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                                                           Querido Chris

 Como contar para alguém que você ama o quanto ele esteve errado sobre a pessoa a qual morou com ele durante três longos meses compartilhando momentos, olhares, sorrisos? Talvez para alguns seja pouco tempo, para mim, alguém que jamais se imaginou fazendo parte de algo especial, considero que seja um longo tempo, quase uma história de vida.

  E como dizer a essa pessoa o quanto você se sente arrependida pelas decisões que tomou, por me sentir pressionada pela situação a qual eu me encontrava? Não existe uma forma exata para por para fora tudo aquilo que eu imaginei mil vezes te contar e não pude, com medo que você não entendesse as minhas razões, e não compreendesse como minha vida foi fodida desde que me vi só no mundo, e foram muitas vezes, o que me fez desacreditar que não merecia alguém como você, e vendo como as coisas aconteceram, talvez, eu estivesse certa.

 Então resolvi recorrer à forma mais fácil, escrevendo uma carta. Eu sei, meio covarde da minha parte, me esconder por trás de linhas em vez de dizer cara a cara. Tive tantas oportunidades, desde o começo, no momento em que segurei sua mão naquela noite, eu deveria ter sido sincera. Pra ser sincera, em você eu vi minha rota de fuga de uma vida miserável, eu precisava ir o mais longe que eu pudesse de tudo o que me fazia mal. Então, deixei que as coisas seguissem seu curso, já que não pretendia estar em sua vida mais que algumas horas. E com o tempo você não se lembraria da garota que salvou a vida, mas para mim, sempre seria meu salvador, mesmo que você não soubesse.

 Perdoe-me por ter sido covarde, destruir sua vida e minha única chance de ser feliz. Preciso confessar que os meses que passamos juntos foram a única vez que senti aquela “felicidade” da qual todos falam, e agora só me restou um vazio, um buraco negro que me engole a cada dia. 

 Você agora deve estar se perguntando como tudo começou? Em que momento foi que eu meti você nessa confusão? Não se preocupe, irei contar, só me deixe tomar coragem para iniciar minha triste e vergonhosa história. Só peço que, depois que você souber toda a verdade, não me odeie, ou pelo menos, não o suficiente para jamais olhar em minha cara de novo. Lembre-se de mim como a pessoa que você amava naqueles momentos que você olhava para mim com se eu fosse a pessoa mais importante da sua vida, e talvez eu tenha sido, mas agora eu não passo de uma mera lembrança ruim.

 Como sinto sua falta, a cada instante do meu dia, e só faz um mês que eu não o vejo e isso está me matando, pouco a pouco, um pedaço de cada vez.

 No dia em que te conheci não fazia idéia do porquê você estava sendo tão gentil comigo, tirando o fato que você tinha quase me atropelado, o que não é relevante agora, não depois dos meus atos.

 Irei começar pelo início, é claro, por onde mais eu começaria?

 Há exatos quase dezesseis meses atrás meu dia se iniciava como qualquer outro, nada muito promissor, como tudo na minha vida. Era quase meio dia quando resolvi levantar à procura de algo decente para comer. Com o pouco que eu ganhava na boate minha alimentação se resumia a sanduíche de pasta de amendoim com suco, era tudo que tinha na minha geladeira.

 O resto da tarde arrumei o meu apartamento minúsculo, quero que saiba que não estou reclamando, pode acreditar. Comparado aos lugares que já dormi na época que me tornei adulta “aos olhos da lei” e pude deixar o lar adotivo que eu morava, o pequeno apartamento era um palácio. A sala, onde só havia um sofá laranja, detalhe, o móvel já usado tantas vezes, e o que eu imagino por diferentes pessoas, que nos assentos tinham machas escuras, que eu tampava com uma manta na tentativa de deixar mais aconchegante. A pequena mesa que eu fazia minhas refeições já havia visto dias melhores, como tudo o que havia no apartamento. Mas eu conseguia deixar com mais cara de lar, as vezes conseguia comprar umas flores para enfeitar o ambiente, o único ponto negativo, a beleza contida nas flores não durava muito mais que uns dias.

 Eu tinha que estar no trabalho as seis da tarde para ajudar as outras meninas a limpar a boate e deixar tudo preparado para quando fosse abrir lugar. Uma hora antes de iniciar o funcionamento, eu e minha única amiga Miriam, encontrávamos em um dos camarins nos arrumando em trajes sexy e vulgar, que não tampava absolutamente nada do meu corpo, o que arrancava olhares da maioria dos caras no salão principal quando desfilávamos para eles como pedaços de carne sem valor. Por eu ser ruiva de olhos acinzentados, que minha tia me dizia que eram como os do meu pai, e para completar com curvas delineadas que dava inveja nas outras garotas, mas deixava Jacob satisfeito por conseguir ganhar muito dinheiro me usando como principal produto da casa.

