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Capítulo – A Fera e a Dama

Naquela noite, Will se transformou mais uma vez em fera — consequência de inúmeras tentativas de experimentos. O quarto, antes frágil e organizado, estava agora completamente revirado. Seus olhos brilhavam com intensidade, a pele e os pelos refletiam o luar. Seus uivos cortavam a noite, e o vapor quente saía de seu focinho em respirações ofegantes.

A Dama de Vermelho estava inquieta.

O plano não dera certo, e seus olhos negros revelavam o medo que sentia — não por ela, mas por Micael, seu amigo humano. Como aquele rapaz enfrentaria a fera? Instintivamente, para Will transformado, Micael não passava de uma ameaça.

Bela viu a fera saltar pela janela. A ideia de tentar segurá-lo já nem passava mais por sua cabeça. Ele era mais forte. Muito mais forte.

— Ah, não... — ela sussurrou.

— Que barulho foi esse? — disseram ela e Micael, em uníssono.

Na confusão, surgia Hianna, transformada também — completando a cena como mais uma peça da nova alcateia.

Assustada, Bela correu atrás de Will. No caminho, viu antigos humanos lutando como bestas, esquecendo-se de quem eram, de que um dia se amaram. A floresta estava viva, pulsante, cheia de gritos, rosnados e angústia.

Hianna rondava Will. Era uma disputa de liderança entre feras.
Quem comandaria o bando?

Bela observava à distância, hesitante. Esperava o momento certo para agir. Quando viu que não poderia esperar mais, correu em direção à luta. Micael tentou detê-la, mas já era tarde demais. A expressão assustada dele ficou congelada no meio da floresta.

— Will? — chamou Bela, a voz tremendo. — Eu sei que você está aí, dentro desse corpo. Por favor, volta pra mim. Eu não suportaria perder você. Se algo acontecer... eu morreria.

Nesse instante, Bela foi atingida — perto do peito. Um buraco profundo se abriu, e ela desmaiou.

Will a viu cair. Sem pensar, correu até ela. Pegou-a nos braços, abandonando Hianna para trás, depois de uma luta sem sentido. Correu quilômetros, desesperado, buscando salvá-la.

A luz da lua iluminava uma caverna distante. Will deitou o corpo dela com cuidado no chão. Acariciou sua pele pálida, agora fria.

Mas a noite ainda não havia terminado.

Caçadores aproximavam-se. Os tiros ecoavam, fazendo a fera rugir ainda mais alto. Will pegou sua dama nos braços novamente e levou-a para um canto mais protegido da caverna. Ali, a colocaria longe do alcance de qualquer ameaça.

Então, ele se transformou de novo.

A fera surgia em sua forma mais brutal — garras afiadas, olhos flamejantes.

— Ora, ora... o que temos aqui? Um cachorro valentão? — zombou um dos caçadores.

A fera rugiu. Com um salto, atacou o homem que havia falado. Sangue jorrou. Os outros recuaram, mas era tarde. Um por um, caíram. A criatura os arrastou até um lago próximo, colocando os corpos num barco abandonado. Empurrou-o para longe, deixando a maré carregar o mal.

Mas ele lembrava da dama.

Voltou correndo. Os olhos vermelhos brilhavam. Amor. Preocupação. Algo que nem ele sabia que ainda sentia. A luz do luar o guiava até onde a deixara. Seu coração palpitava só de pensar nela.

— Will? — chamou Bela, fraca.

— Estou aqui, minha dama.

— O que houve? — sussurrou.

— Você foi ferida... enquanto eu lutava com Hianna.

— Ela é uma de vocês? — sua voz era quase um suspiro.

— Sim... — disse ele, relutante. — Hianna é como eu.

— A ACEITA... usou o experimento nela também?

— Deve haver outros como nós. Espalhados. Escondidos.

— Onde estamos?

— Em uma floresta. Numa caverna. A alguns quilômetros de casa.

— Eu sabia que você não me machucaria... — disse, sorrindo antes de desmaiar novamente.

— Acorda, Bela! Não morre... — Will desesperou-se. — Vamos voltar pra casa. Lá cuidarei de você. Foi tudo por minha culpa...

Will correu pela floresta, com a mulher amada nos braços.

Chegando à mansão, entrou pelos fundos.

Micael tocava piano na sala com Hianna. Quando viram Bela quase sem vida, o clima mudou.

— Por minha culpa... — disse Hianna, em lágrimas.

— Não diga isso — respondeu Micael. — Nenhum de vocês tem culpa pelo que aconteceu. Vamos descobrir o que fazer.

Micael guiou Will pela mansão até encontrarem a biblioteca, o único lugar útil o suficiente para agir rápido.

— William? — chamou Micael da porta.

— Entre, amigo. Estou tentando salvar a mulher que amo.

— Você vai conseguir. Você é médico. Salva vidas.

— Não... eu sou uma aberração. Quase a matei. Se eu fosse apenas um homem...

— Você é mais que isso. A traga de volta. Não desista agora. Vou deixá-los a sós.

— Obrigado, Micael. E Hianna?

— Está lá fora. Envergonhada, devastada. Fale com ela... quando puder.

Will preparou uma injeção para a infecção, tentando conter a dor. Aplicou-a cuidadosamente. Sentou-se ao lado dela, exausto. Sua transformação desaparecia aos poucos, mas a dor interna era muito maior.

Horas depois...

— Onde... estou? — Bela abriu os olhos.

— Graças a Deus... — Will sorriu, aliviado. — Está em casa. Na biblioteca.

— Por que... isso no meu nariz? Essa agulha?

— Reclama menos, garota teimosa — brincou ele, aliviado. — É soro. Te mantém viva.

— Meu peito... dói.

— Foi por um milagre que você sobreviveu. Vai sarar. Eu estou aqui.

Ela fechou os olhos de novo. Mas logo voltou a falar:

— Vi você ao meu lado. Mesmo inconsciente... vi sua angústia. Sei que você queria me dizer algo.

— Bela...

— Estou fraca, Will. Mas o que quer que você decida... eu vou aceitar. Eu te amo. Mesmo com as consequências. Mesmo que minha alma pareça distante da sua... estou aqui. Para enfrentar tudo com você. A fera... e o amor que a salvou.

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