele continuou a destilar suas palavras venenosas:

  — O que foi? O sexo foi tão bom que a fez pensar que estava apaixonado por você? Não seja tão inocente, querida prima. Eu apenas me diverti com seu corpo imaculado e a marquei para sempre. Fui seu primeiro homem e todos os que vierem após mim, colherão as sobras que joguei fora. 

Ravenna não sabia o que dizer, aquelas palavras martelavam em sua mente e seu coração doía em seu peito. Ela não o amava, porém, isso não fazia com que aquelas palavras machucassem menos. Sentia-se uma tola fútil por se deixar enganar por um crápula como aquele. Sem saber o que perguntar ou por onde começar a responde-lo ela disse:

 — Por que fez isso comigo? O que fiz de tão ruim a você para que agisse de modo tão perverso e cruel comigo?  — Sentia lágrimas descerem por sua bochecha, mas não as impedia de cair, estava frustrada e decepcionada — Cameron, eu não entendo o porquê de todas essas palavras ásperas.

 — Eu queria seu corpo e a luxúria que ele exala. Queria penetrá-la e marcá-la. Eu tirei sua virgindade e a possuí mais de uma vez na noite passada. Isso era tudo o que desejava de você. Agora que já está feito, não preciso mais fingir ser seu cachorrinho apaixonado. Não me entenda mal, foi excelente, uma das melhores eu diria, mas não passa de mais uma para mim.

 — O quê? Está me dizendo que me seduziu apenas para matar sua vontade de dormir com uma virgem?  — Sem conseguir acreditar no que acabara de ouvir ela desceu da cama e, enrolada no lençol, deu alguns passos em direção ao homem que a encarava sério como um bloco de mármore impenetrável.  — Me diga que isto é uma piada e eu esquecerei tudo o que acabou de dizer.

 — Achei que fosse mais inteligente do que isso, Ravenna. O que mais posso dizer para que entenda que não significa nada para mim?

Ravenna parou no meio do caminho a alguns metros de distância de Cameron, e se apoiou na mesa de carvalho ao sentir as pernas fraquejarem.

 — Nunca teve a intensão de me pedir em casamento, não é? Jamais pensou em considerar qualquer sentimento que eu tivesse por você.

Cameron riu da hipótese de envolver-se em matrimônio com a prima e bufou em desdém.

 — Eu jamais me casaria com uma mulher como você. Baixa e fácil. Você abre as pernas para qualquer um que elogie seu corpo, é uma vadia em vestes nobres.

Ravenna jogou o líquido da taça que estava em cima da mesa no rosto de Cameron, em seguida atirou a taça contra o homem, que riu achando graça do semblante indignado da prima.

 — Maledetto! Bastardo!  — Ela gritou, sentindo a ira dominar seu corpo — Espero que morra da pior maneira possível! Eu o odeio com todas as minhas forças! A única coisa que me impede de correr até meu pai e pedir sua cabeça em uma bandeja de prata é o carinho que tenho por sua mãe, que desconhece o demônio que habita em você. — Vestindo a camisola e o roupão que deixara na cadeira na noite anterior, ela continuou a ameaçar o primo — Se ousar colocar os pés em qualquer lugar deste mundo que pertença a um Osborne, saiba que farei questão de enviá-lo de volta ao seu lugar... no inferno. Se Deus existe e é justo, você pagará com juros pelo que acabou de fazer a mim. Eu não acredito em como fui tola por pensar que era um homem digno. Você não passa de um demônio.

Secando o rosto com a manga do casaco, ele a olha impaciente.

 — Terminou seu discurso de dama ofendida?  — Abrindo a porta sem esperar por uma resposta continuou:

 — Ótimo. Adeus, Ravenna — E então deixou o quarto, fechando a porta atrás de si.

Assim que a porta fechou, Ravenna caiu de joelhos e socou o tapete tentando amenizar sua raiva e frustração. Ela acabara de cometer a maior estupidez de sua vida. Acreditou nas palavras melosas de um patife sem escrúpulos e se entregou imaginado fazer a coisa certa. O pior de tudo, era não poder contar nada a ninguém pelos próximos dias, pois sabia que seu pai o caçaria e o estriparia caso soubesse um terço do que aquele homem odioso dissera sobre ela. Aquilo destruiria sua família, pois tia Susannah jamais os perdoaria, já que Cameron era seu filho favorito. Pedia a Deus em silêncio que fizesse sua justiça, que Cameron colhesse os frutos de sua crueldade o mais rápido possível.

