Rivalidade - Parte 3

Havia um período livre entre as aulas de Nathalie onde os alunos estudavam sobre esportes diariamente. O colégio Santa Helena tinha mais de vinte times de diversas categorias esportivas e muitos desses responsáveis por centenas de troféus em eventos regionais e estaduais para a escola, uma grande razão para o estudo de técnicas relacionadas ter logo se tornado parte do currículo escolar. Da mesma forma música e artes tinham seu valor, abrigando diversas bandas e solistas entre seus alunos.

Nathalie não precisava assistir as aulas sobre Literatura Esportiva – como chamavam – devido à sua condição, aproveitando esse tempo livre para ler todos os dias. Seu lugar de leitura habitual era na curva entre duas escadarias que levavam para o andar superior do primeiro prédio da escola, onde também ficava localizada a biblioteca. Normalmente Cindy ou Rebecca a ajudavam a subir com a cadeira de rodas pelo primeiro lance de escadas.

Depois disso era impossível para a garota subir o lance seguinte ou descer pelo caminho qual havia vindo sem ajuda, mas Nathalie não se importava. Ficava ao lado da janela sentindo a brisa noturna enquanto sua mente viajava por outros mundos junto de seus autores preferidos. Quando aquele período acabava, as amigas vinham buscá-la para o intervalo.

Nessa noite Nathalie tinha dois livros sobre suas coxas. O primeiro, Capitães da Areia, era um clássico da Literatura Brasileira escrito por Jorge Amado, a garota já o havia lido, mas gostava de recordar suas aventuras, as aventuras de um bando de meninos de rua que lutavam contra as adversidades do dia a dia para viverem suas vidas – assim como ela. O segundo chamava-se Fallen e era o primeiro de uma coleção de romances sobre uma jovem adolescente que se envolvia com anjos e demônios, escritos por Lauren Kate.

O tema exotérico sempre lhe chamara atenção, Nathalie tinha um interesse um tanto especial pelo assunto, mas nunca se aprofundara demais, não tinha intenção de ficar iludida pela ficção e imaginação de homens cheios de ideias. Às vezes tudo o que queria era que alguém a conhecesse realmente, alguém que soubesse seus segredos, seus sonhos, suas fantasias, alguém para conversar sem precisar se esconder atrás de máscaras como as que Adrian citava, alguém com quem pudesse ser ela mesma sem ter medo de se abrir.

Havia um tempo que a menina havia parado com a leitura. Estava com os olhos fechados pensando na história que acabara de ler, absorvendo os trechos e cenas do capítulo de Fallen que ainda estavam em seus pensamentos. Os fones de ouvido a mantinham distante desse mundo de ilusões e mentiras, mas as músicas de seu MP3 terminariam antes do sinal anunciando o fim do período. As palavras vieram como sussurros de fundo na melodia da banda Nightwish.

—Regan não está muito convencida de que entendeu a mensagem que ela lhe passou.

Nathalie abrira os olhos lentamente. Havia uma menina com longos cabelos negros com os de Rebecca ao seu lado, contudo, mais lisos e menos brilhantes. Seus olhos negros fuzilaram a garota na cadeira de rodas.

Sem expressar qualquer surpresa, Nathalie retirara os fones.

—Mensagem? Do que está falando? Se Regan O’neil tem algo mais a dizer, ela pode voltar a cruzar meu caminho para falar novamente quando quiser. Ou você agora faz papel de pombo correio para ela? – indagara a loira sem medo encarando a outra nos olhos.

—Talvez precise de uma lição para entender o seu lugar, aleijada. Por acaso é o que está querendo? Mas fique avisada que não estou de bom humor hoje.

Nathalie fitara o chão enquanto refletia, não queria que a menina visse seu olhar de ódio naquele instante. Como ela podia… como podia usar aquele tom? Definitivamente adoraria poder agarrar aquela vadia pelo pescoço e lhe ensinar bons modos ali mesmo. Mas o que fazer quando sequer podia se levantar?