 Aquele dia começou diferente dos outros que estávamos acostumadas. Em uma noite de sexta era de se esperar que a boate estivesse lotada, mas em vez disso, havia poucos mais que dez clientes espalhados pelos salões, rodeados por mais de três garotas tentando ser escolhida para subir para um dos quartos privados, o que não era meu caso. Fiz meu trabalho como toda a noite, me aproximava de um cliente, me oferecendo para que eles me pagassem uma bebida usando minha voz mais sensual. O que não era preciso, eu sempre era recebida por eles com olhares famintos que me causavam repulsa, mas eu tinha que fingir que gostava da forma que eles me olhavam. Era regra da casa, sempre deixar os clientes satisfeitos em qualquer que seja seu trabalho ou você teria problemas com o chefe e seus brutamontes, que não se importavam de castigar algumas das garotas que não seguissem as malditas regras.

 Lá pela meia noite, depois de ter rodado todo o salão e quase todas as garotas terem feito suas performances de striptease, eu seria a próxima para encerrar a noite. Segui pela lateral do salão, indo para o camarim para que eu pudesse me trocar, antes que eu chegasse ao corredor uma mão suave toca meu braço, me puxando para um canto escuro escondido entre alguns sofás que estavam desocupados, por um momento o pânico disparou meu coração, por mais que os clientes podiam fazer o que quiser conosco, era proibido tocar em uma de nós sem fazer o pagamento antes, então não era comum sermos abordadas dessa forma, todos ali sabiam as regras do Jacob, e sabia qual eram as consequências de quebrá-las.

 Para minha sorte era apenas Miriam, fitando-me com um semblante preocupado que eu conhecia muito bem, já a vi usando essa expressão quando encontrávamos em sérios problemas ou quando tinha algo a ver com sua filha, Mia. Nossa pequena garotinha de três anos,fruto de uma das noites de Miriam com um cliente filhinho de papai, ele jamais soube sobre a pequena garota. Não era como se ele fosse se importar, para eles não importava as consequências do que fazíamos nos quartos, e se engravidássemos seria um problema nosso, mas imagina como Jacob reagia quando uma coisa dessas acontecia, nada de bom.

 Foi o que aconteceu no caso de Miriam, só que ela não permitiu que Jacob interrompesse a gravidez e, como conseqüência, ele a deixou sem trabalho durante os nove meses. Foi nesse momento que eu percebi que ela passava por aquilo que eu muita vezes já passei, estar sozinha, sem ninguém a quem se apoiar. Eu a ajudei durante toda a gravidez, cuidando dela em meu minúsculo apartamento com o pouco que eu conseguia na boate. Quando a nossa Mia nasceu soubemos que todo o esforço valeu a pena, ela é nosso pequeno anjo. Minha amizade com Mirim só fortaleceu nesses últimos anos e temos feito de tudo para manter nosso anjo longe desse mundo, pois queremos que ela tenha um futuro melhor que o nosso.

- Acabei de vir do escritório do Jacob, levei seu drink no lugar da Livie, por ela encontrar-se ocupada no bar. - olho na direção do bar do outro lado do salão, Livie, a bartender, limpava o balcão, enquanto um velho bêbado tentava lhe passar a mão.

- E por que isso é importante? Todos sabem que Jacob gosta que levem suas doses de whisky em seu escritório, porque o chefão tem preguiça de pega sua própria bebida. – Mirian revirou os olhos, indignada, só para constar, eu compartilhava de sua raiva.

Nós duas odiávamos o Jacob por ser um filho da p**a que achava que podia m****r nas nossas vidas como bem entendesse, como se não passássemos de bonecas que ele podia manipular, e nos descartar como lixo.

- A parte importante nessa história é que, enquanto eu servia a bebida, o chefão recebeu um telefonema, pelo tom da conversa era um dos seus negócios sujos. Saí sem que ele me notasse, só que antes que eu pudesse fechar a porta o ouvi dizer seu nome para a outra pessoa do outro lado do telefone. - Nesse momento Miriam tinha toda a minha atenção, e o pânico de outrora percorreu minhas veias, infectando meu ser.

 Por qual motivo eu era o assunto de um dos negócios sujos, Jacob? O arrepio pelo meu corpo indicava que eu não iria gostar de saber.

- Qual o motivo dele citar meu nome? – pergunto, sentindo meu coração acelerar pela ansiedade.

- Sem nenhum dos brutamontes por perto, permaneci parada ouvindo a conversa com a porta entreaberta, sem que ele me notasse, nosso chefe sem caráter falava sobre você para a pessoa, como se você fosse um produto em sua vitrine. – não era nenhuma novidade que éramos consideradas como objetos. A pergunta é... Quais são os planos do chefe para minha pessoa? - O Jacob lhe vendeu para o Bob, o velho nojento, dono do tráfico de drogas desse lado da cidade, o maldito estará vindo para a boate para pagar ao Jacob uma quantia alta e levar você com ele.