Decidida a seguir em frente e arcar com as consequências de suas escolhas, ela se levantou e seguiu rumo aos seus aposentos para começar a trabalhar em um plano a fim de esconder suas emoções, até que fosse seguro contar a seu pai o que acontecera entre eles. Recostada à porta de seu quarto ela pensou consigo mesma: che fortuna... que belo presente de aniversário eu ganhei este ano. Insultos cruéis e a possibilidade de estar carregando o filho de um desgraçado repulsivo.

O dia já estava claro quando Meredith entrou no quarto de Ravenna para preparar seu banho e as roupas que ela usaria naquela manhã. O gosto peculiar de Ravenna por calças facilitava o trabalho da criada que, ainda assim, preferia que sua dama usasse vestidos com mais frequência. Meredith encontrou Ravenna encolhida em uma poltrona próxima à janela e estranhou a aparência da jovem.

 — Milady, está tudo bem?  — Ela perguntou — Aconteceu algo com a senhorita na noite passada?

 — Mery, você estava certa. Eu deveria saber que estaria certa. Ele é um homem horrível e estou arrasada.  — Ravenna disse, secando as lágrimas dos olhos — Acho que cometi o maior erro da minha vida, e talvez eu pague um preço muito alto pela minha imprudência. Sono una stupida... una completa stupida! Era tudo mentira, eu fui estúpida e acreditei em uma mentira.

 — Conte-me o que aconteceu e no que eu poderia ser útil.

Ravenna contou toda a história para a criada sem omitir detalhe algum e expressou sua consternação por acreditar estar grávida.

 — Só o tempo dirá se milady carrega um filho daquele homem, mas como garantiu que ele não derramou sua semente dentro de você, então as chances são muito pequenas. — Segurando as mãos de Ravenna de forma carinhosa, Meredith tentou consolá-la  — Eu sinto muito que sua primeira vez tenha sido uma experiência tão traumática, gostaria de ter sido mais incisiva em alertá-la sobre isso. A dor e a tristeza passarão com o tempo, milady. Tenho certeza que encontrará um homem que não dará atenção para o fato de não ser virgem.

 — Grazie, Mery. Você é um anjo. Perdoe-me por ser cabeça dura e não dar ouvidos a sua sabedoria.

 — Sou apenas três anos mais velha do que milady.  — Ela disse sorrindo — Não possuo tanta sabedoria assim, mas tenho algumas experiências no assunto.

 — Certo, é melhor nos apressarmos, papà sentirá minha falta no café da manhã e achará estranha a partida daquele cretino no mesmo dia.

As semanas seguintes discorreram sem grandes alterações. Ravenna sentiu-se aliviada quando teve a certeza de que não esperava um filho do homem mais perverso do mundo. Contar à sua amiga Eva sobre o ocorrido fora uma tarefa difícil, porém, o apoio que recebeu a ajudou a seguir em frente e deixar no passado aquelas lembranças dolorosas. Até que em uma certa manhã, seu pai tomava o desjejum junto da esposa e os filhos quando o criado lhe entregou uma carta urgente do marido de Susannah, relatando que Cameron havia desaparecido em um naufrágio a caminho do Brasil. Ravenna não conseguia identificar quais sentimentos brotavam em seu interior quando o pai leu a carta em voz alta. A primeira coisa que fez foi agradecer a Deus em silêncio, depois desejou que o primo tivesse uma longa estadia no inferno. Colin Stokehouse requisitava a ajuda de James para tentar, de alguma forma, fazer buscas por sobreviventes, já que as autoridades britânicas recusavam-se a prestar ajuda afirmando que seria impossível encontrar os restos do navio.  

James pediu licença à família e foi direto para seu escritório a fim de analisar toda a papelada que Colin enviara. Ele folheava uma agenda antiga quando Ravenna adentrou o escritório. Pediu ao pai que lhe desse um pouco de seu tempo, antes que ele partisse em uma jornada para tentar descobrir o que acontecera ao navio no qual Cameron estava.

