3 - Recepcionados

A limusine parou, meia hora depois, na frente da mansão de Muriel. Uma das muitas casas que ele tinha no país.

A casa era três vezes maior que a minha. Era toda branca com pilares altos, uma escadaria larga cheia de vampiros novatos que estavam ali trabalhando de guarda. Todos eles vestiam ternos simples pretos.

Um deles abriu a porta da limusine e eu saí primeiro. Alec veio atrás de mim e passou a mão sobre o paletó preto, respirando o ar puro.

Ele deu o braço para mim e começamos a subir a escada. Benjamin saiu com a limusine enquanto outros convidados chegavam atrás deles. Meus saltos faziam barulho na escadaria de pedra recém reformada. Entramos dentro da casa e uma mulher usando um vestido justo tirou meu sobretudo e o pendurou na parede atrás dela, fazendo uma leve mesura para mim.

Me senti nua estando com os ombros despidos. Eu não estava com frio, mas os olhares dos homens na minha direção me faziam parecer que eu tinha ido até ali apenas de lingerie.

Alec deu o braço para mim, mesmo que não fosse necessário ali dentro.

Ele me olhou nos olhos e sorriu. Senti que ele queria me proteger dos homens ali, para que eles não achassem que eu estava disponível.

Meu melhor amigo e irmão era a melhor pessoa do mundo.

À esquerda do hall ficava o salão de baile, à direita ficava as escadas para o segundo andar, o escritório e biblioteca embaixo da escada. Vários convidados já haviam chegado, mas poucos estavam no hall. A maioria estava no salão de baile, se reunindo em grupos para conversar.

Alec e eu fomos para o salão. Assim que entramos, vários rostos se viraram na nossa direção. Eu queria me esconder, pela primeira vez na vida, pois não gostava de ser o centro das atenções. Aquele vestido vermelho chamava mais atenção do que qualquer outra coisa naquele baile.

Ninguém mais usava vermelho.

As mulheres que me encaravam com o cenho franzido e as sobrancelhas arqueadas usavam vestidos escuros, alguns eram pretos, outros verdes e azuis, mas todos em tons escuros.

Os vestidos eram lindos, mas não chamavam atenção por sua cor.

Me senti desconfortável, mas sem demonstrar isso. Mantive minha cabeça erguida e os braços relaxados.

Alec se afastou de mim por alguns segundos e voltou com duas taças de champanhe.

Nós vampiros não conseguíamos comer comida humana pois nossos estômagos não conseguiam digerir o alimento. Mas em relação às bebidas alcoólicas, podíamos beber o quanto quiséssemos, pois nosso organismo aceitava o álcool e podíamos até ficar embriagados, mas precisávamos beber mais que os humanos para conseguir esse feito.

Alec me entregou a minha taça e ficou do meu lado no canto do salão. Enquanto bebíamos nossas bebidas, algumas mulheres humanas tocavam uma melodia no canto do salão.

Obviamente elas estavam hipnotizadas para não se lembrarem de nada do que acontecesse na festa, então ninguém precisaria se preocupar com elas, mas também ninguém poderia se alimentar delas.

Muriel desaprovava isso.

As musicistas eram suas convidadas tanto quanto nós. No final da festa, elas não se lembrariam de nada e voltariam para suas casas com os bolsos cheios de dinheiro. Muriel era generoso em alguns aspectos.

Naquela noite havia uma violoncelista, uma violinista, uma harpista e uma pianista. Todas eram mulheres lindas, de descendências diferentes, suas melodias eram clássicas de tempos antigos, dos quais eu recordava.

Na primeira canção, a pianista estava descansando enquanto as outras meninas tocavam seus instrumentos.

Os vampiros ali eram antigos e gostavam de ouvir músicas das suas épocas. Muriel sabia disso e se certificava de que músicas de várias épocas diferentes tocariam em seus bailes.

Era belíssimo quando a canção certa era tocada e os vampiros eram lembrados de boas épocas, enquanto iam para o meio do salão para dançarem as músicas tradicionais.

Alec e eu havíamos dançado várias vezes naquele salão e eu nunca me cansava daquilo. Quando estávamos ali, entre amigos e conhecidos de longa data, era como se não estivéssemos mais no século XXI. Nos transportávamos para séculos antes e nos sentíamos jovens novamente.

