Giovanna
— Rápido, precisamos de mais pessoas aqui!
Alguém grita em meio ao caos dentro de um hospital público, enquanto os feridos não param de chegar. Fala-se em uma guerra entre facções. Uma disputa brutal e incontestável territorial pelo tráfico de drogas, e armas.
Bando de imbecis! Será que eles não conseguem ver que estão matando uns aos outros por nada?
— Doutora Giovanna, precisamos de você aqui! — Uma enfermeira pede em meio a uma turbulência de gritos, choros e gemidos doloridos.
— Só um instante, u já estou terminando aqui!
Meu nome é Giovanna Fontana. Atualmente trabalho como médica residente em um hospital público situado no centro de Verona – na região da Sicília. Entretanto, já estou no meu penúltimo ano de medicina e anseio por uma carreira de sucesso na área de cardiologia. E fora todo esse caos de dor, e de morte ao meu redor, eu amo o que faço. Contudo, não fiz isso sozinha. Na verdade, eu devo cada pedacinho dessa minha conquista Arturo Fontana, meu irmão mais velho. A verdade é que, desde que os nossos pais morreram ele se tornou a minha única família – o meu tudo. E acredite, ele me deu tudo que uma adolescente precisava para ser feliz, além de boa educação e muita dedicação. Arturo desistiu de tudo por mim – e quando eu digo tudo, quero dizer a faculdade de administração e uma carreira de sucesso, tudo isso para tornar-se meu pai e mãe. E para isso, tornou-se um dos melhores policiais que essa cidade já teve. Devo dizer que tenho muito orgulho do meu irmão e que faço tudo para ser o orgulho dele também.
— Giovanna! — Desperto quando doutora Sienna solta um grito de desespero.
— Termine isso para mim! — peço para a enfermeira que está do meu lado e corro ao seu encontro.
— Nós o estamos perdendo! Não sei mais o que fazer. — Ela fala para a sua equipe. — Aplique mais uma dose de adrenalina, agora!
Eu sei que deveria estar lá, ajudando a equipe a salvar mais uma vida, mas a farda ensanguentada me fez paralisar a centímetros da cama estreita e um zumbido abafou todas as vozes desesperadas ao meu redor.
Não pode ser!
Um eco vibrou dentro do meu cérebro, roubando todas as minhas forças, tirando de mim a capacidade de respirar, mas principalmente, tirando o chão de debaixo dos meus pés.
— Giovanna! — Sienna adverte-me com outro grito, puxando-me de volta uma realidade cruel e só então resolvo me mexer do meu lugar.
— Arturo, fale comigo, irmão! — peço em agonia, segurando em cada lado do seu rosto sujo de sangue. — ARTURO… — As lágrimas embaçam os meus olhos. — ABRE OS OLHOS, POR FAVOR!
— Tirem-na daqui! — Alguém ordena e sou literalmente puxada para longe dele. E depois disso, tudo se parece com uma cena de filme de terror em câmera lenta bem diante dos meus olhos. Os médicos lutando pela sua vida. O seu corpo inerte não esboça qualquer reação e em meio a isso tudo, o meu desespero só aumenta.
Ele se foi! Penso quando a equipe o abandona e vai em socorro de outros pacientes. Eu tinha um mundo todo perfeito onde meu irmão mais velho era o meu herói. Onde eu julguei que ele seria indestrutível e que eu jamais ficaria sozinha. Mas agora estou sozinha.
Quebrada e sozinha. E não sei que direção seguir.
… Doutora Giovanna Fontana!
Arturo cantarolou orgulhoso e cheio de si, esbanjando um sorriso sem tamanho.
… Nossos pais sentiriam muito orgulho de você, irmãzinha.
Sorrio ao lembrar-me do seu sorriso, mas não consigo parar de chorar.
… Isso aqui é para você.
Ele disse uma vez, sem me dar qualquer explicação, ao me entregar uma bolsa cheia de dinheiro.
… Mas isso é muito dinheiro, irmão!
… Eu sei. Ele é para o seu futuro, irmãzinha.
… Não posso aceitar tudo isso, Arturo.
… Você pode e vai.
— Por quê? — sussurro em amargura.
… Quero que me prometa que nunca irá desistir, Giovanna.
… Eu não vou, irmão.
… É sério, Gio. Mesmo que eu não esteja aqui com você, me prometa que jamais desistirá.
… Mas você vai estar aqui. E por que não estaria?
Em resposta ele beijou os meus cabelos.
Meu Deus, eu sou tão boba! Ele era um policial. Um homem da lei e isso poderia acontecer a qualquer momento.
— É por aqui, Senhorita!
Um médico legista diz quando adentro o necrotério horas depois, e inevitavelmente observo as suas paredes cinzas, que tem uma frieza implacável. Tão sombrias quantos a dor que me parte ao meio. O som da rampa metálica se arrastando minutos depois me faz fitar o embrulho negro, deitado sobre uma placa fria e ao mirar o seu rosto pálido, adormecido para a eternidade, lágrimas silenciosas voltam a inundar os meus olhos outra vez.
— Pode me deixar sozinha por alguns minutos? — peço, mas não tenho certeza de que ele me escutou. — Eu gostaria de me despedir dele. — Contudo, o fato de o homem sair da sala e fechar a porta me diz que sim.
Engulo um nó em minha garganta e trêmula, deslizo a minha mão pelo seu peitoral frio. Entretanto, algo me chama a atenção. Uma carta de baralho largada na lateral do seu corpo. Curiosa, seco as minhas lágrimas e a seguro para olhá-la com curiosidade. Meu coração b**e forte quando tenho o vislumbre de uma rosa negra e espinhosa bem atrás do pequeno cartão, com alguns detalhes destacados em vermelho-sangue.
O ar me falta.
La Noitte Rossa. Penso, amassando a carta entre os meus dedos. Contudo, meu maxilar se enrijece sobremaneira, de forma que os ossos da minha face reclamam e uma fúria negra percorre as plantas dos meus pés, absorvendo todo o meu sistema, convertendo cada sentimento de dor em um instinto de vingança.
— Eu vou vingar a sua morte, irmão — prometo. — Não importa como, eu farei isso nem que seja a última coisa que eu faça em vida.