Capítulo Sete

Depois da tristeza vem a alegria,

Depois da alegria vem a tristeza.

Estamos sempre na instabilidade entre a esperança e o medo.

John Owen

Valentina ficou extremamente incomodada por ser a única mulher assentada á mesa. Vez e outra observava outras madames, certamente esposas dos executivos, reunidas numa espécime de roda alguns metros de distância. E tinha Refourld que traduzia os diálogos para ela e Theo quando o príncipe falava em árabe, afinal, alguns dos poderosos ali levaram também um intérprete.

— Hã...por quê as esposas deles não ficam aqui também? — Valentina perguntou para Theo em tom de voz baixo.

— Por que só atrapalhariam.

— Sério? Me sinto deslocada aqui.

Theo arqueou a sobrancelha, colocando uma das mãos sobre a coxa dela.

— Vamos embora antes do evento terminar.

Disfarçadamente ela afastou o toque dele. Pegou um aperitivo servido pelo garçom, apreciando a leve massa recheada. Escolheu um coquetel de frutas por não ingerir álcool por opção própria.

Almir, vez ou outra, mirava a jovem quando dirigia alguma palavra à Theo. Analisava disfarçadamente os movimentos delicados dela ao segurar a taça, talheres e até no gesto de levar a comida à boca. Aproveitou quando o celular de Theo tocou e o mesmo saiu para atender. Todos conversavam entre si avidamente, alguns persistindo elevando o tom de voz nos momentos de discussão.

Mas a águia perspicaz apreciava sua caça, aproveitando estar perto dela, mudou para a cadeira ao lado sem considerar os observadores de plantão.

— Então, Valentina. É a primeira vez que está conhecendo meu país? — Ela o olhou, espantada.

— Sim, senhor... — Franziu a testa, a língua coçando para satisfazer a curiosidade. — Se me permite perguntar...como aprendeu a falar tão bem o português?

Almir sorriu, revelando a fileira de dentes brancos perfeitos.

— Na adolescência morei no Brasil junto com minha mãe durante cinco anos. Tive ótimos tutores.

— E aonde estão seus pais? — Questionou, inocentemente.

— Meu pai adoeceu e minha mãe... morreu.

— Eu sinto muito.

— É a vida, Valentina. Ele se apaixonou pela brasileira e acabei saindo mestiço.

Ela acenou com a cabeça, desviando os olhos dele para o centro do salão, enquanto levava a borda da taça de coquetel de frutas aos lábios.

— Sabe, se você quiser vir uma próxima vez pode comparecer ao palácio Abdu. Será um prazer te recepcionar.

Valentina fez uma expressão confusa no rosto, encabulada por aquilo ter soado um flerte. Avistou Theo retornando com uma expressão raivosa estampada no rosto. Percebeu que ele estava tenso demais — distante dali.

— Obrigada, alteza.

Ele estava sendo literalmente ignorado por ela. Ele, atraía todos os olhares mas aquela jovem não mostrava interesse algum.

— Pode me chamar de Almir, eu não ligo. Bom, preciso conduzir um breve discurso. Foi muito bom conversar com você, jawhrat jamila (bela jóia) — Declarou Almir, levantando-se da cadeira. Antes, esboçou um sorriso deslumbrante para Valentina sem importar com o marido dela se aproximando.

— Tão rápido assim? — Rosnou Theo, fuzilando o árabe que acabara de subir no palanque.

— O quê? — Ela franziu o cenho, notando Refourld escutando a discussão.

— És cega, mulher? Este árabe te paquera na maior cara dura e você não diz nada?

— Foi você quem disse para eu me manter calada durante o evento. —Revidou ela, sentindo uma enorme vontade de estapeá-lo. — Por que não vai reclamar com ele, então?

Theo emudeceu, sob alguns olhares curiosos dos convidados. Para disfarçar a tensão, contornou seus ombros, aspirando o perfume no pescoço dela e sorrindo ao vê-la arrepiar-se pelo toque.

— É melhor não me provocar, meu brinquedinho de estimação ou te punirei do jeito que eu gosto. Agora, sorria e me beije. —  Sussurrou ele, fazendo carícias circulares no braço da garota.

Valentina estremeceu por dentro, reparando no príncipe que iniciou o discurso. Temerosa, virou-se e apenas selou seus lábios rapidamente. Theo queria um beijo aprofundado, mas conteve-se. Fitou Almir de volta, ansioso para tudo aquilo terminar, logo.