Aquela escola havia sido bem recomendada, mas as máscaras começavam a cair. Era o mesmo inferno de antes. Nunca entenderia o que algumas pessoas pensavam, o que pretendiam, por que agiam de formas tão estúpidas. Por um breve segundo se sentira indefesa. Apenas por um breve segundo.

—Não tenho medo de você, Donna, nem da Regan! – replicara Nathalie sem hesitar nas palavras.

—Mas vai ter! – exclamara a garota furiosa enquanto segurava a lateral da cadeira de rodas.

Antes mesmo que Nathalie fosse capaz de entender o que Donna pretendia, a mesma a empurrara pelas escadas abaixo. Quarenta degraus. Mais de vinte cambalhotas. A cadeira rolou e se espatifou contra a parede. Nathalie ficou caída com o corpo curvado de bruços, sua cabeleira dourada cobrindo sua face. Havia um livro ao seu lado, Fallen, o outro ficara no meio da escada.

—Espero que isso sirva de lição – dissera a menina do alto, esperando por uma resposta. Mas a resposta não veio. Nathalie continuava caída na mesma posição. Por debaixo de seus cabelos uma mancha vermelha começava a se espalhar, aumentando mais e mais.

* * *

 Cerca de meia hora depois uma ambulância estacionara em frente à escola. Nathalie estava deitada em uma maca com Rebecca ao seu lado.

—Não acredito que isso tenha acontecido – dissera a morena – Eu devia ter verificado os freios de segurança quando a deixei lá, foi minha culpa.

—Não é verdade. Eu cochilei ouvindo música e escorreguei, quando vi não havia mais tempo de evitar, já estava nas escadas. Você não teve culpa de nada, meu anjo – explicava a menina à amiga – Por sorte, o médico garantiu que foram apenas algumas contusões leves. Terei de ficar em repouso quinta e sexta em casa, mas segunda já estarei de volta. Vão ser apenas alguns dias de descanso para observação médica – reforçara.

—Mesmo você dizendo isso, ainda me sinto culpada. Você é gentil demais… Quem dera pudesse ter evitado – Rebecca parecia inconsolável – Nada nunca aconteceu nas vezes em que Cindy a ajudou, mas…

—Nada de “mas”, você também me ajudou diversas vezes. Foi só um infeliz acidente, a culpa foi minha, pare de se culpar. Além disso, eu estou bem – repetia a loira, segurando a mão da outra estudante.

Não muito longe de onde elas estavam, os pais de Nathalie falavam com o médico e o diretor da escola. Com a declaração da garota, ficara constatado que havia sido um acidente, evitando o boletim de ocorrência com a polícia local. Já bastava uma estudante daquele colégio ter sido assassinada recentemente, um atentado contra uma deficiente era o tipo de publicidade que não precisavam no momento. Ficara acertado que tão logo Nathalie tivesse concluído os primeiros socorros, seus pais a levariam para casa.

Dentro da escola os boatos logo se espalharam de que a queda de Nathalie não havia sido o acidente que parecia, mas um atentado contra a vida da garota. Entretanto, ninguém sabia o responsável e ela se recusava a dizer, inventando a história de que caíra no sono e se acidentara.

Fora das vistas dos outros, Donna falava com Regan.

—Estou apavorada. Ela não disse nada, mas sabe que fui eu. Por que ela negaria que tinha alguém com ela? Eu a vi rolar escadas abaixo e fiquei olhando depois que parou de cair. Posso jurar que não se mexia e havia sangue no chão, muito sangue. Estava morta, tenho certeza!

—Acalme-se e fale baixo! – repreendera a moça da mecha de cabelo roxa – Obviamente, sua certeza de que estava morta foi equivocada. Além disso, não havia rastro algum de sangue em nenhum dos degraus da escada, nem embaixo, eu mesma fui até a biblioteca há cinco minutos e passei por lá para conferir. Você se assustou e viu coisas, estava longe de onde ela caiu. Ela disse que foi um acidente porque provavelmente tem medo que façamos mais alguma coisa. Sua mensagem foi mais efetiva do que o esperado, acho que agora aquela aleijada entendeu seu lugar nessa escola. Espero que se afaste de Adrian de uma vez.

—Espero que ela fique quieta… – completara a outra garota.

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