 — Papà, tem algo que preciso contar ao senhor, mas antes preciso que prometa jamais contar à mamãe o porquê eu lhe pedirei tais coisas. Ela entraria em parafusos e tenho medo do que isso possa fazer aos nervos dela.

James franziu o cenho desconfiado do que sairia da boca de sua filha, no entanto concordou em manter sigilo sobre aquela conversa.

 — Por favor, não investigue a morte de Cameron.  — Ela disse, insegura sobre como contar ao pai tudo o que aconteceu.

James era um grande amigo de sua filha, os dois conversavam sobre qualquer assunto como se fossem amigos de longa data ao invés de pai e filha. Mas era difícil precisar admitir aquele erro a seu pai, pois ele a alertara diversas vezes sobre homens sem caráter que usavam mulheres apenas para o prazer. Era difícil admitir que não era tão sábia e madura quanto achava. Ainda assim, ela criou coragem para começar a relatar a sua queda.

 — Cameron me seduziu na noite do meu aniversário há algumas semanas e me convenceu a ir para a cama com ele. Eu...  — James a interrompeu surpreso pelas palavras da filha.

 — Ele fez o que? Rave, você dormiu com seu primo?  — Ele a questionou surpreso, achando estranha a atitude da filha, sabia que Ravenna era um espírito livre e a criara para alçar voos altos, porém, esperava que a filha fosse um pouco mais ajuizada.

 — Sipapà. Eu fui estúpida o suficiente para dormir com ele no que eu pensei ser apenas uma antecipação da noite de núpcias. Cameron me fez acreditar que estava apaixonado por mim e que nos casaríamos. Então achei que me entregava a pessoa que seria meu companheiro de vida. Contudo, na manhã seguinte ele mostrou quem realmente era e pude enxergar toda a crueldade que havia nele. Cameron me seduziu apenas para me relegar a uma vida de vergonha sem poder me casar de maneira honrada, isso segundo a visão distorcida de casamento que tinha. Quis apenas usar meu corpo para me marcar para o resto da vida. Ele... ele foi tão convincente em suas palavras que não consegui enxergar a verdade. Ele disse...  — Ravenna hesitava em contar essa parte, mas sabia que o pai não descansaria enquanto não ouvisse tudo o que ela tinha a dizer.

James a observava sem expressar qualquer emoção, ainda que seu coração estivesse dilacerado em seu peito. Aguardava sua filha terminar seu relato para que pudesse dizer o que passava em sua mente. Sentindo a voz falhar, Ravenna sentou em uma cadeira em frente à mesa do pai e prosseguiu com o desabafo:

  — Disse que... que eu não passava de uma puta vestida como uma dama e que eu abriria as pernas para qualquer homem que me elogiasse. Papà...  — Sua voz voltou a falhar e ela lutou contra as lágrimas que brotavam em seus olhos enquanto a garganta ardia.  —  Ele me usou e depois me descartou como lixo. Naquela manhã, eu pedi aos céus que o castigassem e que ele morresse. Eu implorei a Deus que o enviasse para o inferno, que pagasse com juros por tudo o que aquele canalha me fez, e minha prece foi atendida. Ele está morto e fico feliz em saber que morreu afogado. Espero que sofra pela eternidade.

James levantou de sua poltrona e ajoelhou ao lado da cadeira de Ravenna, que virou para poder ficar frente a frente com seu pai. Ele entendia o pedido da filha, conseguia imaginar sua raiva e frustração por ter sido usada e depois descartada. Estava claro que Cameron não conhecia a personalidade de James e não sabia que jamais condenaria a própria filha, ou qualquer outra mulher por não ser casta. Para ele, tudo aquilo era uma tremenda bobagem. Cameron deve ter imaginado que Ravenna não contaria por medo. “O desgraçado merecia muito mais do que o inferno” ele pensou.   

 — Minha filha — Ele segurou uma das mãos de Ravenna enquanto acariciava o rosto dela com a outra — Eu não posso imaginar a dor que está sentindo. Se ele não tivesse morrido nesse naufrágio, eu o mataria neste instante. Você foi enganada e seduzida por um homem que sabia o que fazia. Eu não a culpo por ter se entregado, o culpo por ter se aproveitado da sua ingenuidade. Perdoe-me por não ter protegido você debaixo de meu próprio teto. Eu falhei como pai e como amigo.