Eu não me sentia mais a vampira de 518 anos de idade. Eu voltava a me sentir a mulher de vinte e três anos que era quando Muriel me transformou. Aquela pobre humana que não sabia da existência dos vampiros, nem sabia da beleza da imortalidade.

Por mais que Alec se misturasse muito bem com os jovens de do século XXI, quando ele estava nessas festas ele também mudava. Meu amigo poderia ter 342 anos, mas ali dentro ele era como qualquer um, aparentando estar em sua época.

Ele havia sido transformado por Muriel quando tinha vinte e sete anos. Isso foi no ano de 1707.

Sua aparência era mais velha que a minha, mas ainda assim eu tinha 176 anos a mais que ele.

Já Muriel, havia sido transformado quando tinha trinta e cinco anos, em 1048. Ele era o vampiro mais velho que eu conhecia. Eu não sabia quem o havia transformado, nem quando foi que os vampiros surgiam, só sabia que Muriel era como um rei para nós.

E um pai para mim.

Eu ainda não o tinha visto no salão de baile, mas sabia que ele faria uma entrada espetacular, como sempre.

Alec e eu ficamos conversando, ouvindo a melodia e vendo nossos amigos dançarem.

Alguns minutos se passaram até que uma música da minha época começou a tocar. As musicistas estranharam as partituras antigas, mas tocaram lindamente aquela canção. Alec reconheceu a música e tirou a taça da minha mão, entregando à um vampiro novato que estava trabalhando de garçom naquela noite.

Alec me puxou para dançar. Eu sorri e segurei a sua mão, indo para o meio do salão, onde outros vampiros já faziam pares para iniciar a dança.

Nos afastamos, fizemos uma mesura e então nos aproximamos, erguendo nossas mãos.

Eu já tinha dançado aquela música com meu pai, na minha antiga casa, quando era humana. E a mesma música havia sido tocada no meu primeiro baile, onde eu dancei com o primeiro amor da minha vida cujo nome eu não lembrava mais. Seu rosto estava vívido na minha mente, tanto quanto os passos daquela dança.

A mão de Alec tocou as minhas costas e eu fechei os olhos um momento, ouvindo a risada de uma das minhas irmãs, vinda de perto da lareira.

Meu pai estava me ensinando a dançar naquela noite, eu era uma criança, e ele era compreensível comigo.

Minha mãe, ao contrário do meu pai, gritava comigo cada vez que eu ria, mandando eu prestar atenção no que estava fazendo. Se eu não a obedecesse, levaria chicotadas atrás dos joelhos.

Então era obrigada a ficar séria, mesmo meu pai estando com um grande sorriso nos lábios na minha frente. Ele me ensinou mais alguns passos antes de me soltar e pegar uma de minhas irmãs no colo.

A lembrança se desfez e logo eu estava na casa de Muriel novamente. A dança ainda estava na metade. Alec me girou, segurando a ponta de meus dedos enquanto sua mão deslizava ao redor da minha cintura.

Nossos corpos se juntaram novamente e depois nos separamos, trocamos nossos parceiros de dança e um homem robusto tomou o lugar de Alec comigo. Ele tinha olhos negros e quinze centímetros a mais que eu. Sua barba era grossa, mas bem desenhada em seu rosto.

Ele me conduziu lindamente, sorrindo para mim, olhando apenas em meus olhos, mesmo que meus peitos gritassem por sua atenção.

Ele foi um completo cavalheiro e logo eu voltei para os braços de Alec.

A música acabou.

Nos separamos e fizemos uma mesura.

Alec estendeu a mão, para que saíssemos do meio do salão juntos. Mas um homem se meteu entre nós.

Ele estava virado para mim e olhava em meus olhos. Sua aparência o fazia parecer que ele era mais jovem que eu, mas eu o conhecia, e sabia que ele era duzentos anos mais velho, mesmo que tivesse um rosto de um jovem de dezenove anos.

Seu nome era Browen. Ele tinha cabelos castanhos claros e um belo sorriso. Mas ele não sorria naquele momento.

- Muriel requisita a sua presença na biblioteca – disse-me ele, fazendo uma mesura para mim e estendendo uma mão para me acompanhar.

Olhei para Alec ao meu lado. Ele soltou a minha mão e cruzou os braços, suspirando alto.