— Tem certeza que não vão ficar até o final? Eu posso reservar no meu palácio um quarto para vocês. — Almir retribuiu o aperto de mão ao receber parabenizações de Theo.

— Agradeço pelo convite mas não será possível. — Respondeu Theo. — Valentina e eu precisamos acertar algumas responsabilidades pessoais.

— Ah, sim. — O olhar penetrante dele fixou na figura feminina outra vez. — Que Alá me abençoe com a mesma sorte que te abençoou.

Valentina sorriu sem mostrar os dentes, notando os músculos de seu marido retesarem. Theo soltou uma risada nervosa, daquelas usadas em linguagem figurada que traduzia: "tira o olho, miserável."

— Certamente sou abençoado por isso.— Disse ele, apertando mais um pouco a cintura dela. — Valentina é minha razão de viver.

Almir arqueou a sobrancelha, capturando no "ar" a provocação clara do homem. Ele o estava alertando para parar de cobiçá-la.

— Meus parabéns pelo novo projeto inaugurado. — Interveio Valentina para dissipar a tensão. — Fico feliz por ter firmado várias parcerias.

— Estou lisonjeado. — Exibiu o sorriso sedutor. Virou-se para o rapaz que mantinha a carranca no rosto. — Sua esposa não é igual as outras. És um homem de sorte.

— Claro que sou.

Sabendo que o bilionário estava irritado, Almir continuou conversando por pouco período de tempo até vê-los se retirarem do salão junto com Refourld e seus olhos sagazes gravarem pela última vez todos os detalhes físicos dela — deveras, ela era muito mais que um belo conjunto de curvas, pensou consigo.

"Oi, Jonas, não pude te responder antes. Depois você me manda aquelas indicações de livros no ramo da psicologia."

Ela apertou a tecla "enviar" e mandou outra mensagem para Luna. Observou Theo adormecido profundamente, reclinado na poltrona do avião. Refourld também dormia longe deles. Sua atenção voltou-se para o marido, lembrando-se de ter sido chamada: brinquedinho de estimação. Raivosa, sentiu as veias expostas no dorso das mãos. A cota de crueldade dele só aumentava. Mesmo sendo um monstro o cretino era lindo. Não iria ceder à esses pensamentos. Do quê adiantava uma bela estética e a alma podre?

Tirou os olhos dele quando o celular vibrou, iniciando uma chamada insistente. No visor, era o pai. Franzindo a testa, ficou preocupada se algo tinha acontecido com sua família.

— Pai, vocês estão bem? — Notou que Theo remexeu na poltrona, mas permaneceu de olhos fechados.

A risada dele no outro lado da linha repuxou um sorriso dos lábios dela.

— Sim, minha princesa. Estamos bem. Só liguei porque eu e sua mãe estamos com muitas saudades. Quando virá nos ver?

— Estou voltando de uma viagem, pai. Podemos marcar um almoço no domingo. O que acha?

— Perfeito, filha. Imagino como deve ser a rotina de vocês. — Suspirou profundamente. — Queria voltar no tempo para consertar meu erro. Sei que isso é clichê...mas eu realmente estou arrasado por você estar passando por isso. Pelo menos ele te trata bem?

Valentina hesitou um pouco para responder. Estava entre a cruz e o punhal — impossível relatar as frequentes agressões e abusos sofridos pelo marido.

Mordeu o lábio inferior, encontrando com um par de olhos azuis emaranhados de névoa e tempestuosidade. Quase engasga com a própria saliva. Ele sempre fazia isso quando desconfiava de algo.

— Está tudo bem, pai. — Falou ela, nervosa pelo sondar do rapaz. — Preciso descansar, mas manda um abraço para a mãe, por favor.

— Mas...

Valentina percebeu a desconfiança dele.

— Eu te ligo mais tarde, tudo bem? Eu amo você e mamãe. Abraços.

— Também te amo. —  Ela encerra a ligação, desviando dos olhos de Theo.

— O que ele queria? — A voz rouca dele a fez revirar os olhos pra cima.

— Conversar. Domingo iremos almoçar na casa dele.

— Oh, sim. Meu sogro é tão atencioso. — Sorriu, irônico.

Valentina decidiu ignorá-lo, farta de tantas discussões.

