06

Kesie Ferraz 

Entramos na portaria do meu edifício e peço a Clemente, nosso porteiro, que libere a entrada do veículo de Hugo. 

Ele estaciona no subsolo do prédio, então, descemos do carro e seguimos para  o elevador. Ainda me sinto incomodada por tê-lo convidado para entrar. Talvez eu acreditasse que ele não fosse aceitar, e que meu convite se tratasse de uma pergunta retórica.

Entramos no elevador, e aperto o botão, são doze andares, e ainda não sei que assunto desenvolver para quebrar o nosso silêncio. Quando o elevador para, pego minhas chaves na bolsa. Parados bem a minha porta, abro ainda insegura com o que estou fazendo.

— Bem vindo, este é meu lar!— falo lhe convidando a entrar e se sentar, na tentativa de disfarçar o quanto estou nervosa. — Fique à vontade.

Jogo minha bolsa no sofá e retiro meus saltos.

— Vou preparar um café bem forte, você parece exausto.

Ele me olha com a expressão mais fechada que já vi.

— Eu… não bebo café.

Lhe encaro absorta como se ele tivesse me ofendido.

— Como assim, não? Café é a bebida mais incrível do mundo.

Ele fita o chão e praticamente sorri. Noto que as coisas entre nós estão ficando mais leves, agora, Hugo consegue esboçar com um pouco mais de frequência, algo parecido com um sorriso.

— Bebo, chá, quente e gelado, cappuccino...Mas nunca café.

Me dirijo a bancada da cozinha para colocar água na cafeteira e preparar o meu café. Nossa cozinha é estilo americana, então ainda podemos nos comunicar de onde estou.

Encho o recipiente e encaixo no equipamento ainda incrédula de que ele tenha recusado minha bebida, entretanto não tenho dúvidas que para ele se manter acordado, um café lhe cairia bem. 

— Nem quando está de porre?

Ele se senta confortável no sofá ainda me analisando.

— Eu pareço estar de porre agora?

— Não. Apenas cansado.

Ele respira fundo como se somente agora tivesse notado sua exaustão.

— Talvez eu esteja cansado mesmo. Ainda preciso dirigir de volta.

— Então, você precisa de um café bem preto para se manter aceso — insisto.

Ele faz aquela expressão de desgosto novamente. É interessante ver ele assim tão à vontade sem toda seriedade.

Enquanto aguardo a bebida ficar pronta, decido cuidar do ferimento de Hugo, pego os primeiros socorros no armário, um analgésico e um copo de água. Aproximo dele, sentando ao seu lado, lhe dou o comprimido para dor. Ele coloca na boca sem reclamar.

Hugo observa tudo ao redor.

— Seu apartamento é muito bonito. Uma arquitetura contemporânea.

Sorrio, também adoro esse prédio.

— Vou cuidar disso — falo apontando para seu braço ainda tímida por ficar tão próxima mais uma vez. Ele me estende para que faça o curativo naturalmente.

— Eu também adoro esse lugar.

— Você tem um bom gosto.

— Percebi que você gostou.

Limpo o ferimento com cuidado e vejo Hugo sorrir constrangido por ter sido pego observando tudo.

— Desculpe, é porque, meu pai era arquiteto e sempre admirei esse tipo de trabalho. Belas construções sempre me fazem lembrar dele, ele morreu há três anos.

Me sinto entristecida por fazê-lo se lembrar do pai. Ele ficou visivelmente abalado, talvez seja este o motivo que o deixa tão sombrio.

Lavo com soro o seu braço e limpo o corte com uma gazinha.

Ele geme.

— Meus pais também morreram em um acidente no Andes há dez anos. — falo na tentativa de fazê-lo saber que me compadeço de sua dor.

— Sinto muito.

Sorrio para que ele veja que estou bem.

— Eu também sinto muito por seu pai.

— Meu pai era um homem extraordinário. 

Vejo o quanto seus olhos brilham ao falar do pai, provavelmente eles tinham um bom relacionamento.

— É bem difícil perder pessoas que amamos.

— Sim, ainda mais de uma forma tão repentina, assim como seus pais, num acidente. Meu pai sofreu um infarto fulminante, não houve o que fazer.

Minhas mãos ainda estão sobre as dele e somente então notamos que estamos próximos demais.

Quebro o nosso contato visual completamente confusa com o que está acontecendo entre nós e me concentro em minha tarefa, a de enfaixar o braço dele.

Talvez para quebrar o clima que se instaurou, os olhos de Hugo vão sobre meus papéis na pasta logo na mesinha. Deixei ali antes de sair. 

