Inimigos Mais Perto

Após algumas horas na Moniquinha fazendo a tal manutenção das unhas, mais curtas dessa vez, tomo um bom banho e visto o vestido curto e vermelho estilo "piriguete" como a Jéssica diz. Faço uma maquiagem e solto os cabelos, me livrando do coque alto que me acompanha fielmente quando não saio de casa.

_ Ah, não. Vou trocar a minha roupa senão ninguém vai ter olhos pra mim hoje, e eu tô afim de beijar na boca.

_ Que exagero, Jéssica. Bora que tu tá top. - Digo e sorrio.

_ Perai que vou ter que levar a pomba lesa da minha irmã hoje. 

Conversamos enquanto a irmã da Jéssica termina de arrumar, e logo uma morena alta vestindo um shortinho azul e um top branco aparece. Julia é a irmã mais nova da Jéssica, tem 16 anos, quatro a menos que a irmã, embora as duas sejam quase gêmeas.

Chegamos no baile e nos encontramos com a Moniquinha, usando uma lace ruiva e cacheada dessa vez. Eu brinco com ela e logo começamos a beber e dançar alegremente até o início da madrugada. 

_ Tu prometeu e cumpriu, loirinha. - Ouço uma voz vindo por trás do meu ouvido, seguido de uma mão na minha cintura. - Você tá muito gata.

_ Obrigada, Nanzin.

_ Lud, bora ali comigo. - Jéssica diz, já me puxando pelo braço. 

Saímos de lá e ela me conduz até o início da rua onde acontece o baile, e só me solta quando paramos. 

_ Tu é de "maior" Lud. E eu não posso mandar em tu, tá ligado? Mas é sério, se quiser, troca uns beijos com o Nanzin, mas não se envolve com ele não, na real. Nanzin é problema pra tu.

_ Amiga, relaxa! Eu já te disse, não quero namorar ninguém, ainda mais ele. Não posso me apegar a nada aqui não, quero voltar pra minha vida assim que o meu namorado me esquecer. 

Jéssica me abraça emocionada, e eu fico realmente preocupada com o que aconteceu de tão grave, mas ela sempre desconversa e nunca me conta o que aconteceu com a tal Leninha.

Voltamos e nos juntamos a Moniquinha, porque a Dedéia me encarou e sumiu assim que o Nanzin falou comigo, e a Júlia saiu com algum namoradinho, como a Jéssica disse. Novamente sinto a mão enorme do Nanzin passar na minha cintura, porém a outra logo alcança a minha nuca e me puxa pra um beijo. 

Respiro e penso no real motivo de estar aqui, então retribuo o beijo, afinal, amigos perto, inimigos mais perto ainda. Nanzin tem um beijo maravilhoso, o tipo de beijo que eu normalmente iria amar se não fossem as consequências que me trouxeram até aqui. Ele finaliza o nosso beijo com um selinho, seguido de um sorriso malicioso e os olhares de reprovação da Jéssica. 

_ O beijo é tão maravilhoso quanto a dona.

_ Tenho que repetir as suas palavras. Maravilhoso demais.

_ Bora Nanzin, bora! Os vermes estão vindo aí. - TH nos interrompe e o Nanzin revira os olhos.

_ Essa foi a melhor parte da minha noite, loirinha.

Jéssica me encara, mas não fala nada e continuamos dançando até sermos interrompidos pela pausa da música, seguido dos gritos incompreensíveis de alguns homens.

_ Caralho, eles tinham que atrapalhar a nossa noite? - Moniquinha diz enquanto nos puxa para a saída do baile. Assim que nos aproximamos do início da rua, os meus olhos encontram o olhar do Ulisses. Estarei com problemas enormes se ele falar alguma coisa comigo.

_ Você aí, mocinhas. Bora indo pra casa. E tu ai, loira. Maior gostosa hein. Nem parece ser daqui. - Ele fiz enquanto nos encara. E num ato impulsivo, me aproximo dele e acerto um tapa bem na cara dele antes que ele diga mais alguma coisa. - Tu tá maluca? Tu Tá presa! Desacato!

Todos me olham sem entender, e só então me dou conta de onde estamos. Em frações de segundos o meu raciocínio funciona rapidamente.

_ Qual foi? Tu acha que só porque tá na favela pode falar comigo assim? Pode me levar, vou de bom gosto porque o tapa valeu a pena, ridículo.

_ Tu não vai não, Lud. Qual foi? A minha amiga tá bêbada e fora do seu juízo. - Jéssica diz enquanto o Ulisses segura o meu braço, já me conduzindo até a viatura.

_ Moço, solta a nossa amiga! 

_ Meninas, tá tudo bem. Amanhã eu tô solta, dá nada não. Esse aqui sabe que não vai mexer com mais ninguém, e se pensar em me tocar a mão até a delegacia, arranco as bolas dele.

Elas me encaram e logo o Ulisses fecha a porta do camburão, me deixando sozinha por alguns minutos. Logo ele entra na viatura e sai da favela. Como se quisesse se vingar do tapa, eles andam comigo por um bom tempo até parar numa padaria próxima ao batalhão.

_ Da pra você me explicar o que estava fazendo naquela favela? Ficou louca depois que o seu pai morreu? - Ele me diz assim que me entrega café e se senta ao meu lado na mesa.

_ Eu vou vingar a morte meu pai, Ulisses. Sabe que se depender da justiça ele será apenas mais um nas estatísticas.

_ Aí você teve a brilhante ideia de se enfiar baile? Caralho, Lívia. E eu achando que você estava Minas com os seus avós.

_ A Lívia Viana está, a Ludmila não. Prazer. - Debocho enquanto estendo a mão. - Ludmila Brandão. Por Deus, Ulisses. Está tudo devidamente planejado: a casa, o meu nome e o meu sumiço. Eu não vou deixar aqueles homens vivos. 

_ Liv. - Ele diz enquanto coloca a mão na minha, e me encara. - É perigoso, você sabe que isso não é o certo. As coisas são bem piores do que você imagina.

_ Eu estou sozinha no mundo. A minha mãe morreu e agora o meu pai, ambos nas mãos desses filhos da puta. Então eu realmente não me importo se morrer tentando vingar um dos dois. 

_ Toma cuidado, Liv. Nem tudo o que parece é. 

_ Obrigada pela preocupação. 

_ Agora toma o seu café pra ir embora.

_ Não vai me levar pra DP? - Debocho e ele sorri, o sorriso mais acolhedor que eu tenho há meses.

_ Você tem a mão pesada pra caralho, mas vou deixar passar dessa vez. Se cuida, por favor.

_ Obrigada. 

_ Você se saiu muito bem, se pareceu demais com as meninas que estavam com você.

_ E o meu pai dizendo que as aulas de teatro não valeriam a pena.

Sorrimos e conversamos alegremente, e enfim posso ser eu, mesmo que por breves minutos. Nos despedimos e eu volto para a atuação da Lud, agradecendo por não encontrar a Jéssica e a Moniquinha no meio do caminho, porém encontro a Júlia se agarrando com um rapaz, e ela fica sem cor ao me ver, levando o dedo até a boca como se pedisse silêncio. 

Chego em casa, tomo um banho e me jogo na cama, tentando esquecer o beijo do Nanzin. Não posso me apaixonar pelo assassino, mesmo que indireto, do meu pai.

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