— Valentina — Ele se levantou da poltrona e ocupou o assento do lado dela. A jovem respirou fundo, trincando o maxilar. — Olhe para mim.

— Por favor, Theo. Eu quero ficar em paz.

Indelicadamente, os dedos ásperos do mesmo forçaram o rosto dela para encará-lo.

— Aquele árabe mexeu com você. —  Acusou, destilando fúria através do semblante rígido.

— Você está delirando. Só estou pensando nos meus pais.

— Mentiras não me convencem, garota. Conheço esses árabes. Quando encontram alguma mulher bonita oferecem dinheiro para ser esposa deles.

Refourld parecia estar no terceiro sono. Nem com o elevar da voz grossa acordou.

— E por acaso você fala verdade, Theo?— Explodiu ela. — Está me confundindo com suas meretrizes. Eu sei muito bem que você satisfaz suas vontades longe dos holofotes e coloca uma máscara diante da mídia, fingindo ser alguém que não é.

Theo semicerrou os olhos, sabendo que era tudo verdade.

— Você disse que eu era sua garantia de pagamento. Isso te coloca no mesmo patamar que esses árabes ou qualquer outro insensível. — Valentina meneou a cabeça, demonstrando tristeza através dos olhos marejados. — Por que?

— Porque sempre consigo o que quero. — Sibilou, depositando uma das mãos na altura da coxa dela. — Nem Almir e nem ninguém vai te tirar de mim.

— Deus pode. Tire as mãos de mim e me deixe em paz. — Falou, afastando-se do toque ardiloso de Theo.

— Meu brinquedinho de estimação. — Disse ele, soltando uma gargalhada diabólica.

Valentina queria chorar de raiva, e fazê-lo sentir na pele o que era o sofrimento. Começou a remoer tremores internos, relembrando da noite que a marcou para sempre. Dramaturgo tinha um dispositivo de alarme preso no relógio de pulso. Quando vibrava uma vez e despontava uma luzinha vermelha, significava que o patrão havia chegado, detectado pelo sensor do lado de fora.

Prontamente, atravessou pela porta principal para recebê-los. Surpreendeu-se ao ver Theo sussurrar alguma coisa no ouvido da mulher e ela desferir um tapa no rosto dele.

— Isso é por você me chamar de brinquedinho de estimação e me desrespeitar. — Vociferou Valentina, correndo para dentro da casa sem cumprimentar o mordomo.

Aquela cena foi presenciada apenas por Dramaturgo e o chofer. Ele irou-se — jamais havia sido tratado daquela forma na frente dos empregados.

— Senhor, você está bem? — Manifestou o chofer, espantado.

— Sim. — A face dele ainda latejava. — Dramaturgo, leve as malas.

— Sim, senhor. — O homem se moveu para o veículo, atônito pela ousadia de Valentina. Nunca presenciou tal cena de uma mulher agir assim com seu chefe. Nem a ex dele que já foi humilhada várias vezes na frente dos empregados agiu assim — ela acatava tudo e ainda dizia amar o jeito bruto dele.

Valentina trancou-se dentro do quarto de hóspedes. A primeira porta que encontrou aberta, desejou esconder-se do monstro. Seu corpo inteiro tremia, mas não se conteve de ouvir as provocações ofensivas.

Batidas raivosas na porta a fizeram arregalar os olhos.

— Se você não abrir eu vou arrombar essa merda. — Arguiu, furioso.

Ela viu a suíte do banheiro e no desespero se trancou lá.

— Você vai se arrepender por isso. — Um silêncio instaurou-se, enquanto lágrimas rolavam pelo rosto dela.

— Deus, por favor... — Sussurrou, trêmula. O click da fechadura sendo destravada fez o coração da pobre garota acelerar intensamente. Os passos pesados no cômodo provaram a presença dele no lugar.

Quando ela escutou o mesmo click na fechadura próxima, encolheu-se perto da banheira.  A maçaneta girando, a madeira cedendo a passagem da temível figura assombrou-a terrivelmente.

— Você pode tentar se esconder de mim à vontade. — Sorriu, aproximando-se dela. — Mas tenho cópias de todas as chaves dos cômodos.

— Me deixe, por favor.

— Oh, querida. A brincadeira está apenas começando e eu vou assinar outra cota de punição para você, gatinha arisca.

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