— Prontinho… e nada de agulhas!— falo tentando disfarçar em minha voz que estou nervosa.

Quando ouve a palavra agulha, Hugo abaixa a cabeça e ri. Está ficando fácil pra ele fazer isso.

Levanto e sigo até a cozinha e noto que estou sorrindo também. 

— Kesie, desde o momento em que você entrou naquele hotel, tive a impressão que já a vi em algum lugar. 

Respiro fundo contendo aquelas lembranças, quando pisei na suíte, havia uma mulher seminua se esfregando em Hugo, é difícil acreditar que se trata do mesmo homem aqui a minha frente.

— Talvez porque trabalhei como modelo. Já fiz alguns trabalhos de grande visibilidade.

Ele ergue a sobrancelha como se entendesse agora o porque meu rosto é familiar. Porém continua olhando as pastas sobre a mesa na qual a logo da minha editora está destacada.

— Não trabalho mais como modelo, abandonei minha carreira para me dedicar como escritora. E tenho uma editora. 

Ele fica visivelmente surpreso.

— Seu pseudônimo é K.Ferraz?

— Sim. — acho engraçado ele reconhecer.

Pego duas xícaras e sigo até o meu convidado, minha missão é fazê-lo beber pelo menos uma pequena xícara, tenho certeza que lhe fará bem.

— Sou autora de "Paixões sob medida".

Vejo o Hugo arquear a sobrancelha.

— Sim, conheço, afinal foi um sucesso.

Se eu estivesse em um programa de tv no qual a pergunta que valesse um milhão fosse: Hugo Castro conhece seu livro que se tornou um best seller internacional? Certamente eu perderia todo o dinheiro, pois responderia que NÃO.

Me sento ao seu lado e coloco nossas xícaras na mesa, ignorando a expressão dele ao ver que são duas.

— Como você conhece meu livro, não se parece muito com um leitor de romances?

— Bom… por coincidências da vida, Já vi Evelyn com esse livro. E claro que… também por ser bem famoso. — é nítido o esforço que ele faz para não me constranger, mas é inútil.

Meu rosto queima em saber que a esposa do homem que foi meu amante, conhece meu trabalho e que talvez seja uma das minhas leitoras.

Então, gentilmente ele muda o rumo da conversa.

— Você não pretende me convencer a beber isto?— fala com sua expressão fechada apontando a xícara na mesa.

— Huum… convernecer não. Obrigá-lo seria mais específico.

Pego uma das xícaras e ergo delicadamente levando em sua direção. Ele fica em silêncio me observando.

Noto suas sobrancelhas se unirem em indignação. Porém ele segura a xícara de minhas mãos sem reclamar.

— Vou aceitar somente porque fez um bom trabalho — ele fala mostrando o braço enfaixado. — e não usou agulhas.

O mais engraçado é que ele nem ao menos ri, desta vez. Hugo é cada vez mais imprevisível.

Pego minha bebida e dou logo o primeiro gole. Está delicioso.

— Beba, será muito bom para mantê-lo acordado para voltar.

Então observo o homem de cerca de um metro e oitenta, sentado à minha frente, bebendo café como se fosse algum tipo de erva amarga fazendo uma careta.

— Não acredito que você não gosta de café!— ainda argumento indignada observando a expressão rígida dele.

Enquanto ele bebe, forçadamente, o café, Noto como seus lábios são bem desenhados, sua boca é carnuda, a parte de baixo um pouco mais grossa, um conjunto extremamente sensual.Tento mudar o foco e concentrar minhas energias em outro assunto.

 — Estou escrevendo um novo livro, quero relatar tudo que houve entre mim e Maicon.

Mordo o lábio inferior sobre os olhos atentos de Hugo. Deixo minha xícara na mesa e pego todos os meus originais dentro da pasta ao seu lado e os entrego. Ele analisa os papéis com um olhar curioso, é nítido que acha minha ideia uma loucura.

Há um silêncio entre nós.

— E você não tem medo de como ele vai reagir quando souber que irá expô-lo assim?

Hugo também deposita sua xícara na mesinha de centro, ainda há bastante café, no entanto fico satisfeita que ele tenha bebido pelo menos um pouco.

— Sim, tenho muito medo. Por isso estou usando nomes de personagens fictícios. Nada que relacione nem a mim e nem a Maicon. Não quero me expor também com o relacionamento tóxico que vivi.

Vejo ele observar meus papéis.

— Posso?— Pede autorização para ler.

São apenas alguns poucos capítulos, mas me sinto confortável que ele leia.

