Cinco mil anos se passaram desde a quarta guerra mundial. O hemisfério norte das antigas grandes potências morreu com ataques nucleares e a radioatividade obrigou o restante da população global a se esconder em abrigos por centenas de anos. Milênios mais tarde, a evolução adaptou todas as espécies vivas, inclusive os humanos. Há um brilho verde néon em todo o antigo planeta azul. Um outro dilema está assolando a população sobrevivente: dominação extraterrena. Cercados em vilas para sua própria proteção contra o Imperador do Universo, sobrevivem aos poucos contra a ganância dos extraterrenos que querem utilizar a energia nuclear e os recursos da grande floresta ocidental, Esmeralda. É nesse mundo destruído em que Lívia, nossa heroína, vive. Uma garota forte de uma das vilas mais pobres de Esmeralda, com um passado obscuro. Seu namorado foi abduzido pelo Imperador do Universo e tudo o que ela quer é ir para a central de resistência terrestre e se vinga ★ Romance de Ficção Científica. ★ Livro 1 da Duologia Terra e Céu. © 2019. Registrada na Biblioteca Nacional, não permitida a reprodução.
Leer másHoje era o grande dia pelo qual esperou a vida toda.
Não era a única, porém. Milhares de jovens haviam se preparado e ansiado por aquele momento, mas a glória viria para poucos. Apenas algumas dezenas teriam a oportunidade de mudar seu destino para sempre.
Lívia olhou pela janela, para o caos que chamava de lar. Não concordava com o tipo de vida que levava naquele lugar, ninguém a merecia. Por isso, havia abdicado de tudo para sair dali.
Precisava confessar que parte daquela persistência tinha a ver com Ric.
Fechou o zíper de seu macacão de proteção, como todos os dias, nos últimos dez anos. Sua arma radioativa apitou o recarregamento, então ela tirou de seu case e colocou na cintura.
Admirou-se no espelho. Dura, fria, quase como aço. Havia anos que se proibira de demonstrar suas fraquezas, como o nervosismo que sentia naquele dia tão importante. Depois de tanto batalhar, estava na hora de sua formatura e ela tinha esperanças de conseguir sair dali.
Esperança é para fracos, se repreendeu. Dera tudo de si pelo seu futuro, assim como seu irmão fizera antes dela, mas a garota que foi um dia ainda vivia dentro daquela carcaça de frieza e, embora se recusasse a demonstrar, sentia o frio na barriga.
— Você conseguiu — disse a si mesma encarando, em seu reflexo no espelho, as marcas da noite má dormida. — Ninguém pode ter sido melhor que você. Hoje é o seu dia e todos eles sabem disso.
Por alguns segundos, enquanto se admirava no espelho quebrado, deixou sua máscara cair. O medo e a insegurança a fizeram morder os lábios e ela viu a garota que deixou para trás com o medo estampado em seus olhos esverdeados, tão comuns aos expostos à radioatividade. Apertou as pálpebras e respirou fundo, buscando forças. Quando se encarou novamente, a garota tinha se ido.
Passou a mão pelo rabo de cavalo impecável, enrolando-o até formar um coque, permitindo que seus movimentos fossem tão ágeis quanto o possível e virou-se de costas para o espelho, renegando suas fraquezas. Era uma mulher feita agora e deixaria tudo para trás.
Pegou-se encarando o quarto ao seu redor, as memórias cobrando o preço em seu coração destroçado. O olhar fixou-se em sua cama, muito mais velha que ela, pertencia a alguém que morrera nos bombardeios antes de seus pais colocarem em seu quarto. Tivera oportunidades de trocá-la por modelos mais novos e confortáveis, mas nunca quis. Era uma das únicas coisas que tinha apego emocional, uma de suas poucas fraquezas expostas que ficaria para trás. Podia jurar que ainda sentia o cheiro de Ric nela.
Em seu armário, pelo buraco onde houvera uma porta algum dia, viam-se poucas cores. Duas peças de roupa ficaram para trás, além de poucas roupas íntimas. O restante, a maioria macacões de treinamento, tinham tomado seus novos espaços na mochila que levava em suas costas.
