Uma língua que eu gostaria de aprender a falar é a língua do trio fantástico. Eles parecem ser aliens a conversar porque eu não pego nada, mesmo depois de tantos anos a tentar ser a fofoqueira perfeita, sem efeito, eram tão eficazes a entenderem-se que nem davam espaço para eu descobrir umas coisas, que maus.
— A tentar entender o que eles estão a falar? — O Edward sussurou no meu ouvido e riu, sabia qual seria a minha resposta. — É assim tão óbvio? A noite de cinema foi planeada pela tia Monique, era a quinta sessão de quimioterapia do Edward e ela queria que ele não se sentisse doente, quase ordenou que fossêmos todos passar o dia na casa dela e ela mudou-se para a minha casa, só por esta noite. — Não, eu sei que tentas entender o que eles falam... — o meu lábio direito cobriu o esquerdo e cruzei os braços, eu só queria saber sobre o que é que eles falavam ao invés de prestarem atenção ao filme que deveríamos estar a assistir. — Estão a falar sobre o filme, esquece isso de tentar entender o que eles falam, é armadilha. Encostei mais o meu corpo no sofá e levantei as pernas para pegar nos joelhos, puxei o cobertor do Kaine para dividirmos. — Sia... — Me deixa em paz — não deixavam-me entender, não precisavam falar comigo.— Nem tudo que falamos precisas saber, para além de serem comentários porcos sobre mulheres e não vai ser nada bom se ouvires, presta atenção ao filme e tira essa cara de fofoqueira decepcionada — tinha como não rir com aquilo? Tinha, mas eu não consegui conter-me. Apertou as minhas bochechas e deu uma bofetada leve na minha testa.
— Por quê? — Porquê o quê? — Comentários porcos sobre mulheres? Qual é a graça disso? Para quê que fazem isso? — Tinha imensas perguntas para fazer, mas aquelas já eram suficientes. — Siana Kayline Montroe, sem mais perguntas — fiquei calada com os braços cruzados e a xingar os três na minha mente.— Hora de dormir, o filme já acabou e quanto mais cedo começarmos a dormir mais preparados para o início das aulas estaremos.
“ah” “ desmancha prazeres” “ só podia ser o Kaine” foram algumas das reclamações que eu ouvi antes de levantar do lugar em que estava e seguir até ao quarto do Edward. — Uma aposta. — O quê? — Estava tão distraída que nem prestei atenção quando o Edward aproximou-se do meu ouvido. — Aposto que o Kaine vai m****r-nos ir para o quarto da mamã — a mão foi posta a minha frente como se ele quisesse que eu juntasse a minha. — O que eu ganho com isso? — Uma aposta era uma aposta e o preço deveria ser justo para os dois lados. — Hmm, deixa ver... — Não demores para pensar — o empurrei pelo ombro e subimos a escada longa. — Tempo de qualidade comigo e bônus — o ar convencido tomava conta de todo o corpo dele, como espasmos estranhos que o faziam sorrir e abanar a cabeça de um lado parra o outro enquanto os olhos estavam semicerrados e as mãos no casaco do pijama. — E se eu ganhar, quero que arranjes um namorado. — Não, isso é golpe baixo! — Aceitas? — Quem não o conhece podia facilmente cair no sorriso incentivador dele, até os que o conheciam caiam. — Ok, eu aceito, sei que vou ganhar. — Veremos — abrimos a porta do quarto e sentamos na cama perfeitamente arrumada. — Saiam daí, eu vou dormir aí com o Nathan — foi a minha vez de ficar espantada, o Pierce nunca dormia na cama do Edward, reclamava das marcas de baba, ainda mais com o Nathan, que dormia como se o mundo fosse a cama dele, uma perna fora, corpo todo curvado, uma posição diferente da outra. Alguns segundos depois o Kaine entrou com um ramo de árvore enorme, ele sempre usava aquele ramo para fazer-nos dormir, era um hábito, começava a ameaçar os que não quisessem dormir e depois voltava para o quarto dele. — O Edward vai dormir no quarto da mamã e precisa de companhia — ele apontou para os dois e para o quarto, um alarme gritou na minha cabeça que estava ferrada. Um namorado era o que eu menos queria no momento. O caminho até ao quarto foi coberto pelas gargalhadas do Edward, que pararam por uma tosse ligeira. Abri a porta chateada, era quase um pacto nosso não quebrar nenhuma aposta, se a aposta foi feita é porque os dois lados se acham capazes de cumprir com o acordado. Não achava-me capaz, de maneira nenhuma. — Eu quero ver Ghosting. — Para quê? É hora de dormir — afastei a colcha que estava por cima da cama e o ajudei a pôr os pés na cama, ele enfraquecia mais a cada dia que passava, não conseguia fazer nada sozinho. Nem mesmo respirar. — É noite de cinema — ele sorria, mas o corpo mostrava outra coisa, ele não queria sorrir e nem estar ali a ver um filme. — E dá para rir um pouco. Abanei a cabeça para deixar bem claro que ele era inacreditável, peguei o computador e pus o filme, segundo ele, o preferido do momento. Estava ao lado dele e só conseguia pensar em como ele perdeu o ar jovem, em questão de segundos. Toda a sua jovialidade fugiu e o meu coração partiu junto, não conseguia olhar para ele e não sofrer com o estado em que estava. Tentava esconder o máximo possível para ele não