Aisha N XIIFiquei muito feliz por conseguir um emprego, finalmente me sinto útil e posso contribuir com as despesas ao receber meu salário. O combinado foi de receber semanalmente, mas fiquei feliz mesmo assim, principalmente porque hoje recebo meu primeiro salário, depois de uma semana trabalhando.A cozinha é agitada, o chefe grita o tempo todo, mas consegui me adequar rapidamente. Pelo menos aqui as ameaças são descontar do salário e não receber chicotadas devido a alguma falha, mas ninguém quer perder um centavo se quer, é claro.Estou picando legumes quando ouço a conversa de duas bruxas que trabalham logo atrás de mim:— Evy, você não sabe o que eu ouvi — fofoca com a outra em tom baixo.— O quê? Pegaram o chefe com a Nadine mais uma vez? — dá um risinho conspirador.— Não, isso é fofoca velha. Essa é bem maior: parece que o velho que foi rei dos alfas na Terra de Luna chegou com um dos filhos a tira colo — ela fala e um minuto de silêncio se instala. Não sei o motivo, não sei

Enry Kall FuryChegamos na tarde de ontem em Terra Suprema. O que antes era a terra dos humanos, agora está tomado de bruxas. Passamos a noite na floresta e o plano é procurar Eron pela cidade, só não sabemos qual forma chamará menos a atenção.A cidade é cercada de lobos, por isso acreditamos que se estivéssemos em nossa forma lupina seria mais difícil nos identificar. Mas quando paramos no limite da floresta para observar, percebemos que na cidade, os lobisomens se mantém na forma humana.— E agora, pai, o que faremos? — pergunto ao meu pai que mantém seus olhos verdes no movimento da cidade.O cabelo branco está preso em um coque meio frouxo no alto da cabeça.— Talvez seja melhor reconhecer melhor a área, tentar encontrar alguém que possa nos ajudar. Não conseguiremos muita coisa sozinhos nesse mundo de bruxos — expõe aquilo que vinha pensando. Somos apenas dois e em um mundo que não compreendemos. — Se pelo menos soubéssemos quem é o rapaz... — divago em voz alta e sinto a mão fi

Eron Kall LialO ar ficou pesado de repente. Como se algo invisível tivesse mergulhado fundo no meu peito e apertado meu coração com força. Havia acabado de assumir o trabalho, mas largo tudo. As ferramentas caem com um estrondo no chão de pedra e eu começo a correr. Nem sei para onde, mas minhas pernas sabem. Meu peito arde e uma urgência brutal me rasga por dentro: algo está errado com Aisha.As ruas passam borradas pelos meus olhos. A cidade parecia mais deserta que o normal, como se os próprios ventos tivessem se calado. Quando dobro a última esquina, a vejo. Vejo exatamente o que eu mais temia.Dois lobos arrastam o corpo desacordado de Aisha como se ela fosse um saco de trapos. O braço dela está ensanguentado, o nariz sangra... Porra! Aquilo me quebra por dentro. Um homem de feições duras ri da situação. A cicatriz na face, olhos frios como pedra... Max. O homem que chamei de pai minha infância inteira anda logo atrás, comemorando a captura.Sinto meu coração parar por um segund

Aisha – N XIIO corpo dele continua ali, no meio da rua, tão grande, tão pesado e imóvel… A forma de lobo ainda se mantém, mas seus olhos estão fechados, a respiração falha e o sangue escurece a pelagem em algumas partes. Espero que não seja sangue dele, mas temo que seja. Temo que tenha se ferido por minha causa.— Eron… — chamo mais uma vez, desesperada, mas ele não reage. Meus dedos tremem ao tocar seu focinho, e o calor que sinto vindo de seu corpo me alivia um pouco. Ele está vivo. Mas por quanto tempo? Balanço o seu corpo com vigor, mas ele nem se move.Me viro para os lados, desesperada, buscando qualquer sinal de alguém, de ajuda.Foi por mim. Tudo isso.— Socorro! — grito. — Alguém me ajuda! Por favor!O eco da minha voz parece morrer entre as paredes e becos vazios. A cidade parece ter nos virado as costas.Até que ouço um som suave, como o ranger de uma carroça e passos firmes na rua calçada. Me viro rapidamente e vejo uma mulher idosa se aproximando devagar. Um lenço cobre

Aisha N XIIPassaram-se algumas horas e Eron ainda não despertou. O filho da senhora que nos ajudou, o vestiu com uma de suas calças e o trouxe para o seu quarto.Desde esse momento que não saio de seu lado. Minhas mãos permanecem firmes nas suas, torcendo para que sirva de âncora.Merna abre a porta do quarto com cuidado e traz uma bandeja em suas mãos.— Precisa comer, criança. Quando ele despertar, precisará que esteja bem — diz, colocando a bandeja na minha frente, contendo uma tigela de sopa, um copo de suco e algumas frutas.— Obrigada, dona Merna, mas não é necessário. Estou sem fome — digo e é verdade. A preocupação me consome e não consigo pensar em comer.— Mas você precisa comer, pelo menos um pouco.A mulher senta-se na cama, do outro lado do corpo de Eron, e encara-me com carinho.— Posso ver como são apegados um ao outro. Ele conseguiu o que qualquer um diria ser impossível apenas para tirá-la das mãos daqueles homens. E você está aqui, ao lado dele desde que chegamos e