A mesa favorita

Bom dia. Não estranhe minha ausência, saí cedo (não sei que horas você lerá isso) para um passeio sem destino em mente, quem sabe eu consiga alguma inspiração?”. 

Giulia havia escrito num bilhete que deixara no criado-mudo para caso de Robert acordar antes de sua chegada. Ela saiu com o notebook contra o peito, mordiscou o lábio inferior, sentia que apesar de o sol aquecê-la, as sombras podiam fazer frio, uma vez que ainda se tratava do início da primavera.

Após andar por algumas vielas sem nem ao mesmo saber onde estava e ver casas tão parecidas umas com as outras, Giulia decidiu pegar um Táxi barco. Batucava as pontas dos dedos contra a bolsa que guardava seu notebook enquanto olhava para tudo ao redor, ainda se sentindo sonolenta, pois era cedo. Com esse pensamento bocejou discretamente.

Quando seu estômago se revirou, Giulia sabia que o suco gástrico o corroía as paredes podendo isso significar uma única coisa: fome. A partir de então ela tinha um destino, embora não fosse tão específico assim.

Não foi muito seletiva, o primeiro Café que encontrou por seu caminho estava de bom grado se significaria dar um jeito em sua fome. Contudo, Giulia parou diante do estabelecimento por um tempo e o observou.

Uma placa com letras cursivas e charmosas informava:“il tuo caffé". Havia algumas belas plantas ornamentais, o lugar parecia estar ali há muitos anos, soava atrativo como a voz melancólica das belas damas em Cabarés soava atrativa para aqueles em busca de boa música e estética visual.

Ao entrar, Giulia percebeu que seu tom mantinha o ar rústico, o balcão ficava à esquerda e próximo a ele, havia banquetas cubanas convidando aqueles que gostariam de degustar seu pedido no balcão. 

À direita, porém, estavam as mesas redondas, assim como as cadeiras, feitas de madeira. Na parede ao lado das mesas, havia alguns quadros de arte abstrata. O ambiente remetia aconchego, Giulia observou as mesas com cuidado e decidiu pela última e mais discreta ao fundo, para sua sorte estava vazia. Algumas pessoas conversavam enquanto sentadas em banquetas cubanas, outros ocupavam as mesas. Giulia passou pelas pessoas concentradas em seu próprio desjejum e sentou-se à tal mesa.

Pôs a bolsa com seu notebook sobre ela, tentou recapitular em sua mente todas as belezas que viu antes de chegar ali, suspirou, não era possível que coisas tão belas não pudessem inspirá-la! Pensou irritada e logo um rapaz apareceu ao seu lado com um sorriso preguiçoso e uma postura meramente invertida.

Giulia compreendeu que ele estava pronto para anotar seu pedido e então ela rapidamente pegou o cardápio, deslizou seu olhar pelas opções e conseguiu distingui-las, mas olhou para o rapaz novamente com um sorriso sem graça enquanto ele a fitava com silenciosa expectativa.

— Non parlo italiano. — Giulia disse hesitante e o rapaz parecia esperar por aquelas palavras. — Eu moro no Canadá. — Ela completou em Inglês e ele novamente não se mostrou surpreso.

— Okay. — Pietro disse com um sorriso torto em seus lábios finos, Giulia tinha certeza de que seu cabelo estava mais bagunçado do que realmente deveria. — Tenho que saber falar nem que seja um pouco de cada idioma dos turistas que vêm aqui. — Ele disse como se fosse óbvio, pois de fato era, Pietro tinha alguma dificuldade de pronúncia em seu inglês, mas sabia exatamente o que estava falando e Giulia sentiu-se grata por isso. — Já sabe o que pedir? — Ele perguntou num tom mais sério e Giulia rapidamente desviou o olhar para as opções em suas mãos novamente e não se demorou para descobrir o que pediria.

— Eu quero um frappccino e uns dois pares de brownies. — Ela respondeu enquanto Pietro rapidamente tomava suas anotações com uma letra pouco cursiva, mas cursiva o bastante para se fazer entender.

— Ótimo pedido. — Pietro disse recebendo um meio sorriso de Giulia, quando ele se foi, ela percebeu que uma criança a encarava como se estivesse em constante tédio ao lado de duas pessoas que deviam ser seus pais e conversavam de maneira descontraída e alheia.