Aquilo era tudo que tivera nos últimos dezenove anos e não era estranho que tivesse desejado mais. Mesmo assim, havia uma pontada no meio de seu coração que lhe dizia que sentiria saudades.
Saiu do quarto e desceu as escadas, deixando sua bolsa bater nas suas costas a cada degrau. Seu esforço em parecer indiferente ao dizer adeus aos seus pais era visto pela linha franzida de sua testa. Ela lembrava como tinha sido difícil quando
Estava tentando parecer indiferente para dizer adeus aos seus pais sem transparecer suas emoções, mas ela lembrava como havia sido difícil quando Denis se formou. Era ainda a menina doce e apaixonada, lembrava-se de ter afundado o rosto em seu peito e chorado por uns dez minutos de saudade antecipada. Não tinha planos de segui-lo, naquele momento, mas todo aquele ano fora difícil para Lívia e tudo tinha mudado desde então.
Sua mãe abriu os braços e a chamou para um chamego assim que a viu surgir das escadas. Lívia não ficou muito animada com a perspectiva das despedidas, mas deixou sua mãe lhe apertar quando alcançou o térreo.
Sua mãe, assim que a viu surgir pelas escadas, abriu os braços e a chamou, mas percebendo a vontade mínima que ela tinha, caminhou até ela e a abraçou assim mesmo. Lívia conformou-se em olhar para o teto e aguardar o momento acabar.
— Minha querida filhinha — disse, afastando-se para passar as mãos em seus cabelos de uma forma que não fazia há muito tempo porque Lívia estava sempre fugindo dos seus aconchegos. — Estamos tão orgulhosos de você. — Ela abraçou de novo e, dessa vez, Lívia deixou os olhos baixos apenas para ver seu pai caminhando aos tropeços para se despedir também. — Diga ao Denis que nós o amamos, certo?
Sua mãe se afastou chorando e Lívia virou para olhar para o seu pai. Ele havia perdido uma perna em um bombardeio, pouco antes de Denis se formar e usava uma bengala para se apoiar quando queria andar pela casa ou os arredores da vizinhança, mas não era muito comum. O tempo e a radioatividade já lhe cobravam caro. Caminhou até ele, impedindo que ele continuasse se esforçando tanto só por causa dela.
— Pai – disse, por fim. Sua voz mais firme e dura do que esperava.
Seu pai sorriu, orgulhoso e a abraçou de lado, dando-lhe tapinhas nas costas. Ele também tinha dificuldade de expressar seus sentimentos.
— Quantos pais podem dizer que mandaram todos seus filhos para um lugar melhor? — Perguntou.
Lívia deixou-se sorrir para ele, mas, em sua cabeça, a resposta para a pergunta foi muitos. Muitos pais podiam dizer aquela frase, mas não com o mesmo significado deles. Denis e Lívia continuavam vivos.
Olhou para seus pais por um último momento, os olhos esverdeados não-naturais lhe encarando com emoção. Sua garganta fechou e ela sentiu que estava prestes a deixar as emoções transbordarem. Seus pais estavam passando dos quarenta anos e era sorte dela terem chegado tão longe. Não viveriam muito além disso, ela tinha certeza. Mesmo assim, não conseguiu dizer-lhes o que queria.
— Tchau. — disse, apenas.
O esverdeado dos olhos de sua mãe se acentuou quando as lágrimas apareceram e Lívia desviou o olhar para seu pai, que apenas lhe acenou em reverência. A aprovação e o orgulho encheram seu peito a ponto de um leve sorriso preencher sua face, um raro gesto seu. Ela não tivera muitos motivos para sorrir nos últimos anos.
Arriscou olhar a casa por alguns segundos, guardando-a na memória como a justificativa clara do porquê queria tanto abandonar a vila 364, uma das únicas da série 360 que ainda continuava populosa, apesar de sofrer intensos bombardeios.
