Gabrielle Goldman As vezes, só as vezes, eu realmente acredito que sou merecedora de toda mal que me aflige. Porque sejamos sinceros, eu estava rolando ladeira abaixo, e minha velocidade apenas aumentava a cada dia. Duvidava que conseguiria sair viva. Desde quando me tornei tão manipulável? Tão fácil e maleável? Aquele confronto apenas serviu para me dar um choque de realidade. Eu não poderia continuar seguindo por aquele caminho, que claramente me dava todos os alertas de ser o errado. Eu precisava agir. Eu precisava voltar a ser quem eu sempre fui, mesmo que isso significasse abrir mão do pouco que conquistei. E enquanto remoía todo aquele drama, o som estridente implorava por minha atenção. Meu celular que, sinceramente, eu sequer lembrava que existia. O som quebrou o feitiço, puxando-me de volta à realidade com violência, como um tapa bem dado. O número na tela do celular era desconhecido. Isso imediatamente despertou minha curiosidade, ainda que um leve arrepi

Gabrielle Goldman     Gadreel sempre suportou tudo o que eu fiz, minhas respostas afiadas, minhas explosões, meus silêncios, mas nunca mentiras. Ele deixou isso claro desde o primeiro dia. Nunca me exigiu amor, nem fidelidade, nem paz. Só sinceridade. E ali estava eu, mentindo com cada batida do meu coração.     Mas e se ele também estivesse mentindo? E se fosse realmente tudo atuação? Eu não sabia o que pensar. Se por um lado Matt poderia estar apenas jogando e inventando aquela merda toda, por outro lado, ele poderia estar dizendo a verdade, e isso  me assustava ainda mais.     Eu estava contando os segundos, prendendo a respiração mesmo sem perceber. Porque eu sabia que logo a bomba iria explodir. Porque quando Gadreel descobrisse que sua rede de vigilância foi invadida, iria querer descobrir a razão. E seria n

Gabrielle Goldman     Eu esperava raiva, ciúmes, decepção, qualquer coisa que me ajudasse a justificar a dor que eu estava sentindo. Mas ele não me deu nada disso. Me deu apenas paz. E eu odiava ele por isso. Odiava a possibilidade de Matt estar certo.     — Ele não se desculpou — acrescentei, e nem percebi que meu tom havia mudado. Soava quase como uma defesa, como se a ausência de arrependimento por parte de Lucas fosse, de alguma forma, minha responsabilidade. Como se eu fosse culpada por qualquer merda que ele pudesse estar pensando ao meu respeito.     Gadreel deixou escapar um riso breve, quase imperceptível. Não foi sarcástico. Foi um riso de alguém que compreende profundamente uma verdade amarga, alguém que já passou por isso tantas vezes que não havia mais surpresa, apenas constataçã

Gabrielle Goldman Durante a maior parte da minha vida, fui assistida por psicólogos. E digo isso no plural porque foram inúmeros, substituídos sistematicamente toda vez que eu transgredia alguma regra. Como se o problema estivesse na abordagem deles, na metodologia ou na paciência limitada. Como se trocar o terapeuta fosse mais eficiente do que aceitar o que eu não queria ser consertada. Engraçado como sempre preferiram atribuir a culpa aos profissionais. Seria tão mais simples admitir que eu era o problema. Que minha rebeldia era intencional, que, na maioria das vezes, eu fazia tudo deliberadamente como forma de punição a eles, por terem ousado me irritar com seus olhares compreensivos e vozes suaves. Eu odiava aquela falsa serenidade, aquela mania de querer traduzir minhas ações como sintomas de uma dor oculta. Não era dor, era escolha. Meus pais jamais souberam julgar minha personalidade. Nem mesmo John, por mais que tenha tentado moldar parte de mim como se esculpis

Gabrielle Goldman     Eu o odiei naquele segundo, por me respeitar mesmo agora, quando tudo o que eu mais queria era que ele ignorasse qualquer traço de humanidade em mim. Eu queria que ele me prendesse, me empurrasse contra a árvore mais próxima, que gritasse, que me ferisse. Que revidasse. Eu queria que ele fosse cruel, insensível, bruto. Tornaria tudo mais fácil.     — Por que está dizendo isso? — sua voz veio baixa, como se tivesse medo de me quebrar ainda mais. Um sussurro que perfurava com mais força do que um grito. — Foi alguma coisa que eu fiz? Ou algo que eu disse?     Como ele ousava? Como podia fingir que não entendia? Por que eu estava dizendo aquilo? Que pergunta estúpida. Só podia estar de sacanagem.     Ele me disse, com todas as letras, que sabia que eu o estava usando. Q