Sábado
— Quem era? — pergunto quando guarda seu telefone de volta no bolso.
Me aproximo do fogão com uma cenoura e uma faca em cada uma das mãos. Tiro a tampa de uma das panelas e começo a cortar para dentro rodelas grossas.
— Era Luther. Ligou para dizer que já não poderemos ir para o social. Foi cancelado. Os pais do amigo mudaram de ideia.
— Ligou a dizer que já não poderão ir? Não havia dito que não vai?
— Não. — mordisca a unha do seu polegar e trás o prato de vegetais descascados para perto. Lanço um beijo em agradecimento antes de perguntar:
— Porquê?
— Porque eu queria esperar chegar o dia para poder mentir que me senti mal na última hora. — confessa, indiferente, sem desgrudar os dentes da unha.
— Cólicas? Eu usava isso. — passei o ombro pela bochecha para diminuir a comichão nela e sorri.
— Não tinha pensado nisso, mas serviria muito bem. Viria a calhar.
— E por quê você tem problemas em ser sincera com teu amigo e dizer quando não quer algo? — pesco alguns grãos de feijão verde e misturo ao refogado.
— Tenho problema com todo mundo, na verdade. É mais fácil mentir. — rouba dois pequenos cubos do tomate e joga para dentro de sua boca — E não é meu amigo. — finalmente confessa, não me surpreendendo muito.
Conheço-a o suficiente para saber que nenhum amigo a faz mudar o tom de voz ao atender a uma chamada. Bem, não um amigo comum.
— Pode até ser, mas não tão ao pé da letra assim. Geralmente usa-se quando as pessoas ainda estão a se conhecer. — lanço um palpite, mas ela balança a cabeça negativamente — São namorados?
— Sim. — gira o prato em sua palma e aproxima da panela para que eu arraste o tomate para dentro.
— Sério? — rio do que estou prestes a dizer — Sabemos que estamos muito mais velhas quando nossas irmãs escondem coisas assim de nós. — misturo bem tudo o que está na panela, depois coloco a tampa.
— Não exagera. Você sabe como eu sou. — sorri, mas com cuidado para não se livrar da seriedade que ela assumiu ao tocar no assunto — Namoramos a míseros 4 meses.
— Não tão míseros assim. Já fizeram sexo? — como um pedacinho que sobrou da cenoura sob sua perplexidade — O que foi? Não sou de tabús. Além do mais, você já é maior de idade. — enquanto mastigo, me aproximo do lava-louça para terminar de limpar o peixe.
— Isso é necessário? — esconde seu rosto sob a gola da camisete velha fingindo limpar o suor inexistente na sua cara.
— Não é, mas eu sou curiosa e gosto de saber como vai a fase adulta das minhas irmãs.
— Tatiana ainda não é adulta.
— Ainda. Agora pode me contar.
— O quê?
— Se protegeram? — meto dois dedos na barriga do peixe e começo a retirar o que não é para comer, o que me obriga a tirar o olhar dela.
— Claro.
— Então fizeram sexo. — concluo e rio da sua inconformidade por ter caído numa armadilha tão simples. — Como foi?
— Judy! — finge desconforto, mas sei que é só uma forma de adiar o que ela vai acabar por contar.
— Vocês são literalmente as únicas amigas que tenho, e amigas têm curiosidade e não gostam que lhes escondam coisas tão importantes assim.
— Eu não escondi. — alcança uma peneira de alho e continua a descascar.
— Mh. Fez o quê, então?
— Omiti. E não achei relevante. Namoros na minha idade já vêm com isso.
— Para começar, eu nem sabia do tal namoro. Podemos começar por aí, se for o caso. — arqueo uma sobrancelha e ela abranda sua defesa, mas percebo que vai levar seu tempo, então vou por atalhos menos invasivos — Gostas dele?
— Claro que sim. — sua expressão facial me diz o quão óbvia é a resposta.
— Como é que ele é?
— É agradável. Bonito, inteligente, educado, por aí.
— E a pegada? — não posso segurar um sorriso embalado de nostalgia.
Vendo de uma perspectiva mais adulta, olhar para a fase de aprender sobre amaços me faz concluir que é, sem dúvidas, uma das melhores que tive. Não que ela esteja nessa fase, claro. Mas enfim...rios levam à mares.
