Rivalidade - Parte 1

A humanidade crê que a verdade liberta e purifica.

Algumas pessoas insistem em dizer que só a verdade traz a paz de espírito, mas essas mesmas pessoas também não acreditam nisso. Alguns podem até mesmo acreditar, contudo, eles mesmos são outras vítimas da única verdade universal sobre a condição natural do ser humano: a de que suas vidas são meras mentiras.

Assim que o ser humano sente pela primeira vez a rejeição por seus atos, logo na infância, quando é repreendido por seus primeiros erros, o mesmo adquire uma nova característica que é comum a todos os de sua espécie: ficar calado ante seus erros. Isso seria mentir? Alguns dizem que omitir não é mentir, mas de um ponto de vista mais amplo, isso seria apenas um eufemismo para o caso. Se alguém lhe pergunta algo do qual você sabe a resposta, qualquer outra resposta que não a verdade é uma mentira e omitir a verdade é outra resposta.

Todos os dias, quando saímos de casa vestimos nossas roupas, calçados e apanhamos nossos objetos pessoais, mas o mais importante de tudo quase ninguém percebe: vestimos também nossas máscaras.

As mentiras começam na troca de gentilezas cotidianas: bom dia, tudo bem, como vai, estou bem, me visite, saudades de você, você está ótimo(a), temos de nos encontrar mais vezes. As pessoas seguem um padrão robótico estipulado pela convenção de relações sociais implantado em suas mentes desde a infância. Ao contrário de serem estimulados a dizer a verdade são ensinados a dizerem o que é mais benéfico para um diálogo, mesmo que isso vá na direção oposta à de seus pensamentos.

Um sujeito carrancudo esboça um falso sorriso e diz que está bem para um amigo que encontre, essa é a segunda mentira, ao passo que a primeira foi a falsa preocupação do amigo que perguntou, ninguém está realmente preocupado com todos que encontra pelo caminho diariamente, a pergunta é apenas parte do programa instalado em suas mentes controladas pelo sistema social chamado moralidade.

Um pai de família sai do trabalho mais cedo e vai para a cidade vizinha onde paga por sexo para uma estranha com a metade da idade da esposa. Essa, por sua vez, finge orgasmos e mais orgasmos, interpretando a personagem que está sendo reembolsada pelo que oferece, a tarefa de fazer o velho depressivo se sentir um homem viril. Depois disso, o sujeito retorna tarde da noite para a família e se deita incapaz de ter relações com a esposa, escondendo-se atrás da mentira de que uma reunião no trabalho o mantivera até mais tarde na empresa enquanto a esposa finge acreditar, mesmo desconfiada.

Diariamente as pessoas usam suas máscaras, todas elas, sem exceção, até mesmo o padre amado na igreja, depois de horas de sermão, cansado de suas atividades, só deseja poder se retirar, mas atende até o último dos fieis enquanto em sua mente ele só deseja que parem de falar e o deixem descansar.

A vida do ser humano é feita de mentiras, mas todos preferem se esconder em uma melhor “embalagem” que passe a impressão de estar tudo em ordem, tudo bem, tudo perfeito. Partindo desse contexto, em quantas pessoas é possível de se acreditar diariamente? Ou ainda melhor, será possível acreditar nas palavras de alguém quando as nossas próprias não carregam todos os nossos verdadeiros pensamentos?

 Nathalie ouvia as palavras de Adrian no telefone e encantava-se. A maneira de pensar de ambos tinha muito em comum. Ou melhor, se tudo aquilo que ele falava fosse verdade e não apenas uma forma de cortejá-la e conquistá-la. Mas de um modo geral, ele parecia ser capaz de ver o lado negro da humanidade, aquele ponto sombrio que todos escondem, o lado escuro da lua. Não era como os jogadores e as meninas da equipe de animação de torcida, preocupados unicamente com aparência e superficialidades. Adrian era realmente um artista, essa visão de louco e sonhador era uma qualidade inerente aos artistas de todas as épocas e tendências.

—Então você também tem uma máscara? – perguntara a garota.