Ela desviou seu olhar da garota fingindo que nem ao menos sabia da sua existência e tirou seu notebook da bolsa, a garota pareceu curiosa. Giulia ligou o notebook, por cima dele pôde ver que a garota ainda a olhava com atenção, então decidiu sorrir para ela. 

Esse gesto parecia ser o que a garota precisava para voltar a atenção para os pais novamente e em seguida para os outros estranhos que estavam ao redor.

Giulia encarou o espaço em branco na tela do notebook, tamborilou as pontas dos dedos de sua mão direita na mesa. Não tinha ideia alguma e isso não passava de um fato. 

Antes que continuasse se torturando pelo óbvio, seu pedido chegou e tinha um cheiro de incitar qualquer fome. Ela sorriu satisfeita ao sentir o cheiro enroscar-se sorrateiramente em seu nariz e então percebeu que o senhor careca, baixo e rechonchudo que ficava detrás do balcão, a olhava com expectativa.

— Não se assuste com ele, está apenas querendo saber se você provará. É Dante, o dono do il tuo caffé, ele gosta de ver a reação dos clientes ao provarem da comida aqui pela primeira vez.

— Eu presumo que ele deve fazer isso muitas vezes. — Giulia respondeu referindo-se ao fato de que o Café dificilmente devia ter dias vazios e Pietro deu um sorriso maior que deixou seus dentes a mostra.

— Com certeza. — Foi tudo o que disse antes de se afastar novamente por estar de olho no possível pedido de um homem de barba grande e cabelo acima dos ombros que havia acabado de entrar no local.

Giulia voltou o olhar para seu café da manhã e ignorou qualquer espaço branco na tela de seu notebook que fosse e começou por seu frappccino. Ignorou também o fato de que Dante estava provavelmente olhando-a, e derreteu-se com o sabor da bebida se espalhando por sua boca.

— Hmm. —  Ela fizera um som que podia parecer algum tipo de ronronar e começou a se sentir revigorada, partiu para os brownies com igual satisfação e nem se quer percebeu o sorriso largo e satisfeito de Dante.

Ao voltar para casa, Giulia encontrou café da manhã para ela feito por Robert. Os dois haviam feito compras no dia anterior.

— Eu sabia que você tomaria café da manhã por aí, mas como eu raramente faço café da manhã… deixei um pouco para você. — Ele justificou-se, Robert sabia fazer apenas panquecas e omelete, ou talvez ele soubesse fazer mais coisas se tentasse, mas nunca estava disposto a sair da zona de conforto e o fato de não haver necessidade o encorajava para isso.

Giulia falou por onde andou e comentou que andou por lugares que nem mesmo sabia onde eram e o viu rir de sua pequena aventura, disse que o marido tinha razão e que as coisas em Veneza eram caras, ela falou isso lembrando-se do táxi barco principalmente. 

Ela pensou em comentar sobre o il tuo caffé, mas gostou da ideia de aquele lugar ser seu pequeno segredo em Veneza para o qual ela agora se sentia disposta a escapar todas as manhãs para fazer seu desjejum enquanto por ali estivessem.

Naquele mesmo dia, Giulia e Robert continuariam sua visita por alguns pontos turísticos e como sempre os encantos que vinha após a surpresa davam lugar aos seus rostos. 

— Você acha que poderíamos morar aqui? — Robert perguntou enquanto olhava para baixo e de cima da torre do Campanário.

Giulia também prestava bastante atenção nas vistas oferecidas pela torre, porém aquela pergunta desconectou-a de qualquer espécie de encanto que Veneza pudesse estar a oferecendo.

— Você fala numa realidade alternativa? — Ela indagou sem olhá-lo, houve um resquício de risada irônica. Robert sentiu as coisas entre ambos pesarem de uma forma que ele não havia previsto ou até mesmo calculado antes de fazer tal indagação.

— Você sabia que Galileu Galilei apresentou seu telescópio para o governante de Veneza nessa torre? — Ele mudou rapidamente de assunto sem nem ao menos saber se deveria fazê-lo por não saber lidar com a situação na qual ele mesmo se meteu.

Giulia então o olhou e ele preferia que ela não tivesse o feito, seu olhar estava sério assim como sua expressão, ela o olhava no fundo dos olhos como se quisesse que ele sentisse vergonha de se ver no reflexo de seus profundos olhos cor de mel. Apesar de saber que esse não era o intuito dela, Robert sentia-se desconcertado.