Termino com o peixe, lavo de novo as mãos e vou até o fogão para mexer a outra panela.
— Qual é o nome dele mesmo? — aumento o tom da voz.
— Luther.
— Luther de Luther Vandross...— penso alto — Quantos anos ele tem? — bato a colher de pau na minha palma, pela qual passo a língua logo depois. Sal suficiente.
— Sim, disse que o pai é muito fã dele. Tem 21.
— O que ele faz?
— Direito na UEM.
— No mínimo é super interessante, ele. — me viro para torcer os lábios em aprovação.
— Chega? — estende a mão cheia de dentes de alho e eu assinto.
— Pergunta se ele pode vir hoje. — devolvo a tampa, me viro para ela e cruzo os braços. — Vosso dia não está completamente perdido. Ele vive longe daqui? — não me permito abalar pela sua expressão facial.
— Não vai poder! — seus olhos quase pulam das órbitas.
— Pergunta, amor. — puxo seu telefone do bolso e entrego a ela.
— Para quê?
— Pergunta!
— Por quê?
— Quero lhe conhecer. Pergunta. — aproveito a pausa para acabar o sumo super diluído que tem em meu copo. O gelo acaba por entrar, então mastigo enquanto a observo digitar em seu telefone, ainda um pouco contrariada. — Obrigada. — provoco logo após o seu longo suspiro.
Inalo com força os arómas que disputam intensidade no ar. Eu e minhas irmãs conseguimos organizar uma parte das coisas cedo, o que, como consequência, nos deixou 3 horas adiantadas. O almoço foi marcado para um pouco mais tarde por motivos que Júlio ficou por explicar, e perguntou se não tinha problema trazer duas pessoas em vez de uma. Eu disse que não.
— Ele tem um irmão mais velho. Esqueci o nome dele, mas é um pouco mais velho que você e está solteiro.
— Não tenta. Não vamos partilhar os sogros. Sou egoísta. — torço o nariz com um pouco de desdém. Seria um pouco estranho.
Antes que ela responda, uma buzina soa do lado de fora. Deve ser vitória. Saio da cozinha e corro para abrir o portão e vê-la chegar em seu Vitz preto que eu bem conheço. Abro o portão para que ela entre e estacione 12 passos na minha frente. Fecho o portão.
— Bem-vinda! — me aproximo da minha amiga arrastando os pés. Ela se debruça para trás e para o banco a sua esquerda, recolhendo o que trouxe para o almoço.
— Tua casa melhora alguma coisa sempre que venho. — finalmente sai do carro e nossas altura se igualam. As duas baixinhas de dar dó. Então endireito seus óculos de sol tortos e recebo uma parte das coisas antes de deixar dois beijinhos em seu rosto.
— Obrigada. Tento sempre fazer alguma reforma nova. — sorrio — Tudo bem?
— Tudo, tirando o calor. — tem espaço suficiente entre seus braços para tirar mais uma panela do carro — Contigo? Atrasei? Já chegou alguém?
— Ninguém. Estamos quase três horas adiantadas. — começo a andar para dentro e ela me segue.
— Ainda bem. O que se faz por aqui? — seu tom distraído me faz olhar para trás e a vejo deslumbrada com algumas coisas que alterei na decoração — Aqueles quadros não existiam na última vez que vim, e aquela parede não estava daquela cor.
— Pois não. — o feedback positivo em seu sorriso me alegra — Está quase tudo arrumado, falta temperar e colocar o peixe no forno, e terminar de arrumar a mesa.
— Eu trouxe... Olá! — desperta o olhar de Yara do telefone para ela, junto com o de Tatiana — Eu trouxe feijão preto e cebolada de bife. Espero que teu arroz combine.
— Programado para se adequar a qualquer caril. — deixo as coisas por cima da minha bancada e me viro para as três.
— Como é que vocês estão? Yara cada vez mais parecida com tua irmã, pelo que vejo. — bate em seu traseiro para se referir as curvas.
— Sem objeções. — ergo as mãos em redenção.
— Estamos bem, obrigada. — sorri educadamente e balança a cabeça para a comparação.
