Capítulo 04

Estávamos outra vez no lago, olhei para todos os lados, para ter certeza que estamos no mesmo lugar que saímos e estávamos, a água clara e gelada estava cobrindo os meus pés não tinham indo a lugar nenhum,  estávamos lá na floresta, no mesmo lugar, me abaixei e peguei uma pedra do chão,  queria sentir, queria ter certa de tudo.

— O que foi isso? — Olhei para a coisa, que me observava, queria ter certeza do que ele tinha feito, de como ele tinha feito, eu teria saído do lugar? Ou será que ele colocou aquilo na minha cabeça?— O passado? — Ele disse pensativo, eu me afastei dele.

— Como o senhor fez isso? Como me fez estar lá e estar aqui ao mesmo tempo?

— Saberá tudo no tempo certo. — Ele parecia estar me analisando, como se esperasse outra atitude minha. 

— Mas...

— Temos apenas uma solução para que você viva. — ele continua a me ignorar, mas suas palavras chamam minha atenção. — Eu sei que você está maravilhada com tudo.

— Porque você está tentando me ajudar?  O que quer, porque eu não tenho nada, eu...— Porque preciso! — Ele falou antes que eu pudesse terminar a frase.  Mas isso não era o suficiente, não aqui, não em Tárcia, ninguém ajuda uma escolhida, ainda mais alguém que possua esse tipo de poder.

— Por quê? Não tenho nada valioso que possa querer nada que valeria para um ser como o senhor.

— Vamos dizer que um dia terá. — Ele se vira para me olhar, e posso sentir que ele diz a verdade. — Muito mais do que pensa.

— Como assim? — Era insano, eu não devia confiar nele, talvez fosse algum truque da rainha, algo para ter certeza que eu não desistiria,

— Teremos muito o que conversar, mas só quando você estiver a salvo.

— Não disse que aceitava a sua ajuda. — Eu não podia confiar nele, eu nem sei por que me  deixei levar, isso era perigoso demais.

— Eu vou dar uma razão para você não tomar a decisão errada.

Ele simplesmente desapareceu sem me deixar terminar a pergunta. Fiquei ali pensando em tudo que tinha acontecido, se eu comentasse isso com alguém eles iriam me achar insana e duvidaram. Eu devia pensar sobre tudo, seja lá o que aquela coisa for, ela pode me ajudar, pode ser a minha única chance, mas e se essa coisa for a mesma que fica ao lado da rainha, a que o povo nunca ver a face, a que só aparece na noite do sacrifício  e some, não se fala sobre isso, o reino fingir não saber e nem ver esse ser, mas há boatos sobre ele, sobre o que ele pode fazer. E se esse ser for o mesmo?  E se for uma armadilha, que todas devem passar? Eu acho que eu não passei, devia ter me recusado, devia ter me negado, dito algo como: “meu sacrifício para servir o reino” seja lá o que ele esperava ouvir.

Subo em uma árvore e fico olhando o castelo, logo estarei lá e serei bem tratada, ganharei uma coroa, logo depois me levarão para o altar os sacrifícios acontecem, não sei muito sobre essa parte apenas que ficamos rodeados por nosso povo, que esperarão que eu e as outras seis meninas estejamos mortas e depois celebraram, mais sete anos de prosperidade para o reino. E logo tudo acabará, morrerei "com honra". Bem, é isso que dizem, Mas que honra se têm em morrer sem lutar?

Já estava anoitecendo quando desci da árvore para voltar pra casa. Minha mãe já fazia o jantar, ela amava cozinhar, uma das poucas coisas que não havia sido tirado dela. Como eu minha mãe foi instruída a não andar por aí fazendo coisas que camponeses comuns fazem.

— Onde esteve Dominique? — Ela me dá aquele olhar fulminante. Minha mãe se esquece de que não sou mais a menininha pentelha que destruía os jardins alheios.

— No lago. — Era melhor falar um pouco da verdade, porque ela sempre sabia quando eu mentia.

— É perigoso! –  me repreende, dessa vez olhando para o meu pai, que nada disse, ele estava apenas nos observando.

— Não para mim! — Falei pronta para lhe dar um beijo.

— Só porque seu pai te ensinou coisas de homem não quer disse que você é um! — Ela se afasta zangada. — Não ache que um beijo resolve qualquer coisa acha.

— Mamãe! — Eu a beijo na bochecha antes que ela se afaste novamente. — Não deve se preocupar.

— Vá lavar as mãos, o jantar já está pronto! — Ela fala zangada, mas sorri.

— Sim, senhora! — Vou até o banheiro e lavo minhas mãos rapidamente, quando volto fico olhando meu pai ali parado encarando a janela e percebo a grande semelhança entre ele e o velho que eu vi hoje.

— Papai, por que você nunca me disse que meu avô foi conselheiro do rei? — Meu pai virou-se rapidamente e me olhou com os olhos levemente arregalados, ele parecia estar assustado.

— Quem te disse isso? — Ele grita e isso me assusta, meu pai nunca grita, não comigo.

— Eu soube...

Dei-me conta que nem devia falar sobre aquilo.

— Não repita isso! — Ele brada me interrompendo para então se virar novamente para a janela. — Nunca mais repita isso!

— Me perdoe pai. — Senti as lágrimas rolarem e eu só queria fazer elas pararem, ele nunca foi assim, nunca me tratou assim.

— Dominique venha cá! — Minha mãe me chama, ela parece está angustiada e então vou até ela. — O que meu pai tem?

— Vá para o seu quarto! — Ela ordena e eu a olho  indignada. O que eu tinha feito de errado?