Eu sorri para ele e aceitei a mão de Browen, me retirando do salão com ele.

Algumas pessoas olharam para nós com curiosidade, mas não houve sussurros.

Browen me levou até a grande biblioteca de Muriel. Já na entrada via-se portas duplas brancas entalhadas à mão com maçaneta douradas. Ele abriu a porta para mim e apontou para dentro, se curvando. Eu entrei e ele fechou as portas atrás de mim.

Dentro da sala, eu fiquei rodeada por quatro paredes repletas de livros, organizados em ordem alfabética. Havia dois sofás grandes no centro, uma poltrona e um divã abaixo da janela, que tinha vista para o jardim.

Muriel estava ao lado do divã, de costas para mim. Estava com as mãos nos bolsos e parecia perdido em pensamentos. Eu fiquei parada admirando suas costas. Ele estava usando um smoking preto com colete por baixo.

Ele demorou alguns segundos para perceber a minha presença, vendo meu reflexo no vidro da janela.

Ele se virou para mim e abriu um grande sorriso ao olhar meu vestido. Eu levantei minimamente as laterais da saia vermelha e me curvei em respeito a ele.

Muriel veio até mim e colocou as mãos em meus ombros.

- Você está belíssima, como sempre – disse-me ele, olhando cada detalhe do meu rosto como se já não me visse a muito tempo.

Levantei as mãos e segurei seus bíceps musculosos.

- Olha quem fala. – Olhei em seus olhos verdes. – Assim que você entrar no salão, todos deixarão de perceber a minha presença.

Ele deu uma gargalhada antes de me abraçar forte.

Muriel era quinze centímetros mais alto que eu, mas com os meus saltos altos, ele só ficava sete centímetros a mais.

Ele se afastou e apontou para o sofá, querendo que eu me sentasse.

Nos sentamos lado a lado e ele ficou me observando por alguns segundos. O sorriso em seu rosto diminuiu até quase desaparecer e seus olhos escureceram, me deixando temerosa.

Eu nunca o tinha visto daquele jeito e aquele silêncio estava me assustando.

- Aconteceu alguma coisa? – perguntei, sem conseguir ficar quieta.

Ele piscou rapidamente e desviou os olhos por um momento. Depois se levantou e foi até um canto, onde havia uma mesa com uma bandeja de prata e três garrafas de uísque.

Ele serviu dois copos e trouxe um para mim. Se sentou novamente do meu lado e olhou em meus olhos.

- Alena, você sabe que eu te amo muito, não sabe? – ele me perguntou, franzindo o cenho.

Segurei o copo com as suas mãos e assenti com a cabeça.

- Eu sei disso Muriel. E eu também te amo muito – falei, com um pequeno sorriso nos lábios. – Você é como um pai para mim.

Ele suspirou.

- E você é como uma filha. E é muito preciosa para mim.

Ele ergueu uma mão e passou delicadamente na minha bochecha.

- Sabe que eu nunca faria nada para te ferir, não é?

Meu coração acelerou no peito com o medo daquelas palavras.

- Eu sei disso – concordei.

Muriel havia cuidado de mim desde o momento em que nos conhecemos em 1527. Eu sabia que ele sempre cuidaria de mim.

Ele me dava as casas para morar, escolhia as cidades e me mandava uma humana a cada cinquenta anos para ser nossa governanta. Ele havia conseguido bolsas de sangue quando eu havia decidido que não queria mais me alimentar direto da veia de um humano, e me entregou cinco humanos em domicilio quando eu percebi que essa ideia era muito idiota.

Ele era como o meu pai, só que ainda melhor.

Por mais que ele fosse atraente e eu já tivesse dado em cima dele pelo menos cinco vezes desde que ele me transformara, Muriel sempre me respeitara e me dissera que nunca dormia com aquelas que ele transformava.

Disse que no momento em que o sangue dele começou a correr pelas minhas veias, eu havia me tornado filha dele, e que nada de romântico aconteceria entre nós.

Naquele momento, ele estava querendo que eu me lembrasse de tudo isso.

Ele bebericou sua bebida antes de voltar a falar:

- Eu soube que você ainda não teve um filho. – Ele ergueu as sobrancelhas, mas ouvi seu coração bater forte em seu peito quando me viu assentir com a cabeça.