 Eu não podia acreditar que Jacob poderia ter coragem de fazer uma coisa desumana como essa, me vender como um saco de batatas era um pouco demais. Não era a primeira vez que eu ouvia que as garotas que sumiam sem nenhuma explicação eram, na verdade, vendidas por quantias absurdas para tarados com o Bob, e ninguém jamais via as garotas novamente. E eu estava prestes a me tornar uma delas, ótimo, o destino estava me dando mais uma rasteira, que sorte a minha, não?

- Tem certeza? – perguntei a Miriam, que me olhava com pena pela minha situação.

 Eu só queria por um momento acreditar, pelo menos uma vez, que o destino não estava sendo cruel comigo. Olhei para o salão da boate vazia, agora entendo o porque do pouco movimento, nosso adorável chefe não queria muitas testemunhas do seu negócio da noite. Eu serei exibida como um frango na padaria, e depois de ter uma prova do produto serei comprada, levada sem nenhuma dignidade, sem chance de escolha.

- É claro que tenho. Jacob só permitiu poucos clientes hoje exatamente por esse motivo, e ainda colocou você como última a dançar para que o velho tenha um gostinho do que terá quando te comprar essa noite. - a ânsia de vômito quase me fez colocar para fora o sanduíche que comi mais cedo.

- Não posso acreditar, que cretino. - levei à mão a cabeça em desespero, a vida aqui já é ruim o bastante, não quero imaginar como será sendo objeto sexual de um velho tarado.

- Você tem que ir embora. - Miriam me empurrou, como se isso fizesse com que eu fosse embora mais rápido. Como se eu tivesse escolha, se tivéssemos nenhuma de nós duas estaríamos aqui agora, em uma situação humilhante.

- Como se o chefão fosse me deixa ir, assim tão fácil. - revirei os olhos para sua ingenuidade.

- Ele ainda está no escritório com os brutamontes. Você tem esse tempo para pegar suas coisas no camarim e ir embora pela saída dos fundos.

Olhei para minha amiga que parecia suplicar para que eu fizesse o que me mandava, por um momento cogitei a possibilidade de fugir, seguir uma vida da qual eu estivesse no controle. Só que o medo do que poderia acontecer comigo, caso fosse pega em fuga, era maior que a esperança de uma vida melhor.

- Não tem a menor chance desse plano louco dar certo, vou ser pega antes de por os pés para fora desse lugar. - afirmei o óbvio.

- Vai sim, se você se mexer e for logo. Olha, você não pode permitir que aquele maluco decida tudo por você, ele tem feito isso desde que percebeu que você tinha um futuro na área da literatura. Se ele não tivesse te impedido de continuar seus estudos, por puro egoísmo e crueldade, talvez hoje você teria uma vida diferente. E agora ele está fazendo de novo, te vendendo como mercadoria para um filho da p**a, então vai enquanto você tem tempo e busque a vida que você merece. - o nó se formou em minha garganta, ao lembra-me de tudo o que Jacob tem feito para tornar minha vida difícil.

 E a centelha de esperança se torna uma brasa queimando em meu ser, vislumbro um futuro digno, trabalho na área da Literatura Inglesa como sempre sonhei. Mas, ao imaginar uma vida sem Miriam e a pequena Mia, retrocedo para o agora, a minha realidade, e jamais poderei partir e deixar as duas para trás, elas são parte de mim, minha família. 

- E como poderei ir e deixar vocês duas para trás, minha única família? - segurei sua mão, com os olhos envoltos de lágrima.

- Iremos ficar bem. É com você que temos que nos preocupar agora. - Lá no fundo eu sabia que ela tinha razão, porque depois dessa noite eu não teria mais nenhuma chance de escapar dessa minha triste realidade, e não as veria de qualquer forma.

 Com o rosto coberto por lágrimas, e uma dor no peito, nos abraçamos prometendo que nos veríamos de novo. Que mesmo que a vida tenha sido uma vadia conosco, ainda poderíamos sonhar em ter um recomeço. Que veríamos nossa pequena Mia crescer, e se tornar uma mulher forte, cheia de sonhos, e que nós três ainda seríamos uma família. Algo em mim me impulsionou a abraçar Miriam mais forte, como se eu sentisse que seria a última vez que teria a chance de compartilhar com ela um abraço. E esse sentimento quase me fez de desistir dessa idéia de partir e deixar minha amiga para trás, é como se eu a tivesse traindo depois de tudo que passamos juntas. Infelizmente eu não poderia ficar, não sabendo qual será meu destino, essa noite tenho que acreditar em uma força maior que nos fará nos unir novamente.

 Enquanto me afastava da minha amiga, desejei que nada de mal acontecesse a ela, que a fúria do Jacob por eu ter fugido não chegasse às únicas duas pessoas que ainda me restava. É mais uma vez, eu estaria sozinha, em busca de um futuro distante, e sem perspectiva de como obtê-lo.  

 Preciso dizer o quanto eu estava errada naquele dia, o quanto eu não sabia como Jacob poderia ser tão sádico, e que minhas escolhas tiveram conseqüências terríveis, e que terei que viver com essa culpa pelo resto da minha vida.

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