Teste Beta de Aplicativo

 Para Allie, os dias foram regados a faxinas desagradáveis e maratonas de antigos seriados de comédia na televisão. A rotina triste de uma mulher solteira que nunca tem tempo de lavar a roupa.

  Quando o meio da semana chegou trazendo uma liquidação nova na loja, o caixa estava lotado com longas filas graças aos quarenta por cento de desconto que o gerente havia declarado em todas as roupas disponíveis.

  O dia havia sido um caos, Allie tinha ouvido mais reclamações sobre o limite do cartão de crédito do que jamais ouviu, os gritos de reclamação dos clientes a faziam querer ter a visão do Superman e desintegrar cada um deles ali mesmo.

Quando se sentou no ônibus na volta para casa, agradecida por ter conseguido um assento no início da viagem, Allie se surpreendeu por seu celular ter vibrado com o alerta de uma mensagem.

   Naquele momento ela finalmente tomou consciência da existência do aplicativo de encontros no seu celular e por um segundo amaldiçoou Serena por isso.

  Seus dedos podiam ter deslizado o aplicativo para desinstalá-lo, mas seu cérebro não se aguentava de curiosidade. 

  Tomando coragem, Allie abriu o aplicativo tendo em mãos a lista completa de todos os homens que haviam curtido seu perfil nos últimos dias.

   Os homens em questão tinham um gosto lamentável e alguns uma imagem ainda pior, todos desesperados por um encontro sexual com uma desconhecida sem a menor visão de futuro.

   Mas dentre os perfis nojentos e esquisitos, Allie o encontrou, o rosto gentil e os óculos pousados sobre seu nariz, a imagem sorridente de um intelectual num bar segurando uma caneca de chopp artesanal.

  O perfil não ostentava nada de muito esquisito, na verdade ela até o achou divertido, finalizando sua curiosidade com um match garantido.

  Na primeira noite após a curtida mútua, Allie e Tyler conversaram amenidades por algumas horas no intuito de se conhecerem. Porém nos primeiros vinte minutos de conversa uma coisa se tornou bastante clara, cerca de setenta por cento dos questionamentos de Tyler eram de natureza sexual.

  Foi assim que se iniciou a árdua e talvez humilhante sessão de mensagens eróticas de Allie e Tyler.

  Durante toda a semana, Allie adaptou a rotina de Tyler que tinha tempo para longas conversas apenas no período noturno. Todas as noites as conversas iam de antigas histórias de faculdade a imagens provocativas e pedidos de Tyler por vídeos sexuais.

   Qualquer mulher de bom senso teria mandado ele para o inferno, mas Allie não o fez, a insistência de Tyler naquele assunto a fazia se sentir desejada. Para alguém que não costumava ser admirada por seus atributos físicos de forma aberta e constante, aquilo era como um mar viciante de sua droga favorita.

Após duas semanas de promessas ardentes e mensagens descritivas o suficiente para se tornarem o maior livro erótico de todos os tempos. Um encontro finalmente foi marcado.

   Allie estava de pé na praça do mercado público, a parada de ônibus havia sido um ponto de referência vital pois era a única num raio de dois quilômetros.

   Allie havia vestido jeans e uma blusa escura com uma frase clichê sem sentido, mas devia admitir que estava nervosa, em sua mente ela se via sendo sequestrada e levada para traficantes de órgãos no México.

   A mera possibilidade a assustava, mas Tyler havia lhe passado tanta confiança que não se importava de correr o risco, era ali que morava o perigo.

   Quando o homem finalmente chegou os olhos de Allie se adaptaram à nova imagem fornecida.

  Tyler tinha a sua altura, cabelos escuros e espetados e usava uma combinação curiosa de jeans e tons de cinza. Os olhos castanhos a observavam através dos óculos e a barba estava perfeitamente alinhada com seu rosto. De perto, a imagem dele parecia intimidante.

  - Demorei muito? – A voz grossa preencheu os ouvidos de Allie lhe tirando de seu torpor por julgamentos alheios.

  - Não muito. – Allie o cumprimentou com um abraço na falha tentativa de quebrar o gelo, isso a fez notar que o perfume dele era ótimo.

  Um ponto positivo.

  O encontro se resumiu a passearem em direção ao píer de Santa Mônica e conversarem por horas a fio num divertido papo sobre suas vidas.

   - Então você trabalha como técnico de T.I. – Allie perguntou sentada num dos bancos observando as ondas do mar.

  - É uma empresa pequena, mas eles têm ótimos benefícios. – Tyler comenta mordendo um cachorro quente. – Você disse que trabalhava como vendedora, correto?

  - Na verdade, trabalho no caixa. Não é um sonho de consumo, mas ajuda a pagar as contas. – Allie comentou pensando em formas de criar uma conversa divertida.

  - O que gosta de fazer em seu tempo livre? – Tyler parecia empolgado com Allie, era uma garota bonita com piadas regulares e um bom senso de humor, uma boa companhia para uma tarde ensolarada.

  - Eu leio, escrevo e às vezes eu desenho. – Allie sorriu satisfeita com essa parte de sua vida. – É onde eu solto minhas frustrações, ouso dizer que tenho um talento artístico.

   - Eu não duvido. – O tempo todo Tyler a observou falar como uma máquina que nunca parava de funcionar.

  Em algum momento ele pediu a Deus para que Allie calasse a boca para que pudesse encontrar alguma forma de beijá-la. Mas isso não aconteceu.

  Quando voltaram para casa juntos no início da noite, Tyler observou Allie repousar sua cabeça contra seu ombro adormecendo durante todo o percurso, completamente em silêncio ele refletiu sobre como aquela sensação o fazia bem.

  Do outro lado da cidade, Serena estava de pé diante de mais um avaliador, seu portfólio de artigos estava diante dele que o analisava atentamente.