Ele engoliu em seco.

Olhei para o meu copo ainda intocado e me senti nervosa com o rumo que estava tomando aquela conversa.

- Você pretende ter um filho algum dia? – perguntou-me ele.

Antes de responder à pergunta eu tomei um gole do uísque para ganhar tempo.

Olhei em seus olhos e forcei um sorriso.

- Eu acho que ser mãe não é para mim.

Aquela ideia havia saído da minha cabeça no momento em que eu me transformei. Mesmo sendo vampira, eu sabia que ainda poderia engravidar, de um humano ou de um vampiro, não importava, o bebê nasceria igual a mim. Mas ver meu corpo mudar e depois trazer ao mundo uma nova vida parecia estranho demais para mim.

Eu acreditava que isso seria mais fácil se algum dia eu me apaixonasse por alguém, se talvez eu me casasse e fosse feliz para sempre, igual eu via nos filmes românticos no cinema.

Mas com meus 518 anos de idade, aquilo não fazia mais sentido para mim.

- Se eu lhe pedisse isso, você teria um filho por mim? – ele perguntou com a mão em meu ombro.

Eu afastei sua mão de mim e me levantei depressa.

- Com você? – perguntei, aumentando o tom de voz.

Para a minha sorte, a sala era à prova de som e ninguém do lado de fora conseguia nos escutar.

Muriel se levantou também, negando com a cabeça.

- Não. Comigo não – disse ele olhando para o copo em sua mão. – Seria com... outra pessoa.

Pisquei forte para garantir que eu não estava sonhando. Virei o uísque goela abaixo e coloquei o copo sobre a mesinha de centro ao nosso lado. Me virei de costas e esfreguei os braços.

- Eu não sei – falei, sendo sincera. – Quando eu era humana eu pensava nisso, mas depois que eu me transformei, eu encarei a realidade de que isso nunca poderia acontecer.

Fiquei olhando nossos reflexos no vidro da janela.

Eu não queria ter que tocar naquele assunto naquele momento e queria ter bebido um pouco mais antes de ter aquela conversa com Muriel.

Ele deu dois passos na minha direção.

- Mas seu corpo pode fazer isso se você querer. Você tem a habilidade de engravidar.

Ele falava como se aquilo fosse um milagre.

De certo ponto de vista, era um milagre sim.

Tecnicamente os vampiros estavam mortos, mas nossos corpos funcionavam perfeitamente. Não íamos ao banheiro porque não comíamos e o nosso corpo digeria todo o sangue que ingeríamos. Mas nosso útero funcionava. As mulheres podiam ter filhos. Com os homens era um pouco mais complicado, e dificilmente conseguiam ter mais do que um filho, mesmo sendo com mulheres diferentes.

Nosso corpo era estranho e ninguém conseguia entende-los.

- Mas isso é errado. – Eu me virei para Muriel e senti seus olhos me analisarem. – Eu acredito que nós vampiros não deveríamos procriar. Já vimos o que isso causou a centenas de anos atrás. Por culpa da nossa habilidade começou a guerra.

Ele revirou os olhos e colocou seu copo junto ao meu.

- Eu sei. – Ele veio até mim e segurou a minha mão. – Mas não pense na guerra ou no que aconteceu a centenas de anos atrás. Pense no agora. Na nossa família. No nosso futuro. Se eu lhe pedisse, você teria um filho?

Era estranho ele estar tocando naquele assunto depois de quase quinhentos anos.

Suspirei e lhe dei uma resposta sincera de coração.

- Sim. Eu faria isso por você.

Eu faria qualquer coisa por ele, ainda mais depois de tudo o que ele já havia feito por mim.

Seus olhos se encheram de lágrimas e ele me abraçou. Foi estranho.

Era a primeira vez que eu o via chorar.

- Obrigado, Alena. – Ele beijou meu pescoço delicadamente. – Eu te amo muito por isso.

Nos afastamos e eu olhei em seus olhos. As lágrimas já haviam secado, mas seus olhos estavam vermelhos.

- Eu também te amo.

Ele sorriu e apertou as minhas mãos com delicadeza.

- Bom, volte para a festa e divirta-se. – Ele beijou as dobras dos meus dedos sem tirar os olhos dos meus. – Em breve chegarão os convidados de honra.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo