Luna estranhou. Vinícius quase nunca mandava mensagem, muito menos ligava — e tantas vezes assim.
Ainda com essa dúvida na cabeça, voltou pra casa.
Assim que entrou, uma das empregadas sorriu, aliviada:
— Senhora, que bom que a senhora voltou! Esses dias, o Sr. Vinícius parecia enlouquecido. Nenhuma das comidas que a gente preparava agradava.
Luna entendeu na hora: ele só estava desconcertado porque não tinha mais a comida dela.
Mas cedo ou tarde ele teria que se acostumar. Afinal, ninguém mais ia passar horas estudando receitas só pra fazer o prato que ele gostava.
Tirou os sapatos, caminhou em direção à sala. Vinícius estava sentado no sofá, de sobrancelhas franzidas, o ambiente todo carregado. Um clima pesado.
Ao ouvir os passos, levantou devagar os olhos. Havia cansaço ali, um ar abatido. Mas assim que viu Luna, um brilho acendeu no fundo do olhar.
Levantou-se de repente, e falou com uma irritação mal contida:
— Onde você se meteu? Eu te liguei um monte de vezes! Por que não atendeu?
Luna se sentou no sofá com calma, antes de responder:
— Estava no hospital. Recebi alta hoje.
Vinícius congelou. Nos últimos dias tinha estado tão focado em cuidar de Camila que quase esquecera completamente do acidente.
Na hora, acreditou nas palavras de Matteo e achou mesmo que Luna estivesse fingindo, que era só drama por ciúmes.
Imaginava que, se tivesse se machucado, seria algo leve. Nunca pensou que ela estivesse doente de verdade… A ponto de precisar ser internada.
A culpa apareceu no olhar. Falou, num tom constrangido:
— Sobre aquele dia, você não ficou chateada, ficou? Eu não achei que fosse tão sério. A Camila… o problema dela podia ser fatal se não fosse tratada a tempo. Eu não tive escolha.
Luna escutou em silêncio. No fundo, sentiu vontade de rir.
Ela, cheia de ferimentos, com sangramento e uma concussão… E ele simplesmente não viu.
Mas Camila, com uma simples fobia de sangue, virou caso de vida ou morte.
Ainda assim, não demorou para Luna aceitar. As pessoas têm preferências. E amor também tem os seus alvos.
No fim das contas, ela e Vinícius eram apenas um contrato. Nada mais.
— Tá tudo bem. — Respondeu ela, de forma neutra.
Estava prestes a se levantar quando ele reparou no maço de folhas nas mãos dela e perguntou:
— Desde quando você se interessa por escrita?
As palavras de Vinícius deixaram o olhar de Luna ainda mais frio. Todo ano, no aniversário de casamento, ela escrevia um poema para ele. Mas Vinícius nunca deu importância. Jogava no quarto de bagunça junto com as coisas que não usava. É claro que não sabia que ela escrevia.
— Foi só um rascunho. — Respondeu, com indiferença.
Vinícius não insistiu. Apenas a observou por um instante, antes de dizer:
— Esses dias, mal consegui comer. Tô com vontade daquele seu porco apimentado. Aquele com pimentão que você sempre faz.
Luna apontou para a geladeira:
— Não tem mais ingrediente.
Vinícius hesitou por um segundo e logo se adiantou:
— Eu vou com você no mercado, então.
Mal terminou a frase, Camila desceu as escadas com uma mala na mão.
Logo em seguida, Matteo também apareceu. Agarrou a mão de Camila com o rosto cheio de tristeza:
— Camila, você não pode ir embora! O papai e eu vamos sentir muito a sua falta!
— Não fica assim, Matteo. A gente vai se ver de novo hoje à noite, na festa de fim de ano, lembra?
Camila voltou a conversar com Vinícius como se nada estivesse fora do lugar.
Matteo puxou o pai pela mão, ansioso:
— Papai, para de ficar parado! Vai logo levar a Camila!
Vinícius hesitou. Olhou para Luna e começou a falar:
— Mas é que eu…
Não terminou. Luna o interrompeu com calma:
— Vai com a Srta. Camila. Ela precisa de você.
O coração de Vinícius disparou. Inseguro, puxou Luna alguns passos para longe.
— Luna. Que tal a gente ir pra Hokkaido neste inverno? Nós três. Você, eu e o Matteo.
O tom era raro, suave, quase gentil:
— Você sempre disse que queria conhecer a neve de lá. A gente podia ir juntos, como uma família.
Luna olhou por cima do ombro dele, na direção onde Camila e Matteo riam juntos, trocando carinhos como se fossem mãe e filho de verdade.
Então respondeu com suavidade:
— A gente vê depois.
Afinal, ela já estava de partida. Não haveria mais “depois”.
Matteo chamou o pai, impaciente, mandando ele entrar no carro.
Vinícius ainda parecia inquieto, mas mesmo assim, subiu ao volante, hesitante.
Luna permaneceu ali, parada, olhando o carro se afastar.
Depois, lançou um olhar breve para o calendário. Sorriu de leve.
Depois desta noite, estaria finalmente livre da família Montez.