 — Não havia nada que pudesse fazer, papà. Eu tomei minha decisão e me arrisquei, mesmo sabendo das possíveis consequências. Mery tentou abrir meus olhos e eu quis seguir minha própria intuição. Eu errei. Falhei com o senhor que sempre depositou sua confiança no meu senso crítico. Me deixei levar pelo charme sedutor daquele miserável e caí em sua armadilha.  

 — Meu passarinho, você é apenas uma jovem de dezesseis anos. Vivenciou muito pouco da vida e tem um coração puro demais para atentar-se para a maldade de alguém como Cameron. Eu mesmo não sabia que o sobrinho de sua mãe era um ser tão desprezível. Susannah e Colin são boas pessoas e tenho certeza que educaram o filho da melhor forma que puderam. Infelizmente existem pessoas que, não importa o que você faça por elas, sempre optarão pela maldade. Está enraizado na alma.   

Ravenna abraça o pai em busca de um abrigo para si.

 — Ah, papà. Não sabe o quanto me arrependo por não ter sido mais esperta. Eu sei que jamais me obrigará a casar com outro para esconder meu erro, porém, pergunto-me se algum dia conseguirei me casar apesar disso. Não consigo sequer pensar em abrir meu coração para qualquer homem neste mundo. Eu não amava aquele patife, mas cheguei a pensar que poderia. Só de pensar em dar tamanho poder a um homem... Não, nunca farei isso. Eu invejo mamma por ter encontrado o senhor, todavia, não acredito e nem desejo acreditar que possa encontrar um amor assim. Não sou corajosa o suficiente para arriscar expor a mim mesma a outro homem. 

 — Meu anjo, se decidir não se casar, eu respeitarei sua decisão. Meu maior desejo é ver você feliz. — Levantando e puxando a filha para seus braços, James continuou a tranquilizá-la:

 — Quero que se case com um homem que a ame e a respeite acima de tudo, e ajude você a ser a melhor versão de si mesma. Como sua mãe fez por mim e eu por ela. Casamento vai além do que acontece na cama. É necessário companheirismo, amizade e acima de tudo respeito para se ter um casamento sólido e feliz. Eu amo sua mãe com toda minha vida, mas acima disso, eu a respeito como mulher, esposa, mãe, como ser humano.

Respirando fundo ele segurou o rosto da filha e o levantou para que ela pudesse fitar seus olhos, pois, o que estava prestes a dizer causava certo receio em seu próprio coração.

 — Se, ao invés de acreditar que há alguém no mundo que será seu companheiro de alma e seu melhor amigo, você decidir envolver-se com um homem apenas para aliviar sua solidão, agora que já sabe o que é estar com um, apenas peço que seja discreta e sábia em sua escolha. Se puder esperar um pouco para aventurar-se novamente, eu ficaria menos preocupado.  — James deu uma risada desconcertada tentando explicar a filha a natureza de seus argumentos.  — Não pense que é fácil para mim, como pai, dizer estas coisas. Por mais que acredite em sua liberdade de escolha e seu direito em decidir seu futuro, meu coração lateja aqui dentro do meu peito.  — Ele pôs uma das mãos sobre o coração.

 — Você é minha princesinha e eu sofro toda vez que é machucada. Prometa-me que esperará estar mais madura. Ainda tem muito o que aprender e observar antes de se sentir segura para se envolver com alguém sem se machucar. Eu prezo por sua liberdade e seu poder de escolha, mas também prezo pela sua segurança e pelo nome da nossa família, meu passarinho.

 — Si, eu vou esperar. Não tenho intenção de me envolver com ninguém pelos próximos anos. Eu te amo, papà. Obrigada por me apoiar e por não ficar bravo comigo.

Rindo, James beliscou a bochecha da filha.

 — Ah, mas eu estou bravo com a senhorita. Tirou minha oportunidade de livrar o mundo de um crápula, ao me contar sobre o ocorrido quando o infeliz já está apodrecendo no fundo do mar. Não se preocupe, darei um jeito de não ajudar na investigação. Sinto muito por seus tios, entretanto você é mais importante para mim do que nossos parentes.  — Ele deu um beijo na testa da filha.

 —Graziepapà. O senhor é o melhor pai e melhor homem que já nasceu neste mundo.

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