— E você se importa se eu for tomar um banho e trocar essa roupa enquanto você lê? 

Vejo que ele já está concentrado lendo. E sem olhar para mim, responde que "sim" como um aceno de cabeça.

Retiro seu paletó que ele havia emprestado para me cobrir e deixo ao seu lado. Hugo que está focado nos papéis que segura, então me olha. 

— Obrigada, por tudo... E por me emprestar seu terno também.

Então, Hugo me analisa em transe. 

Ele já tinha me visto neste estado, porém havia sido um momento tenso, no qual ele não desejava me constranger, no entanto, agora, que as coisas entre nós estão mais leves, ele me analisa de uma forma diferente. Seus olhos vão até a alça praticamente arrancada do meu vestido revelando as curvas dos meus seios. Estou em pé, e minhas pernas estão completamente à mostra, bem a sua frente, e levando em conta o tamanho do meu vestido, estou bastante exposta.

Por um instante fico tímida com a intensidade de seus olhos sobre mim, ele seria capaz de me devorar apenas com os olhos, sinto meu corpo inteiro reagir a ele. E Hugo também parece assustado com suas próprias reações.

Como se saísse do transe, ele respira fundo constrangido pela própria falta de autocontrole e muda seu campo de visão propositalmente, se atentando às letras no papel.

— Foi um prazer...

Ainda muito afetada pelo que acabou de acontecer, me afasto, subo as escadas e sigo para o meu quarto a fim de tirar esse vestido, ou o que sobrou dele. Desejo apagar de vez essa noite, exceto um certo homem de rosto perfeito e olhos esverdeados que não vão sair da minha mente por um bom tempo.

Antes de ligar o chuveiro, sinto um cheiro delicioso sobre minha pele, respiro fundo e sei que se trata do cheiro de Hugo, afinal estive bastante tempo com sua roupa sobre meu corpo. Ligo o chuveiro e relaxo, são tantas coisas que passam por minha cabeça, começo a me lembrar de tudo, a cena de quando cheguei na suíte, a ruiva se esfregando em Hugo, além de outra nua jogada no sofá e Maicon dançando com a loira de forma bem íntima. Vi uma mesa com muita cocaína espalhada, além de várias bebidas caras. É difícil de acreditar que um homem tão incrível como Hugo tenha participado daquilo.

Sinto nojo da situação. 

Molho meu cabelo e passo uma camada de shampoo enquanto a água quente e macia toca minha pele. 

Meu nariz dói mas sei que estou bem. Essa não foi a primeira vez que fui agredida pelo canalha.

Durante nosso relacionamento houve algumas agressões, e quase todas por algum tipo de ciúmes doentio, mas Maicon sempre tinha um pedido de desculpas carregado de juras de amor.

Me recordo de uma vez em que Maicon estava convencido de que o garçom estava olhando meu decote. Saímos às pressas do restaurante depois do showzinho. Um tempo depois eu soube que ele fez o pobre rapaz perder o emprego. Quando tirei satisfações por não achar justo, ele apertou meu rosto com força, pois segundo Maicon, o rapaz era meu amante. 

Claro que houve muito mais situações, mas outra lembrança inesquecível foi o que aconteceu durante uma festa de lançamento da editora. Um antigo escritor da nossa editora, Diego Martini, acabou se declarando apaixonado por mim, passamos tanto tempo juntos nos dedicando ao seu livro, que ele acabou confundindo os sentimentos, naquela noite Maicon pegou ele tentando me beijar no estacionamento. Vi Diego ser socado com muita violência por Maicon, foram chutes e até mesmo golpes. No outro dia soube que ele foi hospitalizado, Diego não teve coragem de acusá-lo, disse que havia sido um assalto e retirou seu livro da nossa editora.

Começo a refletir sobre o quanto Maicon é perigoso, fico pensando se ele tentará algo contra Hugo. Esta hipótese me deixa tensa. Termino o banho e me enrolo em uma toalha. Percebo que faz um bom tempo que saí para o banho, me perdi com as lembranças. Me troco rapidamente e volto para a sala. Fico surpresa com a cena que vejo. Hugo está deitado completamente apagado. Certamente leu os papéis e depois caiu no sono me esperando. Olho no relógio e vejo que passa das quatro da manhã.

Respiro fundo pois não sei o que fazer. Não tenho coragem de despertá-lo.

Volto para meu quarto e pego um lençol e jogo sobre ele. Começo a pensar no que vou dizer a Elizabeth quando ela ver esse homem desconhecido dormindo no sofá de nossa casa.

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