  Após longas horas de avaliação crítica, a expressão negativa surgiu mais uma vez como uma maldição sobre sua pele.

  - Sentimos muito, Srta. Royce. – O avaliador lhe devolveu a pasta preta cuidadosamente organizada. – Mas não é o que estamos procurando no momento.

  Saindo de mais uma pequena editora com uma expressão fria, Serena seguiu pela cidade com nuvens de chuva ameaçando piorar seu dia.

  Ao chegar ao seu apartamento, Serena retirou a jaqueta molhada e largou a bolsa no chão, observando o apartamento em tons pastel ela refletiu sobre seus motivos para continuar tentando conseguir uma vaga no mercado editorial.

   Serena queria que seus textos caíssem nas graças do público, tinha grandes histórias para contar e trabalhar num jornal ou numa revista famosa somente a ajudaria a abrir sua editora um dia.

  Mas agora só conseguia ouvir que não tinha a essência correta, nem a elegância dos grandes nomes do jornalismo. Sempre lhe cobravam refinamento e quanto mais tentava parecia que mais lhe pediam.

  Sentindo uma súbita vontade de chorar, ela seguiu para a sala de estar observando o porta retrato delicado sob a estante. A expressão solene e alegre do sorriso das duas garotas enchia a imagem de alegria.

  A suavidade do rosto de Cassandra contrastava com seus olhos caramelo, em outros retratos da casa ela beijava o rosto de Serena que sorria com alegria em cada uma das imagens.

   - Droga.... Como sinto sua falta. – Serena abraçou o porta retrato contra seu peito se permitindo chorar no sofá.

  Ouvindo o soluço contido o cachorro de Cassandra, Marlo, seguiu o som até o sofá onde recostou sua cabeça peluda sob o colo de Serena demonstrando algum apoio emocional.

  A história de todo aquele drama aconteceu há dois anos, quando Cassandra e Serena se conheceram na LMU durante uma palestra do reitor sobre a importância da universidade para o patrimônio histórico da cidade.

  O relacionamento delas progrediu por meses até que na primavera a formatura de Cassandra veio, com o diploma de Engenharia Civil e um bom emprego na construtora da cidade, o casal deu o último passo e foram morar juntas.

  O apartamento de Serena na verdade era um antigo galpão de suprimentos da guerra civil que foi reformado em pequenos apartamentos de estilo rústico.

  O ano que passaram morando juntas havia sido mágico e aos poucos elas conseguiram montar seu apartamento juntas. Mas no último ano do curso de jornalismo, Cassandra recebeu uma proposta para chefiar um projeto humanitário na África.

   Determinada a manter a relação, Serena decidiu tirar um ano sabático e trancar o curso da faculdade enquanto o projeto de Cassandra durasse.

  Ambas passaram meses planejando a mudança e todos os aspectos que influenciaram a sua vida, Serena largou seu estágio numa pequena gazeta local e pesquisou imóveis com um preço adequado na África do Sul.

   Enquanto ela permanecia empolgada com a chance de apoiar a namorada, Cassandra ficava mais distante e ocupada com os detalhes do projeto.

   Na última semana do prazo para a mudança, Serena chegou em casa com várias caixas de papelão, determinada a empacotar tudo que podia.

  Cassandra estava sentada na sala de estar com uma papelada enorme sobre a mesa de centro, os olhos estavam perdidos até verem Serena chegar completamente feliz diante de si.

  - Consegui umas caixas com um amigo no supermercado. – Serena largou a bolsa com fitas adesivas e as dez caixas de papelão amarradas com barbante no canto da sala. – Se começarmos agora, poderemos enviar tudo ainda no fim de semana.

   Cassandra não respondeu, fazendo Serena encara-la com curiosidade.

  - Algum problema, querida?

  - Você não vai viajar comigo. – Cassandra declarou em voz alta, trazendo choque a expressão alegre de Serena. – Não posso ter você comigo quando for embora.

  Serena se deixou cair no sofá sem a menor delicadeza, as lágrimas já escapavam de seus olhos.

   - Mas.... Eu não entendo.

   - Estou terminando seu compromisso comigo. – Cassandra não esboçou emoção alguma ao pronunciar as palavras.

   Retirando de dentro do bolso a pequena caixa de veludo que havia encontrado mais cedo nas coisas de Serena, Cassandra a colocou sobre a mesa atraindo os olhos claros sobre o objeto.

   - Eu sei que tinha planos para a gente. – Serena encara a caixa onde guardou o precioso anel de noivado de sua falecida avó. – Mas receio que não estamos na mesma página.

   - Você não pode me abandonar assim... – As lágrimas já envolviam os olhos claros como cascatas. – Eu mudei minha vida toda por você.

   Temendo que as lágrimas saíssem, Cassandra se ergueu sem dar maiores explicações, pegando a mala escura que havia deixado ao lado da estante de livros.

  - Lamento. – Assim que Cassandra deixou o apartamento o mundo inteiro de Serena entrou em colapso.

   Dois anos depois, Serena ainda sentia falta dela, seus encontros com pessoas variadas lhe mantinham distraída e às vezes lhe inspiravam em seus textos.

  Mas quando voltava para casa a sombra de Cassandra estava lá, não importava o quanto fosse fácil, não conseguia se livrar dela.

   Naquele momento uma mensagem chegou para Serena e enxugando as lágrimas ela sorriu para a tela acesa vendo o ícone de seu novo match.

“Soube que estava de folga hoje.

Que tal um jantar? ”

Leila, 18:32

  Respondendo sem muito ânimo para sua última conquista, ela enviou uma mensagem se preparando para tomar um banho.

“Te encontro no seu prédio as

Sete. Leve um casaco. ”

Serena, 18:34

 

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