Saiu para o chão de terra batido ainda um pouco lamacento da chuva da noite anterior. As casas ao redor da sua eram, em sua maioria, ruínas, demonstrando o quanto a vila já tinha sofrido e o quão perto da morte ela já estivera tantas vezes.
Ela olhou para o céu e identificou pontinhos pretos entre as nuvens. Aquela guerra com seres de outros planetas que queriam extrair os recursos de Esmeralda para seu uso próprio vinha se estendendo por décadas. Recursos que eles batalharam para recuperar depois de quase perderem o planeta todo em uma guerra nuclear, milhares de anos atrás.
Todo ano, os melhores homens e mulheres eram escolhidos para a inteligência de guerra, Globo do Mar, uma cidade protegida, livre de radioatividade, que orquestrava as lutas contra seus invasores espacial. Seu irmão Denis fora escolhido há cinco anos e ela pretendia se juntar a ele agora.
Abaixou o olhar, apertando os olhos por causa da claridade anterior e respirou fundo, buscando a confiança de sempre. O pensamento veio com força: nunca mais terei que correr dessas bombas malditas. Nunca mais ver meus vizinhos e familiares feridos ou mortos.
Ela sabia que os bombardeios não parariam quando ela fosse embora, mas ela não os veria. E, de Globo do Mar, teria a chance de mudar as coisas. Com a tecnologia e o apoio necessário, pretendia melhorar a infraestrutura e a segurança das quatro vilas restantes da série 360 logo em seus primeiros dois anos.
Parada, observando a vizinhança, sacudiu a cabeça para afastar seus pensamentos. Dois de seus vizinhos já haviam lhe acenado uma despedida à distância e percebeu que deveria estar parecendo boba. Com um aceno educado, ela pôs-se a caminhar até o centro de treinamento.
O final da vila ficava perto de sua casa e logo se viu próxima à área mais perigosa da série, os estreitos caminhos que ligavam as dez vilas, hoje quatro, ao centro de treinamento. Algumas pessoas haviam desistido da vida nas vilas e espreitavam às grades, escondidas na floresta, prontas para atacar em prol de conseguir comida. As cercas da vila 364 tinham algumas falhas, mas ninguém tentava atacar Lívia há anos, desde que recebera a honra de portar uma arma de carregamento automático.
Mesmo assim, era a primeira vez em anos que ela parava naquele ponto da cerca, o mais frágil, aonde era possível ver o desencaixe do arame, fácil de passar para dentro ou para fora da vila. Seu olhar estava além árvores, fixado no passado. Conseguia sentir o cheiro da água, o barulho dela nas pedras. Deixou-se sorrir.
— Vou achar você, Ric — prometeu à memória. — Vou descobrir o que esses bastardos fizeram com você e vou te encontrar.
Ouviu as sirenes começarem a soar, indicando um novo bombardeio e seu rosto fechou-se novamente, como se não tivesse se permitido sorrir.
— Vou te encontrar — murmurou uma última vez, antes de correr para o lugar seguro mais próximo que conhecia.