— Sim. Eu sei. Eu pesquiso as coisas como você Robert. — Ela disse em resposta e era sabido tanto por Robert quanto pela própria Giulia que ela o fazia, era sabido que Robert comentava curiosidades dos pontos turísticos os quais estavam vendo por não se segurar e ter de fazer um proveito verbal de suas pesquisas, era sabido que Giulia, apesar de não o rebater também tinha suas pesquisas. E, por tanto, o comentário não fora capaz de livrá-los daquele momento desagradável.

— Oh, bem. Como esperado de você, é sempre precavida. — Robert comentou desconfortável e de repente aquela vista já não era capaz de fazer milagres com seu humor.

— Você está sempre fazendo isso Robert. Está sempre me dizendo coisas óbvias, como quando você disse que me traiu e agora está me dizendo coisas que eu também pesquisei. — Seu tom duro de voz fez com que Robert vacilasse em seu olhar.

— Eu pensei que houvesse superado isso. — Ele respondeu após um breve silêncio e como se estivesse falando consigo mesmo, ainda que pudesse ser ouvido.

— Você quer saber o que eu senti quando você ficou desleixado com suas traições? Quando eu descobri? — Robert apertou a barra de seu casaco com as mãos e as pontas de seus dedos se esbranquiçaram. Ele já não sabia como agir e nem mesmo sabia como tudo havia chegado aquele ponto, aquela conversa em Veneza!

— Eu me senti aliviada porque você não me procuraria mais na cama e nós não teríamos de fingir que estávamos gostando de um sexo feito por obrigação, porque nós nem nos amávamos mais. E sabe porque você não se incomodou com isso? Porque nós não nos amávamos mais! É isso que nós somos hoje: Esses amigos adoráveis, pelo menos entre nós. Então sim, Robert. Eu sei. Eu sei quando tudo está implícito entre nós, eu sabia das traições, como sei das curiosidades dos pontos turísticos e sei que você vai morrer então não venha me falar de morar em Veneza porque eu estou tentando lidar com o fato de nunca mais ter você… — Sua voz tão firme tremeu na metade de seu desabafo e embargou em sua última frase de forma que parecia que seu fôlego havia sido tomado dela mesma.

Antes que Giulia pensasse em se recompor, Robert a puxou para um abraço forte e como se aquilo fosse tudo o que ela precisava, agarrou-se imediatamente abraçando-o de volta e deixando seu rosto contra seu peito. 

— Me desculpe. — Ele pediu com mansidão, sussurrando para que apenas ela ouvisse.

— Eu sei que é difícil e para mim também é. — Robert tinha suas preocupações voltadas para Giulia, e quando ele fosse? Se perguntava constantemente, inclusive algumas vezes no silêncio de uma madrugada enquanto ela dormia ao seu lado, às vezes com seu rosto voltado para ele, às vezes de costas e sempre envolta demais em seu sonhar, muito provavelmente por estar mais cansada como um todo do que com sono.

Ela sempre respondia “Eu tenho meu trabalho”, mas que vida seria essa? Ali, em Veneza, vendo todas aquelas maravilhas ao seu lado e tendo aquela experiência rica, Robert se pegava constatando que Giulia merecia viver mais daquela forma, ter mais daquelas experiências, no entanto, mais do que tudo isso Giulia merecia se apaixonar outra vez.

Porém não como se apaixonou por ele, bem, sim, só não podia acabar como seu amor acabou: morno e convertido numa amizade cordial. Giulia precisava amar, precisava sentir todos os sintomas da paixão, progredir para o amor e sentir algo mais forte e profundo do que sentiu por ele.

Robert, contudo, não sabia se estava certo nesse pensar como um todo, uma vez que isso fazia parecer que todos precisam de um amor na vida para viver bem. Entretanto, Robert não queria pensar em todos, pensava apenas em Giulia e se pegava sempre se dizendo mentalmente: “Ela devia amar novamente e mais intensamente”.

Apesar de saber que para a própria Giulia, ela sempre se bastaria o suficiente e não precisava de suportes para estar bem. Ambos mantinham suas filosofias, emudecidas e presas em suas gargantas, até que alguma conversa levasse até aquele assunto e de repente as palavras não ditas estavam saindo por entre os lábios e apesar disso, do diálogo, nada mudava. 