Mesmo a contragosto eu faço o que ela manda e sigo para meu quarto. Eu nunca soube nada sobre a família do meu pai, minha mãe disse que ele não gostava de falar sobre isso, mas nunca achei que tocar no assunto o deixaria assim. Alguns minutos se passaram até que minha mãe bata na porta me tirando dos meus pensamentos.

— Pode entrar!

— Trouxe sua comida. — Seu rosto demonstra preocupação.

— Por que aquele ataque todo por uma pergunta? — questiono, ela me olha como se estivesse cansada.

— Entenda seu pai. — Ela fala deixando a bandeja na cama e eu a encaro com as sobrancelhas erguidas em um incentivo para que ela continue. Ela solta um suspiro cansado e então fala. — O seu avô foi um dos homens que ajudou a princesa a tomar o poder!

         — Como assim?

— Ele armou para derrubar o rei. — Minha mãe estava sugerindo que de alguma forma meu avô tinha contribuído para a queda do rei.

— Mas por que ele faria isso? — Nada fazia sentido, minha mãe sorri, e mexe os ombros, a verdade é que eu sabia que meu pai não contaria nada sobre um traidor. — Meu pai tem vergonha dele, entendo, mas ele parecia um homem tão digno!

       — Do que está falando? — Minha mãe me olha confusa, o meu erro tarde de mais.

— Nada é só que pensei uma bobagem. — Minto, mas o que eu poderia dizer, além disso.

— Sempre pensando demais. — Minha mãe revira os olhos, ela acha que eu sou uma sonhadora sem solução. 

Ela se aproxima e me dá um beijo na testa antes de sair, me deixando ali com meu jantar. Após comer eu me deito em minha cama e fico pensando em como tudo o que tinha acontecido hoje não fazia sentido.

O beijo de Caio, a briga, o homem na floresta e aquela visão do passado, sem contar no segredo que minha mãe tinha me confidenciado. Eram tantas coisas para um dia que o sono me tomou antes que conseguisse processar todas.

— Acorde! — Minha mãe me sacode do jeito delicado que só um cavalo conseguiria.

— O que foi mãe? — Digo me levantando, irritada, não havia forma mais delicada de alguém ser acordado?

— Levante para tomar café! — Ela grita abrindo as cortinas. — Tem que ser mais cuidadosa, porque deixou a janela aberta?

— Não sei. — Falei sonolenta, cobrindo o rosto com o cobertor.

— Poderia ficar resfriada! — Então ela para de falar, como se compreendesse que não faria diferença alguma um resfriado para alguém que estava sentenciada a morte.

— Estou sem fome. — Dei um pulo da cama e lhe dei um beijo na bochecha, ela sorriu amável novamente.

— Seu pai não queria gritar com você, é só que as coisas não estão fáceis...

— Eu entendo, mas o que posso fazer? Logo estarei morta e só queria que ele ficasse um pouco comigo. — Senti as palavras afiadas, mas não consegui pará-las antes de atingir o alvo errado.

— Algumas pessoas não sabem como lidar com a dor. Tem quem se torne forte com a dor e tem quem é consumido por ela.

— E meu pai foi consumido, não é? 

— Podemos dizer que sim. — Minha mãe me olhou com aqueles grandes olhos verdes, ela era forte, ninguém esperaria que ela fosse a forte da família, meu pai um guerreiro que um dia foi respeitado, não tinha a coragem daquela mulher.

— Quando seu pai a segurou pela primeira vez, depois de ter servido na guerra entre nosso reino e o reino inimigo ele disse "Ela é especial! Irá me dar dor de cabeça ``. — ela me contou se sentando na beirada da cama.

— Por quê? — Porque perguntei curiosa, amava as histórias que meus pais sempre tinham para me contar.

— Talvez seu pai consiga ver o futuro. — Ela sorri com a fala. — Ele te ama muito, até quando você nos faz ficar de cabelos em pé, nós te amamos. — Ela me beijou na testa e eu pude sentir as lágrimas escorrendo, ela estava chorando. — É difícil olhar para você e saber que logo não vai estar aqui nos deixando de cabelos em pé.

— Não chore! — Eu beijo seu rosto querendo apagar a tristeza de seus olhos. — Não deve se preocupar com isso.

— Eu preferia aquela casa simples, aquelas roupas velhas, do que ficar sem você. — Ela puxou o ar, enquanto tentava não chorar.

— Eu sei! — Eu não queria chorar, estava cansada de resumir meus dias a chorar e me entristecer pelo meu futuro.

— Não deveria ser assim, não é a ordem certa, uma mãe não devia ver a filha morrer.

— Mãe! — Eu digo a abraçando e me quebrando com suas palavras. A verdade é que não sabia se suportaria ver ela e meu pai mortos.

— Não queremos perdê-la, é só isso. — Ficamos ali por um bom tempo, sem dizer nada.

Era tudo muito ruim, tudo muito injusto, porque eu tinha que morrer para o bem do reino? Porque minha mãe tem que perder sua única filha? Porque coisas ruins precisam acontecer? Tudo era cansativo, tudo era mau.

Minha mãe sai e olho pela janela, sinto uma enorme vontade de rever minha antiga casa. Onde coisas boas aconteceram, lá o mau ainda não existia, vesti um vestido leve branco, precisava de algo confortável, a caminhada seria longa.

Pulei a janela decidida, seria bom me despedir da minha antiga casa, seria bom sair desse lugar. Eu levaria toda manhã para chegar, era distante, e um pouco perigoso, já que ficava afastado do castelo, mas eu precisava disso, precisava me afastar disso tudo, e saindo cedo eu poderia voltar antes do anoitecer, caminhei o mais rápido possível para a floresta, eu conhecia muito bem esse lugar, o povoado fica um pouco distante de nossas casas que está mais próxima da floresta, o que é a única coisa boa nisso tudo. 

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