perceber. — Para de olhar para mim assim, pareces uma maníaca que quer roubar o meu coração para vender no mercado negro — os dedos estalaram a frente da minha cara e tudo o que consegui fazer foi rir. — Vai arranjar um namorado para olhares para ele assim, estás a precisar de um. Ele gozava comigo com tanta vontade, que apenas o acompanhei, o passatempo preferido dele, eu nem reclamava, vê-lo a rir fazia-me bem. — Não quero namorar com ninguém. — No momento, essa é a tua frase de efeito, no momento — virou-se devagar para mim e pegou a minha cabeça com as duas mãos. — Não posso ser um impedimento na tua vida amorosa. — Não és, eu só não quero, o que eu quero agora é melhorar esse riso, pareces uma hiena engasgada — agora era eu ria dele, a cara de irritação que ele fez foi tão pouco convincente que ao invés de intimidar fez as gargalhadas saírem em disparada. — Já viste uma hiena engasgada? Sequer estiveste próximo de uma hiena, o animal mais perigoso que estiveste próximo foi um rato — eu estava de boca aberta com aquele comentário, eu nunca tinha visto uma hiena, mas não era necessário me lembrar disso. — Já viste o quão bonito é o Brian? E ele é bem calmo, ouve as pessoas e com certeza seria o par perfeito para ti, e o Kaine conhece, qualquer coisa e pode partir a cabeça dele, tem o Arthur, o Pierce e o Nathan para te proteger. Ele seria o namorado perfeito. — Não existe namorado perfeito — todos tínhamos noção disso, do mesmo jeito que não existiam pessoas perfeitas, não existiam namorados perfeitos. — Não era isso que dizias quando falavas dele — ergui a sobrancelha e ele fez o mesmo, e percebi de quem ele falava. Era um segredo nosso, evitava falar daquilo para os outros. — Ele também é bom para ser teu namorado e eu o conheço muito bem — os dentes amarelos dele ficaram expostos e o nariz enrugado, a feição mais intuitiva que podia receber. — Dá para calares essa boquinha e parar de tentar arranjar o namorado perfeito para mim? Isso só faz sentido em novelas — e na cabeça dele, sem sombra de dúvidas. —Namorado perfeito é só mais uma coisa que os românticos criaram para contrariar a falta de interesse que têm por outras pessoas. A dúvida apareceu na cara dele, eu não sabia se eram pelas minhas palavras ou se ele estava a prestar atenção ao filme, algo improvável. — Não estarei aqui para sempre. — Estás aqui agora — cruzei os braços e fechei os olhos, ele estava ali perto de de mim, não tinha o porquê lembrar o estado em que ele estava. — É o suficiente para mim. — Tu precisas... — Eu preciso prestar atenção ao filme — interrompi para impedir que ele falasse alguma coisa relacionada com namorados.
— Eu nunca irei melhorar e tu sabes disso...— depois de longos minutos de silêncio ele voltou a falar, parou por alguns segundos e depois começou a falar novamente, a angústia na cara dele era visível. — ... eu irei morrer e nós dois sabemos isso, olha só para mim, eu nem consigo levantar-me sozinho, ao invés de melhorar pioro a cada dia que passa, o meu cabelo caiu, sobraram apenas alguns fios solitários, que sendo honesto, não fazem diferença.
— Ainda estás aqui.
— Não quero que cries uma ilusão, eu quero que fiques bem quando eu for embora, quero ver-te sorrir e se para isso for necessário que arranjes em namorado, eu irei arranjar para ti — soltou uma risada fraca e passou a mão pela minha testa. — Vai ficar tudo bem, não faz mal perder-me.
— Vamos parar de falar disso, eu não quero ouvir, deixa-me na ilusão ou o que quer que seja — levantei a mão na direção do computador, sabia que ele veria. — E não fala mais de namorado ou que quer que esteja relacionado com não estares mais aqui, senão não será o cancro a matar-te.
As minhas mãos estavam a coçar para dar uma bofetada na cabeça dele, por uma questão de fragilidade, tentava de tudo para me controlar e impedir a minha mão de fazer aquilo. — Vamos parar de fugir da realidade, Siana, eu tenho que dizer a verdade para ti, ninguém mais dirá, não quero ser uma dessas pessoas que mente para ti , a paz vem quando falo a verdade para ti — um beijo no nariz acalmava-me mais que breves carícias na cabeça. — Agora vem cá — ele puxou-me para ficar mais perto dele somente para assistirmos o filme abraçados.— Eu amo-te, resmungona.
— Eu amo-te, burrinho — era um " eu amo-te" repleto de sentimentos, ele era o meu irmão, meu companheiro de guerra, meu confidente e terapeuta nas horas vagas. Eu o amava tanto. — A sério? Eu escolho um apelido super amoroso para ti e continuas nisso de burrinho — rimos juntos, mesmo que aquela conversa não tenha nada de divertido. O sorriso no rosto dele retirava toda a seriedade daquela reclamação. — Vamos ver o filme, ok? Nada de distrações e nem conversinhas sobre não melhorar ou namorados. — Sim, chefe — pus a mão na testa e olhei para ele pelo canto do olho, travessura era tudo o que ele transmitia. Nos abraçamos mais e ficamos distraídos a ver Ghosting no seu computador. Momentos como esses eram preciosos para mim, relíquias na minha vida.