Robert tentava explicar que Giulia não era insuficiente para si mesma, mas que todos merecem viver o amor, aquele amor, em suas vidas. Giulia cruzavas os braços, pendia o peso de uma perna para a outra e costumava dar sorrisos irônicos e sem real humor para não explodir por ser diretamente contrariada. 

Às vezes Robert não sabia se Giulia defendia seu ponto de vista por realmente crer nele, ou se o fazia apenas para não perder a razão em uma discussão, pois ela odiava fazê-lo. 

A dona da verdade” Robert dizia com sarcasmo quando ela adotava tal pose, e ainda assim as discussões não levavam a nada diferente, nada mudava, nem saía do lugar.

Ao fim de cada discussão a respeito daquilo, ambos pegavam suas opiniões, pontos de vista e deixavam o cômodo se dirigindo para qualquer outro cômodo até que pensassem o bastante para perceber que não valia a pena ficar sem se falar, nunca valia a pena. Então a discussão era sempre superada, até a próxima e sobre o mesmo assunto. 

Parecia ser um ciclo inquebrável, mas o que mais doía em Giulia era o fato de que ele quebraria e agora os dois sabiam disso. Ela preferia discutir sobre a mesma estúpida coisa do que perdê-lo, apesar de grande parte da vida ser feita de escolhas, algumas vezes estaremos de mãos atadas o suficiente para não fazer mais do que apenas observar coisas indesejadas acontecerem diante de nossos olhos.

— Tudo bem. — Giulia disse finalmente e saiu do abraço de Robert que acariciou seu rosto com um sorriso brando em seus lábios.

— Você teve alguma inspiração quando saiu hoje cedo pela manhã? — Ele questionou satisfeito em poder mudar de assunto.

— Ainda não. — Ela admitiu contrariada e Robert apertou seu queixo entre seu dedo polegar e o indicador num gesto carinhoso.

— Inspiração não se vem da noite para o dia, mas para sua sorte estamos em Veneza. — Giulia sorriu de volta finalmente e aquilo o fez se sentir melhor.

— Obrigada Deus, estamos em Veneza. — Ela disse e tão logo voltaram a apreciar seu passeio, parecendo o típico casal de férias por Veneza.

No dia que se seguiu e cedo da manhã, lá estava Giulia novamente, no il tuo caffé, sentada naquela que havia se tornado sua mesa favorita, seu pedido da vez fora machiatto e cookies. Novamente ligou o notebook e ficou a encarar o espaço branco do documento em sua tela, e novamente não tinha ideia alguma do que fazer. 

Giulia foi religiosamente ao il tuo caffé, e sentou-se à mesma mesa por quatro dias seguidos até que numa manhã que não parecia atípica em relação a todas as outras, ela entrou no estabelecimento e encontrou a mesa na qual costumava sentar, ocupada. 

Sentiu repentina decepção que talvez não houvesse escapado de seu olhar, olhou ao redor novamente e sentou-se numa das duas mesas que estavam vagas. Tudo bem, disse ela para si mesma, no dia seguinte seria diferente, fora apenas um contratempo corriqueiro

Mas no dia seguinte, a mesa estava ocupada pela mesma pessoa. Giulia controlou-se para não bufar e novamente escolheu uma que estivesse vazia. No entanto, aquelas mesas eram tão próximas as outras, não eram tão discretas como aquela na qual costumava se sentar.

Giulia tentou esquecer isso e a contragosto, tentou adaptar-se a mesa na qual estava naquele momento. Invés disso tudo o que conseguiu fora prestar atenção na mulher que ocupava a sua já tão querida mesa, como no dia anterior ela estava a escrever e rabiscar coisas em papéis, havia uma bolsa ao seu lado de onde devia ter tirado sua caneta e lápis.

Às vezes ela mordia a ponta do lápis, parecia esquecer da pequena borracha que ele carregava na ponta de cima então logo fazia uma careta engraçada, mas que não atrapalhava em nada a forma como ela era bonita. Quando esse incidente com o lápis acontecia, ela pegava a borracha ao lado da pequena bolsa como que para lembrar-se daquela que havia na ponta de cima do lápis. Aquilo não fez o menor sentido para Giulia, mas ela riu, pois pareceu ingênuo. 