— Está quente. — abana suas mãos contra o pescoço. Está de cabelo curto, do tipo que rala a palma.
— Gostei do corte de cabelo.
— Obrigada. O que tem para fazer?
— Peixe, amor.
— Que horas os outros chegam? — vai lavar suas mãos
— 13 horas, por aí. Que horas são, Yara? — minha irmã vem até mim e me mostra a tela do seu telefone, para ver as horas e a resposta de seu namorado — Temos mais ou menos duas horas, ainda. — repito e baixo o tom de voz para que somente ela ouça — Fala que não tem problema, irei lhe buscar na paragem.
— Eu vou. Preciso lhe preparar primeiro.
— Não comemos as pessoas vivas. Relaxa.
♠
O dia caiu por terra e a noite começa a se erguer. Meu relógio biológico chuta por aí 18 horas e quaisquer minutos, quando saio do banho super apressada. A segunda buzina do dia se repete no eco da casa de banho. É Júlio, um de seus convidados e Luther, com certeza.
Quando me disse que estava a caminho, pedi que levasse Luther na paragem próxima a minha casa, assim ele não precisa sofrer nenhum tipo de reparação antes de me conhecer, e facilita as coisas para nós.
Saio na ponta dos pés até meu quarto, por sorte, não deixando nenhum rastro de água pelo caminho. Entro, fecho a porta e vou até o canto noroeste do meu quarto, onde fica meu guarda-fato, para ver um conjunto íntimo. Um macacão é o que Yara separou para mim. Ela adora me ver dentro dele, mas eu me sinto gorda demais nele.
— Ficou bom? — olha para si, depois para mim.
Escolheu uma blusa branca com as mangas curtas em dobras finas e uma estampa de caveira no peito, combinada com um calção de cinta alta, preto e todo solto. Suas mechas estão presas no topo da cabeça e em seus pés, chinelos brancos.
— Está. De onde e quando vieram esses quadrís? — me espanto. Estão realmente maiores. Vitória não mentiu, e eu apresentei minha falta de objeções sem antes notar isso.
— É justo. Não pode ser a única gostosa da casa.
— Vai levar muito tempo para me tirar do trono, amor. — brinco e, quando acho o conjunto aceitável, visto a calcinha. — Tati, já sabe o que vai vestir?
— Já vesti. — termino de organizar o tecido em minha cintura e olho para ela.
— Gostei. — sorrio e é vez de me enfiar neste sutiã marrom — Me passa meu óleo ali? — com o queixo, indico a cabeceira — Me ajuda a fechar. — dou as coisas para Yara.
— Não é assim como se coloca um sutiã.
— Eu sei, mas estou com pressa.
— Foi ela que te ensinou a colocar. — Tati me entrega o frasco escorregadio enquanto fala por mim. Bem colocado.
Enquanto isso, ouço vozes no lado de fora. Sei que Vitória vai segurar as pontas, mas é meio difícil lidar com pessoas completamente desconhecidas sem alguém comumente conhecido por perto. Neste caso, a melhor seria eu. Decido me apressar e apressar minhas irmãs para que saiam.
— Obrigada. — agradeço a ambas — Saio em alguns minutos. Vão ajudar Vitória.
— Está bem.
— Oque separou para eu vestir? — pergunto mesmo sabendo e podendo ver.
— Aquele macacão. — apontapara o macacão preto e justo por cima da minha cama. O trabalho que terei para vestí-lo...
— É muito apertado e mostra minhas banhas.
— Quais banhas, Judy? — me olha aborrecida e ambas saem.
Antes que possam fechar a porta, minha amiga surge através dela e me analisa somente de roupa interior e com o macacão na mão.
— Falta muito?
— Não, saio já. — tento imediatamente achar a parte superior do que vou vestir. Já me frustra.
— Chegaram 3 pessoas, mas disseram que uma irá se atrasar.
— Ahn... — achei! Abro o zíper e começo a vestir — Sim. Ele disse que viria com duas pessoas e pedi para levar alguém. — digo com o fôlego esgotado pelo esforço que faço para fazer o macacão passar pelo meu quadril.
— Depressa!
— Já venhooo! — já sentindo meu corpo transpirar, paro de forçar quando ouço algumas linhas dele se rebentarem — Jesus! Estou gorda!