— Meu irmão pode estar morrendo lá fora! – Ela se justificou, batendo os pés em direção ao primeiro armário que encontrou.Apesar das coisas serem completamente diferentes em sua vila, Lívia não demorou a perceber que eles estavam na cozinha de Denis. Ainda havia uma pia, embora tivesse água saindo por uma estrutura de metal brilhosa, ainda havia um fogão, embora Lívia não soubesse onde poderia colocar a madeira, e ainda havia uma mesa, essa sim ela reconhecia sem nenhum problema. Tirando o armário, o resto era tudo novo e ela mal saberia nomear, quanto mais usar.Mas ela conhecia seu irmão o suficiente para saber que as armas estariam escondidas no lugar de mais fácil acesso. Isso significava que alguma daquelas portas e gavetas estava o que ela precisava para lutar.— Está tudo bem – ele disse, compreensivo.Lívi
Primeiro, Lívia achou que era sua perna que estava falhando, já que Elena havia pedido para ficar quieta – o que provavelmente não a permitia ficar tanto tempo em pé por aí. Mas um olhar para frente e ela podia ver Denis balançar e os outros soldados passando pela rua atrás de si tentando procurar algum lugar firme para se firmar.A primeira reação de Denis foi puxá-la mais para perto, como se pudesse protegê-la melhor assim. Acostumada com seu raciocínio rápido, Lívia acompanhou o olhar dele até o momento em que ele parou, olhando para cima. E, então, ela olhou também.Tudo tremeu mais uma vez e viu, no topo do globo, o esfumaçado se extinguir por um momento, apenas para que eles pudessem ver o fogo que se queimava do lado de fora. Antes que o branco voltasse a reinar, em um vestígio de azul do céu, eles puderam ver duas cois
Fazia muito tempo que não sentia seus braços ao redor de si, mas, mesmo assim, tinha a sensação de casa. Se sentindo estúpida, percebeu que seus olhos estavam meio molhados por lágrimas de medo, deixadas para trás quando insinuaram sua morte para ela, então se deixou escorregar para fora do abraço, sorrindo mais do que se recordava que conseguia.— Eu nunca podia imaginar você aqui – disse. – E, então, lá estava eu vigiando os limites quando você apareceu no barco e eu não pude acreditar até que você saiu dele com aquela tala. Só você para se quebrar assim e ainda parecer que é a dona do universo. Deixe-me ver, já sarou? – Ajoelhou aos pés dela e levantou a barra da calça, apenas para cutucá-la insistentemente no tornozelo.Ela foi incapaz de resistir ao desejo de girar os olhos no
— Está passando direto! – Lívia alertou Jeff, como se ele pudesse fazer alguma coisa.Jeff apertou as bordas do casco, jogando seu peso para o lado, como se isso pudesse virar o barco e fazê-lo voltar. Estiveram tão perto do Globo que quase conseguiram encostar nele, mas agora, ele apenas se afastava cada vez mais.Como se apreciasse o esforço de Jeff, o barco fez a curva, retornando à proximidade com a circunferência. Lívia apertou os olhos para a redoma, tentando ver qualquer coisa que pudesse do lado de dentro ou, ao menos, uma entrada.— Estamos fazendo a volta! – Jeff anunciou, como se não fosse óbvio.— Você vê alguma entrada? – Lívia perguntou.Ele estalou os lábios e era obviamente uma negativa em algo que ele não havia pensado sobre. Como se entrava no Globo? Lá era livre de radiação
— Lívia, por favor! – Jeff chamou-a mais uma vez.Ela simplesmente continuou fingindo que não estava escutando, mancando em direção ao porto com Jeff em seu encalço – apenas não a alcançando porque ele sabia que ela estava realmente irritada com e pretendia manter um espaço entre os dois. Lívia estava completamente irada.— Eu só fiquei empolgado com isso, me desculpe – continuou.Lívia apenas continuou andando, arrastando seu pé machucado por toda areia esverdeada, fazendo com que os grãos escorregassem para dentro da sua tala improvisada, causando uma sensação desconfortáve, mas não tanto quando a dor que ela estivera sentindo nos últimos dias e não tanto quanto à raiva e a vergonha que ela sentia após beijar Jeff. Ela bem que podia descarregar a sua própria arma nele, mas o home
— Eu realmente sinto muito por estar atrasando tudo – Lívia disse, após mais um momento de parada para descansar.Apesar de seu pé ter melhorado bastante com as ervas mastigadas, ainda estava inchado e vermelho e os dois estavam tomando muito cuidado com seu caminhar. Lívia estava evitando colocar o pé no chão – Jeff realmente acreditava que ela não conseguia – e toda vez que ela começava a arfar por estar pulando com sua bengala, Jeff os fazia parar.— Está tudo bem – disse – Nossa chegada pode demorar um pouquinho mais, mas seu pé tem que ficar bom, então vamos devagar.Lívia discordava. Ela gostaria de chegar logo e poder esticar a perna e ficar imóvel por uns dois anos até ele não doer mais. E apesar de saber que tinha seus limites, eles estavam perto, já deviam estar quase lá.— E
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