A mulher, que em verdade parecia bem jovem, não levantava a cabeça se não quando seu pedido chegava. Estava sempre concentrada no que fazia, às vezes escrevia, às vezes lia, dependendo do que havia achado podia fazer uma expressão de satisfação ou uma expressão tediosa e outras vezes até desgostosa. Ela era notavelmente expressiva de modo que suas caras e bocas eram realmente engraçadas e ela nem estava tentando soar engraçada porque nada ao redor parecia existir.

Algumas vezes uma mecha de seu cabelo ruivo escorregava para seu rosto devido sua cabeça estar abaixada, mas ela sempre a recolhia para detrás da orelha com um gesto automático. Nada parecia ser capaz de desviar sua atenção, nem mesmo quando parecia frustrada, ela continuava olhando para o que havia escrito como se quisesse imediatamente encontrar a incoerência que estava deixando-a insatisfeita. Ela era, por tanto, incansável.

Na manhã seguinte, Giulia entrou no il tuo caffé tentando ser positiva, havia ido um pouco mais cedo do que de costume daquela vez, então talvez a moça ruiva e incansável não estivesse em sua mesa favorita, mas ela descobriu que a ruiva era incansável a respeito daquela mesa também.

Entretanto, pior do que isso, naquela manhã todas as mesas estavam ocupadas, com a exceção de três banquetas cubanas próximas ao balcão, tudo estava ocupado. Sentindo-se fracassada, Giulia considerou que fosse hora de encontrar outro Café favorito.

 Ela deu um passo para trás e estava prestes a girar em seus calcanhares, mas ela tinha sérios problemas em perder em qualquer situação. Derrota não tinha um sabor muito bom e por isso ela não sabia aceitá-la muito bem. Em verdade, nada bem. Giulia então respirou fundo e decidiu que, não perderia. 

Olivia relia o que já havia escrito sem ter a mínima certeza se aquilo estava bom ou não. Pois havia escrito não fazia muito tempo, e tudo se misturou em sua mente de modo que ela não sabia se estava bom ou ruim, soltou uma lufada de ar insatisfeita por entre seus lábios, se sentia exausta, mas também sentiu-se observada. 

Seria pela mesma mulher que vinha observando-a por três dias naquele mesmo Café? Olivia não costumava prestar atenção em nada que fosse suas folhas preenchidas ou parcialmente preenchidas e seu pedido de sempre, entretanto uma coisa diferente estava acontecendo nos últimos dias e apesar de ser de seu feitio, ela não se viu podendo ignorar a mulher que a olhava quase que constantemente.

Ela estava sempre com seu notebook aparentemente aberto e ligado, pedia sempre coisas diferentes, negra, lábios devidamente carnudos, cabelos volumosos com cachos prefeitos, Olivia não sabia, no entanto, qual era a cor de seus olhos, pois nunca a olhou nos olhos, sempre a olhava quando ela não estava olhando-a e parecia boa naquilo porque Giulia jamais a pegou olhando-a de volta.

Quando Olivia levantou seu olhar escorregando-o de suas folhas para a pessoa que parecia estar próxima, encontrou a mulher que a observava, mas dessa vez ela estava bem mais próxima e seus olhos eram cor de mel e estavam completamente focados em seu rosto.

— Buongiorno. — Giulia disse com um sorriso simpático e Olivia fez uma nota mental: “Ela tem covinhas”. Então tirou sua atenção de seu sorriso bonito e a examinou como um todo, não que ela fosse muito diferente do que era quando estava um tanto quanto mais distante, na verdade era mais bonita de perto e usava um casaco sintético de cor cinza e um cachecol quase da mesma cor, não fosse um pouco mais escuro.

Antes que Olivia pudesse respondê-la, Giulia apressou-se em completar uma importante informação ao dizer “non parlo italiano, eu moro no Canadá”. Giulia observou sua expressão brevemente confusa, naquela manhã ela usava uma blusa de lã vermelha e um gorro da mesma cor. 

Vendo-a de perto Giulia pôde perceber as sardas levemente salpicadas por seu rosto pálido, pôde notar também seus olhos verdes. De repente, Giulia sentiu-se constrangida em ir falar com ela e de estar ali, mas já havia chamado sua atenção, não seria capaz de fingir demência e afastar-se como se nada tivesse acontecido. 