—Bom, mentiria se dissesse que não. Com certeza há coisas em mim que prefiro manter guardadas e coisas sobre as pessoas que prefiro não dizer. Evitar fofocas é um jeito de começar a caminhar no caminho certo, se me entende. Não existe uma máscara perfeita, em algum momento a pessoa sempre deixa algo de seu verdadeiro eu transparecer e nesse momento os que o cercam passam a amá-lo mais ou odiá-lo completamente. Existem poucas pessoas capazes de reconhecer um erro bruto, aceitá-lo e continuar a amar a pessoa mesmo dessa forma. Acho que assim como a maioria, me envergonho dos meus erros e manter alguns detalhes em meu íntimo, para mim mesmo, é o melhor a se fazer.

—Não acho que seja o assassino que matou a Julye, mas se fosse precisaria esconder esse fato, não é? – rira a loira – Como disse Rebecca ontem, pode ser qualquer um, até mesmo um aluno ou aluna de nossa escola.

—Sim, é verdade. Mas também precisamos lembrar que o corpo de Julye foi encontrado sem nenhuma gota de sangue. Mesmo um fanático por vampirismo precisaria das habilidades certas para realizar tal feito. Não basta ser um jogador de RPG, como Vampiro – A Máscara ou um fã de filmes como Drácula de Bram Stocker para ter esses talentos. Quem fez isso tem as habilidades necessárias e creio eu, sabia o que estava fazendo. Meu tio disse que o crime foi convincente nos mínimos detalhes para lembrar um ataque de vampiro clássico. Se eu fosse menos cético acreditaria que esses seres realmente vivem.

—Tenho minhas dúvidas, sabia? Eles são personagens de ficção, mas essas histórias sempre são inspiradas em elementos da nossa realidade, não é? Acho que esse sujeito conseguiu mesmo mexer com as cabeças de todo mundo, todos estão se sentindo inseguros. Mas para alguém acreditar que um personagem de livros e cinema possa ser real, teria de ser louco.

Ambos riram juntos daquela conversa estranha que estavam tendo. Estavam debatendo de forma incrédula, a teoria sobre a existência de vampiros no mundo real. Nathalie vira então a oportunidade de pressionar o rapaz e descobrir quais eram suas reais intenções para com ela.

—Bom, digamos que eu derrubasse um pouco a sua máscara… – começara a garota, fazendo pequenas pausas entre as palavras enquanto falava – O que realmente pretende comigo? Sabemos que não sou a única aluna na escola que toca algum instrumento e acredito que poderia escolher a que quisesse.

De certa forma, Nathalie ainda não se sentia segura com aquele garoto se aproximando dela daquele jeito. A maioria dos rapazes a evitava. Embora fosse uma garota bonita, não era do tipo que poderia sair em grupos ou ir à encontros e bailes. Adrian hesitara por um momento que não durara mais que poucos segundos. Então as palavras começaram a sair.

—É… – começara ele – Digamos que realmente existem outras meninas que tocam outros instrumentos e os membros da banda, talvez me incluindo, temos certa influência para convidar alguma para tocar conosco. Mas nenhum deles nunca fez isso e acho que é porque não se sentem bem com alguém de fora entre nós ou talvez porque não vejam talento nelas. O que eu posso dizer sobre isso é que você tem esse talento. Não me faça ficar meloso demais, mas você toca com sentimentos e sinto isso vindo de você, então tenho certeza de que vão querer você participando de um show nosso. E seria absurdo se eu não dissesse que você é linda e isso me atrai também – concluíra.

 “Você é linda e isso me atrai também”.

 As palavras de Adrian continuavam reverberando pelo quarto de Nathalie, repicando das paredes para seus ouvidos novamente. Era como se aquilo nunca fosse sair dali, como se o tempo tivesse sido congelado naquele momento. Pelo menos era o que ela queria, desejava poder congelar o tempo e ficar ouvindo a voz grave e direta do rapaz em seu ouvido lhe dizendo que ela era linda como nenhum outro o fizera antes, não naquela escola, não nessa vida.

Adrian esperara por mais de trinta segundos sem qualquer resposta.

—Nathalie? Ainda está aí? – indagara no outro lado da linha.

—Eu…? Ah, sim, estou aqui. Me desculpe, por favor – dissera ela, sentindo-se envergonhada mesmo pelo telefone – É que me pegou de surpresa, confesso que não havia escutado isso de ninguém desde que me mudei para essa cidade e para a escola e fiquei sem jeito.

—Me desculpe por isso… – respondera o rapaz – Não era minha intenção constrangê-la. Com certeza muitos pensam o mesmo que eu, mas como você é uma menina quieta e séria, creio que a maioria tem medo de se aproximar. Por isso não dizem nada.

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