— Oh. — Ela disse, depois de algum tempo em silêncio enquanto as duas trocavam olhares curiosos por notarem mais detalhes uma na outra do que conseguiam ver a uma distância considerável, era tudo o que ela tinha para dizer? Giulia se perguntou, e se ela soubesse apenas italiano? Desacreditada, Giulia cogitou fortemente que aquela resposta significa que não havia como se comunicar com ela afinal de contas.

— Tudo bem. Se você quer falar comigo, como realmente parece querer, está com sorte. Eu falo inglês. — Ela respondeu falando de forma “aberta” e puxando o r num sotaque charmoso, mas esperado. Não era como o de Pietro, pois não havia insegurança alguma quando ela falava. A partir daquele momento, Giulia sentiu em seu íntimo um rebuliço que se dividia entre constrangimento e alívio.

— É… — Tentou e franziu a própria testa surpresa com o fato de que estava se enrolando, mas não era nada atípico para uma situação como aquela tendo em vista a forma como de repente ela estava se sentindo. Cogitou que teria sido melhor se tivesse pensado um pouco mais antes de tomar aquela atitude impulsiva por estar cega pelo sentimento horrível do fracasso. — Eu apenas queria saber se ocupará essa mesa por muito tempo. — Disse finalmente recompondo-se.

Olivia tirou seu olhar de Giulia e olhou ao redor, todas as mesas estavam ocupadas com exceção de algumas banquetas cubanas e assim pensou que o desejo de Giulia em sentar-se ali poderia se tratar de algo que não era rotineiro, que ela estava perguntando-a aquilo apenas pelo fato de que naquela manhã específica, todas as mesas já estavam ocupadas. 

— Você pode sentar aqui se quiser. — Olivia poderia ter entendido a pergunta como uma grosseria, se houvesse alguma mesa disponível.

Giulia examinou rapidamente suas opções após Olivia dá-la aquela resposta num tom casual. Teve de admitir que sua única opção que não fosse aceitar aquele convite, seria ir embora dali e buscar outro lugar que a fizesse sentir aquela coisa acolhedora que passou a sentir ao frequentar o il tuo caffé, já que não cogitava nem mesmo sentar-se ao balcão.

— Obrigada. — Giulia disse por fim com mais um sorriso simpático e sentou-se à mesa, abriu e ligou seu notebook e tratou de fazer seu pedido. Tinha curiosidade de saber o motivo daquela moça falar inglês, os motivos de Pietro eram compreensivos, teve curiosidade também de perguntar seu nome, mas não fizera nada disso.

Estava chateada demais em ter de dividir aquela mesa, tentou então se concentrar, começar digitando uma frase e com sorte a frase a daria a inspiração suficiente para dá-la todo um enredo? Mas não teve sorte.

Contentou-se então em degustar seu café da manhã enquanto fingia que estava tendo progresso no que “fazia”, porém a verdade era que vez ou outra olhava para a moça ruiva que tinha olhos apenas para o que fazia.

 O que será que ela tanto fazia? Giulia indagou-se mentalmente, mas nada verbalizou e acabou por ir embora antes da moça, ao voltar para a casa alugada encontrou Robert pesquisando o próximo ponto turístico e jogou-se no sofá com postura de perdedora. 

— O que aconteceu com você? — Robert perguntou olhando-a pela primeira vez desde que ela havia entrado no cômodo, mas Giulia olhava para o teto e tinha os braços abertos assim como suas pernas estiradas e uma postura horrível de quem escorregará a qualquer segundo para o chão.

— Eu perdi. — Ela admitiu verbalmente num tom de voz ressentido.

— O quê? — Ele quis saber, tinha um sorriso confuso em seus lábios, assim como sua expressão.

— Eu perdi minha mesa favorita. — Sem saber se deveria tentar entender ou deixar para lá, Robert arriscou a segunda opção e ela não pareceu se importar com isso.

Giulia jamais se importava com o fato de não quererem falar sobre suas derrotas, pois era algo que ela mesma não queria. Apesar de que Robert a dizia muitas vezes com um sorriso divertido: “Você faz de tudo uma disputa, uma competição” e Giulia sempre queria achar aquilo divertido como ele achava, se não fosse uma verdade muitas vezes frustrante.

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